• Nenhum resultado encontrado

CAPITULO I – A ABORDAGEM GEOGRÁFICA DA RELIGIÃO E DO

1.3. Sobre o Turismo e a Visitação religiosa

O ato de se deslocar no espaço por motivações ligadas à busca pelo sagrado sempre esteve presente na história da humanidade. Não é de hoje que as pessoas se dirigem para lugares que possuem exponenciais simbólicos de cunho religioso, visando de alguma maneira e por suas crenças a melhoria de suas vidas espirituais e físicas, dentre outras finalidades. As principais motivações para as viagens a estes lugares foram e continuam sendo de ordem religiosa e mística (OLIVEIRA, 2004). Meca, Jerusalém, Roma, Fátima, são alguns dos pontos mais procurados nesse sentido.

Dadas as discussões conceituais, podemos enquadrar as visitas aos lugares religiosos sob distintas nomeações, dependendo do modo de como são realizadas.

Portanto, fala-se, principalmente, em: lazer sagrado; excursionismo religioso e Turismo

Religioso.

Compreendendo o Turismo por uma visão humanística, Oliveira (2001, p. 162), ao discorrer sobre o lazer sagrado, afirma que:

Fazer uma peregrinação, nos moldes da experiência urbana, é praticar um ritual de lazer e turismo. Seja por motivos devocionais e práticas eclesiásticas ou por curiosidade de estar em um local diferente. Em ambos os casos se exercita um ato de lazer, pois: I) procura-se uma utilização mais significativa do tempo livre; II) deverá ser repetido em outras ocasiões por motivos semelhantes; III) estabelece a continuidade com as práticas cotidianas imaginadas na cidade, embora se valorize mais as diferenças e/ou rupturas (p.162).

Sobre o segundo tipo de visita que indicamos acima, Santos (2006, p.281) vai dizer que se trata de “deslocações turísticas de motivação religiosa que não implicam uma estada superior a 24 horas fora do domicílio” (SANTOS, 2006, p.281). Como se vê, a autora, usando de uma flexibilidade conceitual, chama o excursionismo religioso de deslocação turística, ao entender que a visita em si é a base para o entendimento de qualquer forma de fazer Turismo.

Atendendo aos preceitos conceituais e à segmentação que se concebe do Turismo, a visita religiosa no entendimento dos órgãos oficiais que regulamentam a atividade turística enquadra-se mais precisamente pela denominação de Turismo Religioso:

[...] aquele empreendido por pessoas que se deslocam por motivações religiosas e/ou para participação em eventos de caráter religioso. Compreende romarias, peregrinações e visitação a espaços, festas, espetáculos e atividades religiosas (DIAS, 2003a, p. 17).

O Turismo Religioso, como expressão atualizada das antigas peregrinações, porém, é um fenômeno moderno. “As viagens com motivação ou destinação religiosa só vieram a se tornar ‘turismo religioso’ quando o volume de pessoas envolvidas alcançou uma escala que tornasse economicamente viável o planejamento e os investimentos na

área” (ABUMANSSUR, 2003, p.56). Atualmente pode ser compreendido como um

segmento de massa, embora possa ser realizado de forma específica. É um Turismo que demonstra o seu vigor para além das condições financeiras, adicionando diversas vezes no volume de participantes envolvidos numa festa religiosa, por exemplo.

A modalidade turística em tela encontra na religiosidade das pessoas e dos lugares um amplo campo, ao passo que dissemina formas simbólicas através da fé. À sua maneira “o símbolo é, em si, uma construção mitológica, e não pode haver turismo religioso sem a percepção de elementos simbólicos que remetem ao divino. Ter fé é o

mesmo que acreditar no símbolo” (OLIVEIRA, 2004, p.65). É em geral a fé o motor de impulsão da viagem turística religiosa, seja pra agradecer ou renovar uma promessa. Com efeito, a prática do Turismo Religioso parece se fundamentar com mais veracidade em lugares que possuem templos, santuários, dentre outras formas simbólicas espaciais de natureza religiosa.

Estreitamente ligado ao Turismo cultural18, o Turismo Religioso não é exclusividade de indivíduos religiosos, nem uma prática de uma só Religião. É, sim, motivado pela cultura religiosa. Os eventos e as construções religiosas são patrimônios culturais de determinados grupos sociais e geralmente expressam suas histórias, podendo agir sobre a identidade dos lugares e regiões. As visitas a espaços religiosos sem a real pretensão dos exercícios rituais, objetivando somente o conhecimento e/ou a apreciação das expressões artísticas e monumentais, pode ser apontada como uma espécie de “Turismo em espaço religioso” (DIAS, 2003a), denotando uma forma cultural de deslocamento.

