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A IGREJA CATÓLICA NA SOCIEDADE BRASILEIRA DO SÉCULO XX 95

5   ESTRATÉGIAS DE FORMAÇÃO DAS LIDERANÇAS ESTUDANTIS DA

5.1   A IGREJA CATÓLICA NA SOCIEDADE BRASILEIRA DO SÉCULO XX 95

No mundo ocidental, a Igreja Católica, desde sua origem na Antiguidade, sempre teve uma presença marcante na sociedade, principalmente após legitimar-se como Igreja oficial do Império Romano no século IV. No período medieval, a Igreja Católica aumentou ainda mais seu poder e influência, tornando-se uma das instituições mais ricas do mundo. Com o Renascimento Cultural e a Reforma Religiosa, nos séculos XIV, XV e XVI, passou a ser questionada de forma mais contundente e, consequentemente, passou a dividir suas forças com os Estados Nacionais, que foram se constituindo no cenário europeu. A Revolução Francesa, no século XVIII, definitivamente limitou os raios de ação da Igreja Católica ao imprimir uma nova forma de organização estatal, não mais pautada na divisão de poderes entre clero e nobreza, mas, sim, sob a égide de um novo grupo, que emergiu e se impôs na sociedade, a burguesia.

No início do século XX, a Igreja Católica, buscando reforçar-se institucionalmente e ampliar o número de fiéis, criou um movimento mundial denominado Ação Católica, cujo objetivo era evangelizar as nações por meio de apostolado leigo. A idéia foi formalizada na primeira encíclica do papa Pio XI, Ubi Arcano Dei, em 1922, na qual a Igreja foi apresentada como “a única força capaz de curar a chaga do materialismo onipresente e de restabelecer as consciências na harmonia e na paz” (KORNIS; FLASKSMAN, 1984, p. 10).

No Brasil, somente em 1935, a Ação Católica foi efetivamente organizada, por Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, com a finalidade de estabelecer o reino universal de Jesus Cristo. “De acordo com seus estatutos, a Ação Católica Brasileira, ACB, deveria colocar-se sob a imediata dependência da hierarquia eclesiástica, exercendo suas atividades fora e acima de qualquer organização ou influência político- partidária” (KORNIS; FLASKSMAN, 1984, p.11), de modo que o cardeal Leme defendia o antipartidarismo.

A ACB dividiu-se nos seguintes segmentos: Homens da Ação Católica e Liga Feminina de Ação Católica, para os maiores de 30 anos ou casados de qualquer idade, e Juventude Católica Brasileira e Juventude Feminina Católica, para os jovens entre 14 e 30 anos. A Juventude Católica, por sua vez, compreendia, a princípio, a Juventude Estudantil Católica (JEC), para os jovens secundaristas, a Juventude Universitária Católica (JUC), para

os universitários, e a Juventude Operária Católica (JOC), para os jovens operários — esta se constituiu, em nível nacional, somente em 1948, quando foi reconhecida oficialmente pela hierarquia eclesiástica. Posteriormente, em 1950, ainda foram reconhecidas oficialmente no país a Juventude Agrária Católica (JAC) e a Juventude Independente Católica (JIC). (KORNIS; FLASKSMAN, 1984).

A ACB, que era estritamente ligada à hierarquia eclesiástica, ganhou nova roupagem com a criação da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1952. A partir de então, “em lugar de depender das diretrizes ditadas individualmente por cada bispo, passou a tratar com um órgão de representação nacional, aumentando assim sua autonomia de ação e podendo manifestar-se mais livremente sobre as questões temporais.” (KORNIS; FLASKSMAN, 1984, p. 11).

A relativa liberdade adquirida pela ACB no cenário nacional intensificou-se, ainda mais, no limiar da década de 1960, quando o debate ideológico nas universidades tornou-se intenso. Assim, acreditando na necessidade de mudanças estruturais, as organizações estudantis da ACB passaram a trabalhar abertamente pela transformação da sociedade. Em contrapartida, nesse mesmo ano foi fundada a Sociedade para a Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), por iniciativa de um grupo de leigos conservadores, que opunham-se ao caráter “modernista” empreendido pela ACB. (KORNIS; FLASKSMAN, 1984).

Em 1961, João XXIII, por meio de sua primeira encíclica intitulada Mater et Magistra, registrou o reconhecimento, por parte da Igreja, de suas responsabilidades perante os problemas sociais contemporâneos. A referida publicação causou forte impacto no meio eclesiástico brasileiro, formado, em sua maioria, por católicos conservadores, contrários, portanto, às posturas progressistas até então adotadas pela CNBB e pela ACB138. No bojo destes conflitos de idéias, foi fundada por militantes da JEC e da JUC a Ação Popular (AP), cujo objetivo era “fugir à autoridade da hierarquia eclesiástica, podendo assim estabelecer uma identidade própria, além de se empenhar na conscientização e na organização das classes populares contra a dominação do capitalismo”. (KORNIS; FLASKSMAN, 1984, p.11).

