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Santuário de Fátima da Serra Grande: um “geossímbolo” cosmogônico

CAPITULO III – SANTUÁRIO DE FÁTIMA DA SERRA GRANDE:

3.2. Santuário de Fátima da Serra Grande: um “geossímbolo” cosmogônico

Significativo e atuante no lugar onde está instalado, o Santuário enquanto forma simbólica espacial49 não escapa à análise dos geógrafos, sendo analisado para além de sua monumentalidade arquitetônica. Estudado em muito pelo poder de atração que exerce, embora reconhecido o seu papel de difusão simbólica (Ver Figura 15), o Santuário é uma importante impressão cultural da religião católica fixado na paisagem e, por isso, deve ser considerado objeto de estudo da Geografia (ROSENDAHL, 1996).

Figura 19: Interações Centrípetas e Centrífugas do Santuário50

Fonte: Elaboração própria, com base em Santos (2008b).

As formas simbólicas podem ser entendidas pelas suas interfaces geográficas quando constituídas por fixos e fluxos (CORRÊA, 2007). Monumentos efetivos que desempenham função espacial, como é o caso do Santuário, representam uma abertura para que a ciência geográfica possa desenvolver-se nos estudos das dimensões simbólicas de seus espaços de análise.

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“As formas simbólicas espaciais estão dispersas pela superfície terrestre, sugerindo a força das representações que os homens constroem a respeito de diversas facetas da vida, envolvendo o passado, o presente e o futuro, as diferenças e a igualdade e o poder, a celebração e a contestação e a memoralização”. (Corrêa, 2007b, p.18).

50 Pensamos a inserção deste diagrama no sentido de demonstrar como o Santuário, enquanto forma espacial, exerce atração e difusão simbólica pra diversas esferas do meio religioso, mas também pra outras de cunho social mais geral.

Uma concepção fenomenológica clássica, por sua vez, afirmaria que não existe

“formas em si”, e sim, vivências e relações entre o símbolo e o sujeito da representação – aquele que assimila, dá significado e simboliza a forma pela sua imaginação e sentimentos. Contudo, é possível aceitar o juízo da existência de formas mais relevantes que outras; mais carregadas de sentimentos e significados; mais pedagógicas em seu devir coletivo; seja por motivos sociais, ambientais ou incisivamente religiosos.

Deste modo, compreenderemos o Santuário de Fátima da Serra Grande como um

“geossímbolo”, definido como “um lugar, um itinerário, uma extensão que, por razões

religiosas, políticas ou culturais, aos olhos de certas pessoas e grupos étnicos assume uma dimensão simbólica que os fortalece em sua identidade” (Bonnemaison, 2002, p.109).

A aflição mundana de viver faz com que as pessoas criem seus espaços de redenção. Tentar entender o poder atrativo deste Santuário requer que busquemos perceber que forças seduzem as pessoas que para ali se direcionam. Neste sentido, Mírcea Eliade (2001) vai nos dizer da incessante procura do homem religioso por um

“Centro do Mundo”51. Segundo o próprio Eliade, este seria uma espécie de arquétipo celeste que o indivíduo religioso imagina reproduzir a fim de intermediar a sua comunicação com os deuses, ao mesmo tempo em que vem a sacralizar o mundo profano. É seguindo a conspiração da busca por este Centro que a cultura religiosa do ser admite a fundação e as posteriores visitas ao espaço sagrado.

O espaço sagrado (referir-nos-emos a espaço sagrado no sentido espiritualmente atractivo) é o resultante da inventabilidade que o homem religioso tem de possuir lugares com uma atmosfera própria, onde estejam patentes os elementos da espiritualidade, sendo igualmente resultado da necessidade de segurança que eles proporcionam, por serem locais onde, por exemplo para os cristãos, os ritos são conhecidos, dando conforto, equilíbrio e sentido ao espaço (Santos, 2006, p. 108).