O Turismo Religioso, ou simplesmente as visitas religiosas, tanto pode ser realizado de forma individual como coletivamente, constituindo-se em uma prática crescente nos dias de hoje, tão marcados por um clima de aflição e insegurança social. Entender essas visitações em suas complexidades passa pelo exercício da compreensão dos motivos que levam as pessoas a tal deslocamento. O cotidiano sofrido colabora em muito para o crescimento do número de adeptos às visitas aos espaços ditos sagrados. Acredita-se que nesses espaços se possa superar a conturbação do dia a dia. De tal modo, nunca esta espécie de deslocamento foi tão intensa.

Oliveira (2004) apresenta um esquema diagramado que pode nos auxiliar na compreensão das motivações que levam as pessoas a realizarem as suas viagens de Turismo Religioso. O autor fala em mediação complexa e mediação simples no que se refere às viagens turísticas religiosas, classificando-as em quatro tipos: missionária, de saúde, de contemplação e assumidamente religiosa (Ver Figura 4).

18

Ao reconhecer que existe uma fronteira imprecisa entre os conceitos de Turismo e cultura, Dias (2006, p. 40) define o Turismo cultural “como toda prática turística que envolva a apreciação ou a vivência de qualquer tipo de manifestação cultural, seja tangível, seja intangível, mesmo que esta não seja a atividade principal praticada pelo viajante no destino”. Por este entendimento somos levados a pensar que qualquer modalidade turística estar propensa à execução, em algum momento da viagem, do Turismo cultural. Só através da aceitação da “multifuncionalidade” da viagem turística é que poderemos incorrer por esta compreensão (RINSCHEDE Apud DIAS, 2006).

Figura 4: Mediações motivacionais para o exercício do Turismo Religioso

Fonte: Oliveira (2004, p.80).

No que toca à demanda do Turismo Religioso, esta possui características distintas das outras formas de fazer Turismo, o que leva alguns autores a não considerar o viajante religioso como um turista. Sobre este assunto, Dias (2003a, p. 15) comenta:

Embora ainda muitos considerem que as motivações religiosas não têm nada de turístico, quando comparadas com outros propósitos de viagens, na realidade, o viajante pode ter um envolvimento grande com o sagrado, mas continua a necessitar de descanso, alimentar-se e desfrutar de momentos de calma e relaxamento, pois sua condição humana assim o exige. E, ao provocar essa demanda, usufrui dos mesmos equipamentos necessários para o atendimento do viajante que o faz com fins culturais, por exemplo. Desse modo, embora com motivações de viagem diferentes, ambos os viajantes utilizam-se de serviços e produtos comuns, tornando-se, deste modo, turistas no sentido exato do termo, provocando surgimento ou desenvolvimento de inúmeras atividades econômicas que geram empregos e renda para uma determinada região [...] Desse modo, o conjunto de locais e atividades religiosas, santuários, eventos, caminhadas, romarias etc. que provoca o deslocamento das pessoas, quando estas permanecem no local mais de 24 horas, deve ser considerado como atrativo turístico e o fenômeno deve ser considerado como tipo particular de turismo, o religioso.

Destarte, embora a demanda desta espécie de Turismo (religioso) possua peculiaridades diferenciadas, ela exige um conjunto de serviços como qualquer outra modalidade. Os turistas religiosostêm um comportamento de consumo turístico como qualquer outro turista, usando dos mesmos aparatos, salvaguardando as condições

econômicas que podem variar. A permanência desses turistas nos espaços receptores vai depender do tempo das festividades religiosas (SANTOS, 2006).

A Religião, ou mesmo a religiosidade, tem chamado crescente atenção do mercado turístico como uma importante motivação de atração dos lugares. Fazendo-se dessa premissa, o Turismo Religioso19 desponta como um filão promissor diante da predisposição das pessoas a executarem a viagem em tela.

Por origem, o Turismo Religioso é uma atividade que mistura elementos turísticos e religiosos que, quando unidos, constituem-se em atrativos que o “viajante- turista-religioso” procura. Muitos governos, promotores turísticos e até mesmo as igrejas estão investindo em suas diversificações atrativas seguindo a lógica desta busca.

