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II – OS SISTEMAS CONCORRENTES

III – A REVOLUÇÃO FEUDAL

Dispomos de uma outra “fonte” -como nós, historiadores, dizemos –, fonte cada vez mais abundante na passagem do ano mil, reavivada também pelo progresso que atinge todas as coisas; sem dúvida não se escrevia agora mais, mas conservavam-se, melhor que antes, o que se escrevia. Falo das actas redigidas para estabelecer-se direitos, falo das cartas, das

notícias onde se fixou a recordação de um acordo, de um julgamento, de uma transferência

de poder. Textos esses que não relatam sonhos, projectos, utopias. Decifrá-los, é deixar o campo do imaginário, das esperanças e da desculpa-o campo onde se implanta a proclamação da tridivisão de acordo com a vontade divina – para explorar o terreno, não digo do “real”, porque as representações mentais não deixam de ser realidade, mas da vida concreta. Soerguer o véu ideológico, ver o que se passava na aldeia, no castelo, na família. Tais documentos formam o material de uma sociografia retrospectiva – o único material acessível com que penosamente se revela uma arqueologia da cultura material, na França ainda balbuciante.

Os documentos desta espécie dão-nos uma imagem menos deformada do vivido. Digo “menos”. Porque esses textos não escapam por completo às pressões da ideologia dominante. Nem que fosse simplesmente pelas dificuldades da escrita. Transmitem-nos palavras. As palavras das Gesta, do Carmen, palavras latinas: as únicas também que nessa época se traçavam nos pergaminhos. Os escribas que se aplicavam a compor cartas deviam pois também traduzir; procurar equivalências para as palavras pronunciadas nas assembleias, amplas ou restritas, onde se procedia à transmissão de direitos, à regulamentação dos litígios. Os redactores eram mais ou menos hábeis em fazê-lo. Alguns contentavam-se com mascarar sumariamente os vocábulos vernáculos; outros, pedantes, esforçavam-se por descobrir, na linguagem dos poetas, termos pomposos que pudessem corresponder-lhes. Eram todos prisioneiros do formalismo, forçados a acomodar a inovação no quadro das fórmulas tradicionais. Havia, por [Pg. 171] isso, dois tipos, distintos, de escrita. O da sapiencia, da linguagem ideológica, mais próxima dos textos sagrados; e o dos documentos de arquivos, inclinando-se para a linguagem falada. Mas eram muitas vezes os mesmos homens quem manejava as duas linguagens. O autor das Gesta dos Bispos de

Empregava sempre o mesmo vocabulário, em registos diferentes, onde as mesmas palavras não significavam forçosamente a mesma coisa. As conotações de miles ou de servus não eram forçosamente idénticas no poema de Adalberão e numa carta de doação passada pelo

scriptorium de Laon. Sem dúvida, este vaivém tendia a levar à unidade e à simplicidade o

campo semântico. Para esses intelectuais, as palavras continuavam a ser polissémicas, mudando imperceptivelmente de significado conforme repetiam o eco dos versículos da Escritura ou o dos debates judiciários. Dispersão de sentido que nos obriga, também a nós,

à discrerio, a distinguir com cuidado as diferenças.

Estas palavras armazenadas, não nas prateleiras das estantes, mas nos baús onde se guardavam os pergaminhos garantes do direito, serviam também para classificar as pessoas. Com um fim prático, não para teorizar. Tinham sido escritas para serem lidas provavelmente nas assembleias de arbitragem, ou para reavivar, se tal fosse necessário, a memória das testemunhas que as repetiriam perante os juízes. Os redactores das cartas e das notícias julgavam pois de utilidade, senão indispensável, definir a posição social dos contratantes, dos seus parentes, das garantias que haviam apresentado, da personagem que dera a sentença, dos homens presentes ao acordo e para isso reunidos para escutarem as fórmulas, verem os gestos que estabeleciam o acordo. Toda esta gente devia ser “arrumada” em graus de uma escala de poderes, que seria reconhecida pelas instâncias judiciais que talvez, um dia, a lessem.

Esta classificação podia manifestar-se de diversas maneiras. Ou enumerando os assistentes segundo uma ordem hierárquica, a das precedências respeitadas, a das procissões rituais, esses desfiles, que, comummente, na altura das cerimónias públicas, apresentavam ao olhar a organização social sonhada. Ou então classificando tal ou tal indivíduo com um título emblemático do seu estatuto. Observar estas disposições, descobrir estes qualificativos, permite reconstituir o sistema de uma taxinomia social. Não devemos esquecer que se trata de uma imagem instituída, da ideia que havia das relações sociais num certo meio, o dos escribas e das gentes de justiça. Esta rede de distinções impunha-se, na medida em que podia passar por imutável, tanto quanto a lei deve ser. Respeitável, respeitada, porque fiel ao uso antigo. Isto faz com que os modos de classificação que descobrimos neste género de textos sejam naturalmente conservadores, e contenham uma quantidade de formas remanescentes. Muito menos simples que a linguagem dos literatos e

