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CAPITULO I – A ABORDAGEM GEOGRÁFICA DA RELIGIÃO E DO

1.4. Igreja Católica: ação cultural, espacial e também turística

A atuação histórica que a Igreja Católica desempenha faz com que a reconheçamos como uma instituição religiosa de cunho social que incide diretamente na vida cultural de um dado grupo de pessoas. Porém, deve-se ressaltar que a sua política de trabalho só se torna possível mediante a organização espaço-territorial que mantém.

Com efeito, mesmo quando admitimos a existência de pelo menos dois tipos de catolicismos, o popular e o oficial, somos instigados a compreender a Igreja Católica como uma “instituição autônoma”, reprodutora de ideologias culminantes na conduta coletiva e individual de pessoas e dos lugares.

Diante das transformações que o mundo sofre em seu curso sócio-cultural, a Igreja Católica, assim como outras instituições religiosas, apesar de algumas resistências em setores específicos, vem se remodelando, de certa maneira, à nova realidade global, demonstrando certa simbiose com o universo social em que está inserida. Destarte, impossível se torna falarmos de uma Igreja fora do modo de produção vigente, já que:

Nenhuma relação social é estática. Ao contrário, o conjunto de relações sociais apresenta-se como um verdadeiro caleidoscópio em constante mutação, do qual as igrejas participam configurando-se e sendo reconfiguradas pela estrutura dessas relações. A religião pode ser, portanto, internalizada ao mesmo tempo que participa de um processo de modernização (MARTINO, 2003, p.48).

Segundo Filho (1996, p. 156), “o relacionamento religião e sociedade envolve, pois, um processo dialético. Se a religião se desenvolve a partir de um determinado contexto social, este também é influenciado por ela”. Assim, o universo cultural e o espaço geográfico social sofrem rebatimentos cruciais nos rumos de seus funcionamentos. Como acreditava Gramsci, esse jogo de influências acaba sendo primordial para a manutenção organizacional da fé, que, por sua vez, é fator imprescindível para a sobrevivência física da instituição.

Diariamente, mas especialmente aos domingos, os católicos recebem de suas igrejas instruções de como devem viver. Mensagens que vão desde “respeite o próximo” até “visite os santuários católicos” são veiculadas incessantemente aos fiéis. Perante um

novo momento social, a relação de contato entre Igreja e fiel vem sendo redefinida pelo uso crescente dos meios de comunicações de massa. A evangelização acontece também via rádio, televisão e internet, chegando ou não ao íntimo de cada pessoa dependendo de seu estado de fé ou secularização. Nesse sentido, o conhecimento cultural do indivíduo, que vai variar em diversos campos, é decisivo na aceitação ou recusa da ideologia católica.

No dizer de Filho:

[...] a Igreja Católica é uma instituição empenhada na produção e veiculação de ideologia. Ela manipula símbolos, inculca normas e propõe valores através dos sermões, no aconselhamento particular, na prática pastoral, além dos meios de comunicação. Ela é uma agência ideológica, isto é, um lugar onde toma forma e se institui uma visão do mundo com a finalidade de orientar o comportamento dos seus fiéis (1996, p.39).

Como indicamos na seção 1.1 (A Religião enquanto tema cultural de interesse

geográfico), os fenômenos religiosos como expressões culturais de uma sociedade se

manifestam, sobremaneira, por uma base espacial. Notadamente, este fato se torna mais evidente quando se analisa grandes agentes religiosos, como é o caso da Igreja Católica. A legitimação da Igreja Católica enquanto instituição social acontece, sobretudo, através de uma rede territorial de atuação, formada de fixos e fluxos. O controle dos fiéis e as estratégias de expansão doutrinal são ações que dependem decisivamente de arranjos territoriais hierárquicos. A ação inicial acontece quando a Igreja se apropria de um lugar e, através de sujeitos sociais, transforma-o em território de sua competência (GIL FILHO, 2006).

Ao se utilizar do espaço para firmar poder, as instituições religiosas encontram- se dinamizando territórios para seus domínios. Por compreensão, as relações e as práticas que fazem do território um organismo material e simbólico podem ser compreendidas, grosso modo, como territorialidades.

Ainda sobre a trama territorial, Haesbaert (2005, p.6774) acrescenta:

Enquanto “continuum” dentro de um processo de dominação e/ou apropriação, o território e a territorialização devem ser trabalhados na multiplicidade de suas manifestações – que é também e, sobretudo, multiplicidade de poderes, neles incorporados através dos múltiplos agentes / sujeitos envolvidos. Assim, devemos primeiramente distinguir os territórios de acordo com os sujeitos que os constroem, sejam eles indivíduos, grupos sociais, o Estado, empresas, instituições como a Igreja etc. As razões do controle social pelo espaço variam conforme a sociedade ou cultura, o grupo e, muitas vezes, com o próprio indivíduo. Controla-se uma “área geográfica”, ou seja, o “território”, visando “atingir/afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relacionamentos”.