Em 1963, a Igreja de Roma reforçou, mais uma vez, a necessidade de seu engajamento social, por meio da encíclica Pacem in Terris, em consonância com a CNBB e a ACB, mas, contrariando, novamente, os católicos conservadores, que eram maioria no Brasil. Prova disso

138 A partir de 1961, vários estudantes secundaristas e universitários vinculados à ACB trabalharam no movimento de Educação de Base (MEB), criado pelo governo, nesse mesmo ano, com o objetivo de desenvolver um programa de alfabetização e de conscientização das camadas populares (KORNIS, FLASKSMAN, 1984, p.11).

foi uma carta enviada por um grupo de bispos e arcebispos a ACB, em 1963, solicitando que os membros da Associação,

[...] formassem a consciência dos militantes no ensino autêntico da Igreja e de sua doutrina social e se mantivessem afastados de certas correntes ideológicas em voga nos meios do laicato. Assinalando ainda a inoportunidade do ingresso de membros da JEC na AP, o documento demonstrava o temor diante da radicalização do movimento católico. (KORNIS; FLASKSMAN, 1984, p.11).

O golpe militar de 1964 pôs fim às aspirações progressistas da ACB e da CNBB, perseguindo vários de seus líderes. Dom Cândido Padim, presidente da ACB na época, foi afastado do cargo. Dom Vicente Scherer, ligado à ala conservadora da Igreja, foi eleito presidente do secretariado nacional do apostolado dos leigos da CNBB, para o período de 1964 a 1968, imprimindo uma nova orientação ao movimento leigo. A partir daí, a ACB atrelou-se definitivamente às autoridades eclesiásticas conservadoras, ficando exclusa, também, dos assuntos temporais da Igreja. “A nova orientação oficial da ACB conduziu a seu esvaziamento gradativo a partir de 1966. Por outro lado, no quadro do governo autoritário vigente desde 1964, não havia espaço para um movimento católico engajado que não contasse com o apoio da Igreja”. (KORNIS; FLASKSMAN, 1984, p.11).

Entretanto, de acordo com Matos (2003), não se pode dizer que houve consenso na Igreja Católica Brasileira em relação ao golpe de 1964, apesar da inclinação de vários líderes religiosos em favor dos militares, como indica uma declaração oficial de 02 de junho de 1964 da Comissão Central da CNBB sobre a “Revolução”.

O Brasil foi há pouco cenário de graves acontecimentos que modificaram profundamente os rumos da situação nacional. Atendendo à geral e angustiosa expectativa do povo brasileiro, que via a marcha acelerada do comunismo para a conquista do poder, as Forças Armadas acudiram em tempo evitaram que se consumasse a implantação do regime bolchevista em nossa terra. [...] De uma a outra extremidade da pátria, transborda dos corações o mesmo sentimento de gratidão a Deus pelo êxito incruento de uma revolução armada. Ao rendermos graças a Deus, que atendeu às orações de milhões de brasileiros e nos livrou do perigo comunista, agradecemos aos militares que, com grave risco de suas vidas, se levantaram em nome dos supremos interesses da nação, e gratos somos a quantos concorreram para libertarem-na do abismo iminente. (MATOS, 2003, p. 171).

Todavia, a mesma Declaração adverte:

[...] Insistimos na necessidade e na urgência da restauração da ordem social, em bases cristãs e democráticas. Mas esta restauração não será possível apenas com a condenação teórica e a repressão policial do comunismo, enquanto não extirparem as injustiças sociais e outras modalidades do materialismo, tão perniciosas, que geram o próprio comunismo e, sobretudo, enquanto o espírito sobrenatural autêntico não impregnar todas as pessoas e todas as atividades humanas. (MATOS, 2003, p. 171-172).

Matos (2003) avalia que

As divergências entre os bispos eram notórias, e é possível que precisamente o recrudescimento do regime tenha sido o responsável por uma maior coesão entre o episcopado. [...] Foi por meio da experiência direta e imediata da iniqüidade do sistema, com seus altíssimos custos políticos, econômicos e humanos, que a Igreja começou a ter consciência mais clara da incompatibilidade entre as pretensões totalitárias dos militares e a verdade do Evangelho. (MATOS, 2003, p. 173).

De fato, a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5) contribuiu de forma significativa para consolidar a mudança de postura dos líderes religiosos da Igreja Católica. Contudo, essa nova postura da Igreja foi sendo assumida de forma lenta e gradual, resultado dos movimentos renovadores como o Concílio Vaticano II (1962 -1965) e a II Conferência do Episcopado Latino-Americano — esta realizada em Medellín, na Colômbia (1968)139. Somam-se às justificativas de ordem teórica também aquelas experienciadas na prática pelos representantes da própria Igreja, como perseguições, prisões, torturas e assassinatos sofridos por vários religiosos140.

5.2 A IGREJA CATÓLICA E A AÇÃO CATÓLICA BRASILEIRA (ACB) EM PATOS DE