que o enunciado dos teoremas ideológicos, essas expressões da legalidade prolongavam a sobrevivência de quadros caducos. A sua rigidez tornava-as insensíveis ao [Pg. 172] que, no corpo social, é movimento. Durante muito tempo o dissimulou. Contudo, porque esses escribas serviam a prática, deviam acabar por curvar-se às modificações das relações de sociedade. Em certos momentos, tais modificações tornavam-se de tal modo inquietantes, tão bruscas, que as fórmulas habituais – como as configurações habituais da ideologia – se mostravam inutilizáveis. Havia então que encontrar outras palavras. A invenção tomava audácia quando o instrumento judicial, quando o pequeno grupo dos escribas era, ele próprio, afectado pela transformação, quando as actas, por exemplo, não eram redigidas por profissionais, mas por amadores. Ora isto passava-se precisamente no tempo de Adalberão e de Gerardo. Em todas as províncias onde os historiadores observaram de perto tais fenómenos, descobriram em França como que um desenvoltura do vocabuário social durante o segundo decénio do século XI. Nesse tempo, as reuniões onde se afirmava o direito mudavam de natureza; de públicas que eram, tornaram-se privadas, domésticas; a escrita teve pois que registar propósitos novos. Em Verdun-sur-le-Doubs, em 1016, sabemos que os homens de Igreja, encarregados de anotar os termos dos juramentos de paz, quiseram fixar exactamente as palavras ouvidas; para designar os cavaleiros, preferiram

caballarius a miles.

A sociedade “feudal” revela-se, aos nossos olhos, pela inovação deste vocabulário. As fórmulas em desuso são por fim abandonadas; a cortina estendida sobre a realidade social desde a época carolíngia rasga-se, usada até à trama, desvendando as autênticas roturas, o jogo de forças de há muito activas, mas que se desenvolveram até então em privado, fora do campo legal e acerca das qual nada sabíamos. Revelação para o historiador, que data a revolução feudal a partir desse momento. Mas também revelação para os contemporâneos, forçados a admitirem que, decididamente, já nada era como dantes. Estupefactos. A súbita deriva dos formulários tornava-os conscientes de uma desordem que importava esconjurar rapidamente, com grande reforço de construções ideológicas. Contudo, era preciso que estas tivessem em conta o que, subitamente, se introduzia e que, por isso mesmo, se oficializava no hieratismo da escrita, de todas essas palavras que há muito se usavam para constituir um dote, para partilhar uma herança, submeter-se a uma arbitragem, promover a paz, coisas que até então não se julgavam

dignas de serem escritas e que agora já não se hesitava em transcrever cuidadosamente, latinizadas, para as folhas dos pergaminhos.

Revelação? O que é pois a sociedade “feudal”? Evidentemente, há que ler e reler o admirável trabalho de Marc Bloch. No entanto, esse trabalho suscitou tantas e tão fecundas investigações que a maior parte do que sugeria há perto de quarenta anos tem de ser rectificado. Assim, já não é possível considerar aquilo a que chamamos feudalismo como

[Pg. 173] tendo saído por completo das regiões entre o Loire e o Reno. O Sul foi

igualmente fértil. Um sul que começa na Borgonha, no Poitou. Recentes estudos obrigam a reflectir sobre o significado profundo de uma mutação que afecta o conjunto do espaço outrora submetido ao domínio carolíngio.

Aquilo que vemos bruscamente mudar no poder na ideia que dele se tem procede das transformações do modo de produção. Extremamente lentas, imperceptíveis. Estimuladas século e meio ou dois séculos antes, destruindo lentamente um sistema de relações que se fundava na guerra e na escravatura. Outrora, em cada Primavera, os monarcas francos levavam o seu povo ao combate, à pilhagem; todos os Outonos, os cativos e o espólio apanhados na aventura sazonal eram divididos entre os chefes de bandos e os guardiões dos santuários; era por intermédio destes que o povo aproveitava também. A actividade militar, predadora, primordial, estabelecia os cinco graus da hierarquia social. No cimo estava o rei; a seguir, os seus subordinados, os “primeiros” (primores), reunindo sob a sua bandeira os combatentes de uma província; abaixo deles, a cavalaria, ferro de lança da ofensiva, reunindo os guerreiros por excelência (milites) que um emblema, a espada e o boldrié, distinguia do populus, da massa dos homens livres; portadores de armas, menos nobres, estes tomavam parte nas expedições e nos seus proveitos, mas de mais longe, parcialmente; excepto quando a acção mudava e o inimigo levava a melhor, ameaçando então por sua vez o território; nessa altura, todos eram mobilizados. Na parte inferior da escala vinham, enfim, os escravos (servi), totalmente excluídos da actividade militar. Esta organização do corpo social, de organização pública, afirmava-se com pleno vigor quando os contingentes se reuniam no começo da campanha e enquanto esta durava. Durante as estações mortas do