Em termos religiosos, o território é identificado como território religioso, entendido como reflexo do espaço vivido dos crentes, onde as relações e os fluxos acontecem no sentido de possibilitar que a cultura da fé possa ser desenvolvida, dando origem a uma identidade religiosa e a um sentimento de pertença. Já a territorialidade religiosa é compreendida como as ações e práticas que um grupo religioso realiza a fim de controlar um dado território (ROSENDAHL, 2008). Partindo desses pressupostos, Rosendahl (2007, p.195) afirma:

A religião só se mantém se sua territorialidade for preservada e, neste sentido, pode-se acrescentar que é pela existência de uma religião que se cria um território e é pelo território que se fortalecem as experiências religiosas coletivas e individuais. E para a manutenção dessas relações, estratégias político-espaciais são adotadas. A organização interna dos territórios da Igreja é dinâmica, móvel no espaço, quer por criação de novas dioceses, quer por fragmentação das paróquias. O território religioso se modifica para melhor corresponder à afirmação do poder. Ele responde a duas funções principais, uma de origem religiosa e outra de ordem política.

Em seus dois mil anos de história a Igreja Católica desenvolveu um complexo sistema territorial. Trata-se da Igreja física. Ela bem sabe onde deve agir em prol de seus interesses. Conhece como ninguém o seu espaço de atuação. Nesta acepção, estas

“idealizações localizadas” seguem a um estudo que responde aos movimentos

demográficos, sociais, econômicos etc., e são exercidas pelos profissionais religiosos (ROSENDAHL, 2008).

Portanto, é correto afirmar que as ações da Igreja Católica influenciam nas relações sócio-espaciais dos lugares e regiões, sendo limitadas ou potencializadas pelas especificidades desses ambientes geográficos. No anseio de influenciar o maior número de pessoas, até numa atitude de “disputa” por fiéis, em concorrência com religiões outras, a Igreja em estudo acaba por ter que se articular com diferentes grupos sociais. Grupos que não são necessariamente de natureza religiosa, provocando assim novas territorializações.

Face às mudanças nos modos de se fazer lazer, na tentativa de se enquadrar com a realidade, a Igreja Católica atualmente também se envolve com a área de produção turística, apostando na idéia de que o contato entre os religiosos e as formas simbólicas deve acontecer até mesmo fora de seus lugares de habitação. A ideologia católica aconselha que o tempo livre seja usado para a prática do lazer sagrado, divertimento que não é tido como leviano porque tem o visto da instituição (MARTINO, 2003).

A posição da Igreja em relação ao Turismo foi marcada por um documento chamado Pastoral do Turismo, publicado pelo Papa Paulo VI em 1969, onde esta

atividade foi vista por uma visão ética de respeito aos lugares e como uma oportunidade de evangelização e contato entre culturas (SANTOS, 2006). Segundo esta Pastoral, o Turismo deve funcionar como um instrumento de paz e de confraternização entre os povos, preservação da natureza e respeito à cultura alheia.

No entanto, a Igreja Católica por algum tempo resistiu em aceitar que chamassem seus peregrinos e romeiros de turistas. Talvez enxergando nesta ação um ato de secularização. Mas hoje, embora ainda possam existir algumas exceções, é cada vez mais manifesto que a Igreja vem se apropriando do mercado do Turismo, assim como o inverso é verdadeiro, assumindo o papel de agente cultural e turístico importante às aspirações do Turismo Religioso, influenciando até mesmo na restauração de patrimônios religiosos (ANDRADE, 2004). Por exemplo, a divulgação dos lugares sagrados que é desenvolvida pela Igreja por meio da televisão é sem dúvidas uma ação turística.

Contudo, é importante frisar que:

Todo esse campo de transformação e mercantilização dos lugares e da religião estão sendo compostos não só pela motivação religiosa, mas também por questões políticas, econômicas e culturais, o que condiciona a veiculação pelas mídias a uma interação do fluxo de visitantes/turistas, onde o turismo e a religião vão encontrar seu ponto de convergência desenvolvendo-se paralelamente pelo consumo (RAUFFMANN, 2007, p.8).

As festas religiosas, tão marcantes na religiosidade popular, comuns no Brasil, dependendo de seus níveis de organização e proporcionalidade, podem se configurar como verdadeiros atrativos turísticos dos lugares, ensejando transformações urbanas, interessantes ao exame geográfico.

Desta maneira, mediante tudo o que foi discutido, é preciso que estejamos alerta

à ressalva de Rosendahl (1997, p. 149):

O geógrafo quando estabelece como objeto central de sua análise a religião, encara-a sob a dimensão espacial. E para realizar sua pesquisa reconstrói teoricamente o papel do sagrado na recriação do espaço, reconhecendo o sagrado não como simples aspecto da paisagem, mas como elemento de produção do espaço.

Todavia, ratificando o que já foi dito com outras palavras, as experiências humanas ligadas ao fator religioso, possuidoras de importâncias espaciais explícitas, ainda estão aquém da capacidade geográfica de análise. Enquanto determinante cultural, espacial e turístico, as ações da instituição social Igreja Católica se apresentam como modeladoras de um número crescente de abrangências geográficas, requisitando estudos afins.