Dias (2003a, p. 29) aponta alguns tipos de atrativos turístico-religiosos: a) Santuários de peregrinação;

b) Espaços religiosos de grande significado histórico-cultural; c) Encontros e celebrações de caráter religioso;

d) Festas e comemorações em dias específicos; e) Espetáculos artísticos de cunho religioso; f) Roteiros de fé20.

Alguns santuários católicos embalados pelos avanços técnicos que marca o atual processo de globalização, usando das possibilidades virtuais, oferecem alternativas e instrumentos, através de seus sites, para que as pessoas possam emitir seus pedidos ao céu via internet21. Contudo, este fato não representa uma ameaça à pujança do Turismo Religioso, não conseguindo desbancar a viagem literal de ida ao “Centro do Mundo”22. Acreditamos, assim, que esta prática de visita virtual acaba de alguma maneira insultando a visitação real, comportando-se como mecanismo de marketing das formas simbólicas espacial-religiosas.

19

O termo Turismo Religioso é uma categoria que surgiu no mundo do mercado/marketing, sendo depois encampado pelos discursos científicos do tema (SILVEIRA, 2003).

20

O detalhamento característico de cada atrativo apontado encontra-se na obra citada. Não nos cumpre a tarefa de fazermos aqui este delineamento.

21

Existem vários sites de Santuários em que é possível ao internauta-religioso acender uma vela virtual em ação de graça aos seus anseios, o que é entendido por nós como uma ação simbólica que tenta dar nova conformidade a um ato tradicional do ser religioso.

22

“A descoberta ou a projeção de um ponto fixo – o “Centro” – equivale à Criação do Mundo” (ELIADE, 2001, p.17). O Santuário equivale assim a um Centro do Mundo.

Não fugindo à regra de “outros turismos”, o Turismo Religioso possui também a sua interface de problemática ambiental. Não raro identificamos lugares de cariz religioso sofrendo com congestionamentos, aumento do lixo, poluição sonora, falta de

água etc.; denunciantes de uma infra-estrutura precária para dias de grandes festas. Em

contrapartida, esta formação turística, quando bem planejada, pode representar, à sua maneira, possibilidades de ganhos econômicos, importantes ao crescimento urbano de onde se instala.

O Brasil possui uma marcante religiosidade impregnada em seu território. Dificilmente se encontrará uma comunidade que não tenha sequer uma forma espacial diretamente ligada ao aspecto religioso. É um país com forte concentração de católicos no mundo. Deste modo, subtende-se que esse quadro se apresenta como um potencial expressivo para a execução do Turismo Religioso, fato que vem sendo reiterado progressivamente pelas agências turísticas nacionais.

Em termos geográficos, o Turismo Religioso vem se destacando cada vez mais por proporcionar uma nova configuração aos lugares, transformando as suas paisagens através de realizações simbólico-religiosas, ou mesmo se fazendo dos atrativos religiosos que os lugares já possuem. Por conta dessas (re)configurações, as localidades são tomadas pela constituição de novos territórios. Quando o Turismo Religioso se mostra com uma forte disposição numa cidade será provável que a Região envolvida sinta seus impactos (positivos e negativos). Por estas indicações não é difícil entender porque o Turismo Religioso se torna alvo dos estudos de geógrafos.

Porém, Santos (2006, p.242) denuncia:

No campo dos estudos geográficos, reflectindo a tendência também registrada em outras ciências sociais, não abundam os estudos acerca do turismo religioso e da dimensão espacial que ele comporta, verificando-se que, entre os escassos exemplos de investigação em Geografia que afloram este tema, quase todos foram levados a cabo por geógrafos que laboram na disciplina geografia da religião (sobretudo os que tratam o fenómeno da peregrinação) ou, em muito menor grau, no âmbito da geografia do turismo. De registrar ainda que a quase totalidade destes estudos data da década de 90, o que é significativo do caráter recente do interesse que o turismo religioso tem suscitado.

Eis então mais uma provocação à Geografia: incrementar seus estudos sobre o Turismo Religioso. Não pode o conhecimento geográfico negligenciar o Turismo Religioso de suas análises, isso porque as práticas religiosas são verdadeiras expressões de interesse da Geografia Humana (SANTOS, 2006). A promoção das viagens turísticas ligadas aos aspectos religiosos dos lugares é apontada como um dado crescente, daí mais um motivo que a Geografia encontra para se manter alerta a este fenômeno, seja no

campo da Geografia da Religião, da Geografia do Turismo, na mescla desses dois, ou até mesmo em outro.