combate, viam-na reviver periodicamente nas assembleias judiciárias: o exército voltava a formar-se aí, igualmente convocado e dirigido pelos delegados do poder régio, mas ocupando-se agora de obras de paz, não usando armas mas palavras, convertido em instrumento de pacificação interna. Dirigido contudo agora para tarefas locais. Longe do monarca, os poderosos de cada região sentiam-se de mãos livres, em sua casa. O que, no Verão, havia de público na sua autoridade, quando o rei, chefe da guerra, a controlava, suspendia-se, confundia-se no Inverno com outras práticas, estas familiares, privadas, com uma outra disposição das relações de obediência que, de cima para baixo da hierarquia, desde o paço real às mais humildes cabanas aldeãs, submetia inteiramente, fora de toda a intervenção real, ao chefe de família, toda a sua parentela pelo sangue, pela aliança ou pelos ritos de adopção, os “alimentados”, os seus servidores, os seus dependentes, os seus escravos. O cenário do verdadeiro poder já não era o exército mas o grande domínio, o vasto conjunto de campos e de pradarias, objecto de exploração muito extensiva, fonte de produção [Pg. 174] muito secundária, porque a população, pouco numerosa, tirava ainda a maior parte da sua subsistência dos espaços incultos e porque os lotes do espólio de guerra, os proventos das pilhagens exteriores destinavam-se ao luxo, às festas, ao tratamento dos mortos, ao serviço de Deus e aos santos protectores.

Ora acontece que, durante o século IX, tendo-se dilatado imensamente o império carolíngio, e ficando consideravelmente afastadas as áreas propícias à rapina, os povos conduzidos pelos Francos deixaram de ser conquistadores. A ideologia política adaptou-se a esta situação de facto. Chegou-se a representar o monarca como o rex pacificas e o Estado que este regia como uma “visão de paz”. Este Estado não tardou a tornar-se, por uma total reviravolta, o objecto de agressão externa. Obscuramente, entrou então em acção um movimento que voltou para o interior todo o sistema militar, quer dizer, o gosto de tomar pela força, as depredações (praeda). Nos dias bons viam-se, como era hábito, os cavaleiros cristãos reunirem-se sob a bandeira de um chefe prontos para a pilhagem, de espada à cinta; mas não partiam a reunir-se em volta do rei; saíam de mil covis, castelos espalhados por todo o lado, construídos para deter os invasores. De princípio foi contra estes que combateram, defendendo o país. Mas quando as vagas de incursões se espaçaram, durante o século X, nem por isso depuseram as armas: prosseguiram as suas expedições de rapina. Só a presa mudou. Aquilo que, uma vez por outra, exigiam aos pagãos começaram a

exigi-lo, no intervalo de duas sortidas, à “plebe”, ao “povo” desarmado. Passado o ano mil, limitavam-se, no reino franco, a pilhar este, e tanto mais facilmente quanto o monarca já não era capaz de refrear-lhes a veemência e a rapacidade. No tempo das Gesta e do

Carmen, o problema político e social mais grave foi o que esta mudança levantou – essa

chaga, essa calamidade, cujos agentes se manifestam sob dois aspectos: antes de tudo, os castelos – a arqueologia judiciosamente elaborada, na Provença como na Normandia, mostra-o bem – cada um, o de Cambrai, os que o rei Roberto proibiu fossem construídos perto de Cluny, todos os que nessa época se erigiram; por outro lado, as multidões de guerreiros devoradores acampados nessas fortalezas, considerados defensores do espaço circundante contra os “homens ruins”, mas na verdade esquadrinhando-o, ocupando-o. Pequenas guarnições autónomas, fugidas a todo o controlo. E aqui está o aspecto político; fragmentara-se o poder; o único eficaz é o da castelania; eis porque, depois de 1028, no rodapé dos diplomas régios, os nomes dos chefes dos castelos e os cavaleiros seus companheiros substituem os nomes dos condes e dos bispos. Homens de guerra que vivem no país, sangrando-o, forçando os camponeses, livres ou não, a produzirem cada vez mais, a fim de facultarem, pelo seu labor, os prazeres da vida a que os combatentes profissionais não renunciavam, para satisfazerem o gosto aristocrático do luxo e do esbanjamento, que já não pode alimentar-se nas raízes exteriores. E este é o aspecto económico. [Pg. 175]

