• Nenhum resultado encontrado

Em meio à chamada crise de Identidade um aspecto chama a atenção: o fortalecimento de Identidades locais paralelo ao fenômeno da globalização. Como fala Stuart Hall, Kevin Robin acredita que “há, juntamente com o impacto do global, um novo interesse pelo local” (HALL, 1999, p. 77). Seria este o caso da Amazônia? A região parece se resguardar daquele aspecto da amplificação midiática que torna tudo tão próximo e igual. A palavra “Amazônia” carrega naturalmente consigo a ideia de intocado e natural. Hall explica que:

A ideia de que esses lugares ‘fechados’ – etnicamente puros, culturalmente tradicionais e intocados até ontem pela modernidade – é uma fantasia ocidental sobre a alteridade (...) mantida pelo Ocidente, que tende a gostar de seus nativos apenas puros e de seus lugares exóticos apenas como intocados (HALL, 1999, p. 79).

No decorrer da história, a Amazônia herdou esta imposição ao naturalismo, conforme nos revela Magali Franco Bueno:

Atualmente os meios de comunicação têm um papel preponderante na formação do Imaginário sobre Amazônia. Imagens como as relacionadas acima [celeiro do mundo, pulmão do mundo, vazio demográfico] são comuns tanto na mídia escrita como na televisiva. Os estereótipos associados à Amazônia são atualizados diariamente pela imprensa, e embora a origem da maioria deles tenha se perdido, remetem a concepções de Amazônia que vêm sendo construídas e reconstruídas há cinco séculos. (BUENO, 2002. p. 06)

Adriano Duarte Rodrigues ao comentar sobre as características do Campo dos Media explica que como instância de mediação, os veículos de comunicação tendem mais para o reforço de concepções que acredita serem predominantes no cenário social que para a contradição destas percepções. “O campo dos Media não atualiza propriamente o fundo mítico primitivo escondido nos demais profundos estratos do imaginário coletivo. O seu

retorno dá-se antes sob um modo específico adaptando-o a sua estrutura” (RODRIGUES, 1990, p.154).

A partir das reflexões teóricas e da consulta às referências bibliográficas, a presente pesquisa sobre a relação entre as representações sociais da Amazônia e o telejornalismo nacional tem por hipótese a impressão de que as diversas representações da região quando esta é nomeada são sempre permeadas pelo mesmo núcleo representacional: a naturalidade primitiva-exótica, hipótese comprovada pela pesquisa de Manuel Dutra na década de 1990. No entanto, quando os fatos ocorridos neste “lugar” são narrados dissociados da palavra “Amazônia”, as representações se tornam mais fluidas e distintas. O que significaria que a representação do lugar descrito como Amazônia não é a mesma representação da Amazônia, palavra que referencia um lugar sem delimitação específica.

Se no decorrer da história os discursos oficiais sobre a Amazônia foram permeados de definições desta como “El dourado”, “floresta natural”, “Éden” ou “inferno verde”. Acredita-se que os discursos midiáticos herdaram também esta representação e sustentaram a noção de identificação do local com base em representações da Amazônia como “natural”. Daí amazônico, na fala midiática, seria o índio, a floresta, a fauna, o verde, os rios, os chamados povos da floresta.

E quem seriam, então, os ‘povos da floresta’? Seriam eles classificados por sua origem étnica, como indígenas, nativos, povos tradicionais, portadores de estilos de vida tradicionais, comunidades autóctones, agricultores de subsistência ou populações locais? Neste caso, sua categorização como ‘povos da floresta’ não se vincula necessariamente ao território, de vez que são midiatizados em distintos lugares, ora pescando, ora coletando, ora referindo roçados, ora presentes em ambientes urbanos. Em certo sentido, esses ‘povos’ aproximam-se conceitualmente, mas apenas parcialmente, das ‘populações tradicionais’, na forma como Barreto Filho (...) afirma deste conceito: ‘trata-se de construto ideológico cuja força reside exatamente na generalidade de seu significado e na flutuação de seu emprego, não sendo possível o exercício do rigor científico nesta matéria. (DUTRA, 2004, p. 135)

Um processo que Rosane Steinbreenner (2009) chamou “centralidade ambiental versus invisibilidade urbana”.