O espaço sagrado parece possuir atributos distintos que lhe concebe respeito e admiração, “implica uma hierofania, uma irrupção do sagrado que tem como resultado destacar um território do meio cósmico que o envolve e o torna qualitativamente diferente” (Eliade, 2001, p. 30). É, portanto, esta qualificação diferenciada perante aos espaços mundanos que atrai uma gama representativa de simpatizantes religiosos a um

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“No catolicismo esta idéia de ‘Centro do Mundo’ tem raízes judaicas, em efetiva menção a Arca da Aliança, que representava um veículo de comunicação entre Deus e seu povo escolhido. Representava o próprio Deus na terra. O que a bíblia chama de tabernáculo dizia respeito ao local de habitação da Arca, tenda e templo de encontro de reverência das tribos de Israel. Nasce daí o ato da criação de novos e outros templos na terra, de novos Santuários. Desta maneira, para Igreja Católica o Santuário é sinal da presença divina, é o local onde se renova o pacto com Deus” (SOUZA, 2009).

Santuário, como no caso do Santuário de Fátima da Serra Grande, fazendo-lhe

“percebido como uma trama geossímbolica de comunicação partilhada por todos”

(Rosendahl, 2007, p. 215).

Como em outros casos, a acomodação do Santuário de Fátima da Serra Grande acontece a partir do momento em que a Igreja Católica toma posse de um terreno tido até então como profano (Figura 16) e realiza ali um ato de sacralização (Figura 17). Acontecimento histórico de onde logo mais se daria início as obras referidas e que já contou com a presença de muitos religiosos, tanto da cidade de São Benedito, como de outras cidades da Região da Ibiapaba. Assim, este Santuário é uma aceitação, reflexo da imaginação criadora desses seres religiosos.

Figura 16: Terreno do Santuário.

Fonte: Santuário, 2004.

Figura 17: Benção do terreno. Fonte: Santuário, 2005.

De acordo com os fatos, o terreno onde está instalado o Santuário de Fátima da Serra Grande foi obtido através de uma doação “popular” e combinou com a idéia da Diocese de fixar o Santuário num lugar de destaque na paisagem. Antes da decisão final do local que receberia a obra, cogitou-se a possibilidade de outros terrenos, o que não vingou. Dessa maneira, o Santuário está posto sobre um morro com mil metros acima do nível do mar, de onde se tem uma vista panorâmica da paisagem circundante. Vale destacar que, em algumas culturas, as montanhas já equivalem a um “Centro do Mundo”, de onde se acredita acontecer a ligação entre o céu e a terra.

Pela visualização gerada nas figuras anteriores, podemos observar, mesmo que sucintamente, uma das maneiras de constituição do espaço sagrado. Como bem aponta Tuan (1983, p.112), o espaço sagrado (mítico nas palavras do autor) “é um constructo intelectual, [...] uma resposta do sentimento e da imaginação às necessidades humanas fundamentais”. Porém, paradoxalmente, não se deve acreditar que se trata de um trabalho puramente humano, onde somente graças ao seu esforço é que o homem consegue consagrar o espaço (ELIADE, 2008). “Na realidade o ritual pelo qual o homem constrói o espaço sagrado é eficiente à medida que ele reproduz a obra dos

deuses” (Eliade, 2008, p.32).

Com efeito, podemos afirmar que antes mesmo da finalização de toda a obra (Ver projeto nas Figuras 18 e 19), que deve durar mais alguns anos, e somente com pouco mais de três anos de atividades, o Santuário de Fátima da Serra Grande já consegue atrair uma significativa gama de visitante-religiosos, efetivando-se precocemente como uma realidade ativa. Segundo a própria organização do Santuário, as visitas religiosas começaram a se intensificar logo a partir do ato da benção do terreno. Atualmente, as festas de Maria, que acontecem nos meses de maio e outubro, apresentam-se como os períodos de maior visitação (Ver Figuras 20 e 21).

Respeitando os sinais das divindades, parece crescente o número de religiosos freqüentadores do Santuário em apreço. São pessoas que desenvolvem as suas experiências religiosas acreditando piamente na sacralidade desse espaço de devoção. É na busca pela melhoria de suas vidas que os fiéis visitam e participam das celebrações ocorridas no Santuário de Fátima da Serra Grande, realizando, quando acham necessário, verdadeiras penitências e promessas, como ilustramos nas figuras 22 e 23. Daí é que somos levados a reconhecer que o cenário visual que se tem por conta da atratividade deste Santuário trata-se de uma paisagem “na qual a mensagem que nela se

escreve em termos geossímbolicos reflete o peso do sonho, das crenças dos homens e de sua busca de significação” (Rosendahl, 2007, p. 215).

Figura 18: Projeto do Santuário.

Fonte: Santuário, 2008.

Figura 19: Vista aérea do Santuário (Projeto).

Fonte: Santuário, 2008.

Apostando no mito que é a figura simbólica de Maria52, a cosmogonia do Santuário por ora estudado só se faz compreensível pela devoção que o povo tem a Nossa Senhora de Fátima. Provavelmente a consistência que apresenta e a atratividade deste espaço não seriam tão grandes se fizesse alusão a qualquer outra figura santa. Mesmo se a veneração acontecesse por outra forma mariana, Nossa Senhora do Livramento, por exemplo, para citarmos o caso de devoção da Igreja do Parazinho (ver

52 Segundo a mensagem católica, Maria representa o caminho de encontro com o Filho Jesus. Ademais, de certa forma, a personificação do ser humano se encontra muito representada em Maria, transmissora de imagens de angústias, sofrimentos, mas também de alegrias.

seção anterior, 3.1), dificilmente a realidade vivida por este Santuário encontrar-se-ia tão adiantada53.

Figura 20: Santuário durante as festas de Maria – maio 2008. Fonte: Arquivo pessoal, mai/2008.

Figura 21: Santuário durante as festas de Maria – maio 2009.

Fonte: Arquivo pessoal, mai/2009.

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Esta forte marca de culto a Nossa Senhora de Fátima se deve em muito pelas viagens que as imagens peregrinas de Fátima, saídas de Portugal, fazem a várias paragens continentais do território mundial, já passando pelo Ceará, em 1966. Mais sobre o assunto, ver: Oliveira (2001), Basílica de Aparecida: um templo para a cidade-mãe.

Figura 22: Religioso em penitência.

Fonte: Arquivo pessoal, out/2008.

Figura 23: Sala de ex-votos.

Fonte: Arquivo pessoal, out/2008.

Numa estratégia de incentivo à devoção a Nossa Senhora de Fátima na Região da Ibiapaba, a Igreja local promoveu, com a ajuda de um português que mora na Ibiapaba, a vinda de uma imagem de Nossa Senhora (Figura 24) da cidade de Fátima, no ano de 2006. Esta imagem foi abençoada e conduzida até a cidade de São Benedito por Dom Coutinho, sendo recebida com uma grande festa católica; fato que, segundo Santos (2008b), demonstra a difusão extraterritorial do Santuário de Fátima de Portugal, tornando o Santuário de Fátima da Serra Grande um local de culto secundário.

Figura 24: Imagem de Nossa Senhora de Fátima. Fonte: Arquivo pessoal, 2006.

Figura 25: Devoto Thomas Bezerra da Silva. Fonte: Arquivo pessoal, out/2008.

Exemplificando um caso que poderia ser estendido a outros milhares, é pela devoção que tem a Nossa Senhora de Fátima que o religioso Thomas Bezerra da Silva (Figura 25), morador de São Benedito, freqüenta o Santuário de Fátima da Serra Grande. Também possuindo devoção a São Francisco, que diz ser seu pai parte de Deus, o senhor Thomas já realizou cinco viagens de bicicleta da cidade de São Benedito a Canindé (Ver figura 31), doando-as para o santuário franciscano ao final das suas façanhas. Em 2010, é pretensão deste devoto doar a bicicleta que aparece na figura 25

deste texto ao Santuário de Fátima da Serra Grande, que segundo ele é a casa de sua mãe por parte de Deus.

Nos altos de seus sessenta e nove anos, “seu Thomas” (como é conhecido) representa a típica figura do ser que busca o Santuário para agradecer as bênçãos alcançadas. Quando lhe indagamos sobre os motivos da referida devoção, o religioso simplesmente respondeu: “Rapaz foram tantas coisas... coração, bico de papagaio,

tudo isso foi o pai do Céu, São Francisco das Chagas e Nossa Senhora de Fátima que me ajudou; ajudou a nós todos né? Me tirou de muitos vícios, de embriaguez [...], me salvou de um monte de coisas... Eu nasci de novo! Então agradeço até quando Deus quiser, né amigo!?”.

Como já foi denotado, assim como Thomas, já existe uma considerável quantidade de pessoas que freqüentam o Santuário de Fátima da Serra Grande a fim de alcançar seus desejos espirituais, materiais, de saúde, dentre outros, tornando-o por isso mesmo um “equipamento” simbólico de forte apelo cosmogônico54. É este poder atrativo que vem proporcionando aos poucos uma nova configuração sócio-territorial à cidade de São Benedito.