Seja como for, a floresta surge como atributo máximo de classificação da Amazônia, o que por si só reforça, em paralelo, a ideia de desumanização do espaço, traduzida, por exemplo, na noção, problemática do ‘vazio demográfico’. Tal centralidade ambiental (...) tendo, por outro lado, a promover a invisibilidade de grupos humanos, em especial das populações urbanas da Amazônia. Esta opacidade do urbano na região, que aparece nos vários campos discursivos que disputam a definição do sentido da Amazônia, tem um caráter contraditório e perverso. Contraditório, quando analisadas as taxas de urbanização na Amazônia e as dinâmicas demográficas, como o crescimento de fatores de morbidade

típicos da deterioração da qualidade de vida em metrópoles, por exemplo, os resultantes de fatores como stress e violência urbana. Perverso, porque esta aparente invisibilidade desses segmentos populacionais como neutraliza, na medida em que tendem a ‘naturalizar’, a escassez de políticas voltadas a melhorar os dramáticos indicadores sociais das cidades amazônicas (STEINBRENNER, 2009, p.19)

Fábio Castro escrevendo sobre a reorganização das identificações na Amazônia comenta que quatro grupos se reconhecem como amazônidas. Camadas medianas da população urbana a quem as “mitificações de uma identidade regional nunca deixam de comover”; populações constituídas pela imigração ao longo das últimas décadas do século XX “em muitos casos aceitam de coração aberto esta denominação”; compreende a grande maioria dos artistas e intelectuais dos centros urbanos locais “que demonstram uma incapacidade crônica em superar a mentalidade colonizadora”; e por fim, o que o autor define como amazônidas espirituais. “Multidões de indivíduos que jamais estiveram na região, mas que, talvez por influência da representação midiática (...) acabam por ingressar nos caminhos de uma histeria social marcada pelo sentimento identitário”. (CASTRO, 2005, p. 8).

O pesquisador ainda se pergunta: “E quem, então, não se reconhece como ‘amazônida’, dentro da Amazônia? Diríamos que conjunto de populações ditas ‘tradicionais’. Justamente aquelas que servem de referência à fabulação da coerência intelectual e identitária desejada” (CASTRO, 2005, p. 8).

Ao refletir sobre os “Caboclos na Amazônia: a identidade na diferença”, Carmem Izabel Rodrigues aponta esta falta de reconhecimento quanto à categoria de caboclo que seria, então, uma identificação negativa, uma representação, no sentido de que os grupos denominados de caboclos não se reconhecem como tal. Tal identificação é atribuída pelos “outros” a um “eu” que a recusa.

A categoria caboclo torna-se, assim, um problema teórico e ético, tanto quanto político: uma identidade reificada pela negação, como alguém ou algo que está fora do lugar (da modernidade contemporânea); ao mesmo tempo, é aquele que não tem consciência de si, ou pior, é aquele que pensa pelas representações e estereótipos construídos pelos outros ou mesmo através de uma ‘dupla consciência (RODRIGUES, 2006, p.123).

Assim, as disputas por hegemonia entre grupos envolve um aspecto indentitário relevante para os estudos em comunicação. Ao fenômeno de identificações “impostas” CUHE (2002) afirma que há uma ampla margem entre a representação de uma identidade que o grupo identificado deseja projetar socialmente, ou seja, como ele deseja ser

reconhecido; e as representações que os “outros” tentam lhe designar. Esta margem move- se conforme a capacidade de cada grupo ou individuo de se auto-nominar ou representar diante de outros ou de resistir a representação da identidade que lhe é imposta socialmente.

No caso dos chamados caboclos, sua capacidade de auto-definição (de projetar uma representação de identidade) é menor que a capacidade de outros grupos, artistas e classes hegemônicas, por exemplo, de identifica-lo e de impor esta representação e identidade a outros setores da sociedade.

Podemos também pensar essa categoria como um lugar de representação, ao mesmo tempo um lugar residual e uma fronteira móvel que avança e recua. Uma cultura cabocla, vista sempre como um lugar residual, não existiria como cultura própria; afirmar-se-ia pela negação; seria então um espaço marcado por um duplo discurso de exclusão. De quem olha e fala do exterior, o caboclo é aquele que está fora da modernidade. De quem olha do interior e vê o outro como espelho – ao mesmo tempo em que se vê pelos olhos do outro – o caboclo é aquele que deseja ser o outro de si mesmo (RODRIGUES, 2006, p.125).

Esta fragilidade de fronteiras sobre a identificação e a representação da Amazônia também é expressa nos estudos de Magali Franco Bueno. Ao analisar as representações sociais sobre a Amazônia junto a um grupo de pessoas em diferentes locais do Brasil (Manaus, Belém e São Paulo), entre outros fatores, buscou a definição da região apontada pelos entrevistados. O procedimento incluía fornecer ao informante um mapa da América do Sul com os limites administrativos dos países e dos estados brasileiros, especificamente, e pedir a cada um que indicasse no mapa onde ficava a Amazônia.

Entre os 80 entrevistados, sendo 30 das cidades de Belém, 30 de Manaus e 20 da cidade de São Paulo, as “definições” imagéticas se distribuíram majoritariamente entre o Estado do Amazonas, a Amazônia Clássica (Região Norte), a Amazônia Legal e, em menor número, a Pan-Amazônia, sempre em uma associação imediata com a figura da floresta, mesmo entre os entrevistados (urbanos) paraenses e manauaras, o que explicitaria uma relação distanciada, uma não-identificação, em relação à região. (BUENO, 2002)

Estes exemplos demonstram que o imaginário de brasileiros sobre a Amazônia está muito influenciado pelas políticas governamentais para a região e pelo conteúdo exposto nos livros didáticos, mas, preponderantemente, pelo discurso da mídia sobre a região. É evidente que todos os três estão fortemente imbricados, mas como foi visto, os meios de comunicação são, atualmente os maiores veiculadores de imagens sobre a região e no seu discurso predomina a destruição da Amazônia e a necessidade de sua preservação (BUENO, 2002, p.157)

Nos discursos televisivos parece ser difícil falar e definir a Amazônia sem recorrer a estereótipos regionalistas. Os discursos sobre ela são muitos e seu alcance é universal. A

multiplicidade de informações sobre a Amazônia chegam através das mais diversas técnicas, à distância de um botão; confundindo sentidos, entrelaçando permanentemente o aqui/agora com o lá/depois; a realidade imediata, com fatos da outra margem do tempo/espaço. Para aqueles a quem não é permitido conhecer presencialmente, a Mídia mostra a “realidade” de forma próxima e verossímil gerando a possibilidade do surgimento de novos fenômenos como no caso dos amazônidas espirituais, narrados por Castro (2005).

A presente pesquisa considera que as Identificações e as Representações Sociais da Amazônia, também foram contagiadas pela “miscigenação” conflituosa da formação histórica, política, cultural e social deste espaço (assim como ocorreu em tantos outros), alimentada pela interferência do poder público na região por sua vez atraída pelo potencial político-econômico da Amazônia e ampliada cotidianamente na produção de reportagens, notícias e informações sobre ela que são divulgadas nacionalmente por meio de veículos de comunicação televisivos.

É preciso dizer também que não se pode confundir a presente abordagem sobre representações sociais de identidades amazônicas com a essência da região ou de suas identidades. O estudo se volta para as representações e identidades tal qual são expressas nos conteúdos transmitidos nos telejornais “Jornal Nacional” e “Jornal da Record”, considerando as definições apresentadas por eles, sem questionar se estas definições estão próximas ou distantes da “realidade”.