Tal é a mudança que o vocabulário dos redactores de cartas e de notícias deve dar conta em finais do século XI. Um título, a palavra dominus (que outrora só se aplicava a Deus, ao rei, aos bispos, mas do qual, durante o século X, os condes se haviam também apropriado) qualifica agora, no reino capetíngio, as centenas de chefes de bandos, cada um senhor de um castelo. Porque, efectivamente, se tornaram os senhores da guerra e da paz. Os laicos, a que os cartulários chamam domini, são os bellatores de que falam as proclamações ideológicas: os homens que detêm a parte militar do poder, da potestas. Os chefes dos castelos apoderaram-se desta coisa divina, real. E a palavra latina potestas, nas cartas, serve agora para designar muito simplesmente o organismo que se substituiu ao grande domínio, para tornar-se o panorama máximo das relações de produção: o senhorio. Um território; a fortaleza é o seu centro e a sua guarda; todos os que o povoam ou o atravessam e que, normalmente desarmados, não cooperam de maneira directa em defendê- lo, ficam sujeitos ao senhor da terra, ao seu poder “banal”, ao seu poder de obrigar ao

serviço militar, entregues às suas exigências, explorados sob o pretexto de pagarem a paz que procuram. Os “vilões”, os “rústicos” ali estabelecidos, os “forasteiros”, os estrangeiros de passagem, pagam-lhe o que resta das velhas contribuições régias, satisfazem as multas que chovem sobre eles ao mínimo delito, as peagens; como não se batem, alimentam os que o fazem por eles; juntam-se em grupos os sujeitos às corvéias, sempre que é preciso reparar as paliçadas ou os fossos; protegidos, julgados, punidos, entregam periodicamente qualquer coisa como um resgate, essas várias exacções a que certos textos, euforicamente, chamam “presentes”, os supostos frutos do seu reconhecimento. Essas exacções são os “costumes”. O próprio monarca os exige na proximidade dos castelos que possui ainda; em 1008, Roberto, o Piedoso, cede aos monges de Saint-Denis as que costumava receber dos camponeses das suas terras. O que se revela no início do ano mil, no género de documentos que estou a referir, é uma nova fórmula do “modo de produção”, como alguns dizem. Será preferível não lhe chamar feudal-o feudo nada tem que ver aqui – mas senhorial. A

potestas, o direito de receber, numa área de ocupação militar, constrói-se, com efeito, sobre

o senhorio, a potestas, o direito de apropriação numa área de ocupação militar, e não já sobre a rede de obrigações de rendeiros ou de escravos de um grande domínio. Terei razão ao falar de revolução? Claro que ela se deu, a ritmo muito lento. E somente discernimos o seu fim, quando o sistema de exploração que constitui a sua chave deixa de ser oculto, disfarçado e toma regularidade, legitimidade. O que no limiar do século XI penetra nos costumes, quer dizer no direito – e que por isso observamos – não é mais que o conjunto de exacções que pesavam sobre o povo, quando os seus chefes não estavam em guerra, e de que os soberanos carolíngios se esforçaram, sem êxito durante séculos, em o aliviar: a opressão dos [Pg. 176] “pobres” pelos “ricos”. Os monarcas anteriores conseguiram mitigá- la, distribuindo às mãos cheias os primores que com eles iam apanhar fora do reino. O monarca do século XI já nada tem para dar. Resta-lhe pois deixar que os “sires” tirem. Ele próprio tira onde pode. A imbecillitas regis não é senão isso.

A irresistível transformação das relações de produção teve vastas consequências. A avidez dos homens de guerra determinou a intensificação do trabalho rural, a valorização das terras virgens, o aperfeiçoamento das técnicas agrícolas -por exemplo, a extensão da cultura da aveia para abastecer a cavalaria. Não é proibido pensar que os novos senhores, conscientemente ou não, favoreceram o crescimento populacional, pois que, a seus olhos, o

capital agora mais rentável já não era a terra, mas os trabalhadores. Toda esta evolução rompeu também as divisórias que, na Alta Idade Média, proibiam ao poder público que se imiscuísse nas terras familiares, nas “mansas”, nas casas: o chefe do castelo e a companhia dos seus cavaleiros não se importavam com tais obstáculos; queriam explorar, como os outros detentores, as pessoas que formavam a “família” alheia, escravos, servidores, protegidos, clientes.

Tudo isto influiu, de três maneiras, na ordenação social. Primeiro, apagando progressivamente o que, entre os camponeses, distinguia os proprietários dos rendeiros – a liberdade de exercer a escravatura. Submetidos às mesmas exigências, muito mais pesadas que os antigos serviços, todos os aldeões e “vilões” se confundiram. Neste campo, acabaram as tradicionais clivagens. Acusaram-se, pelo contrário, as diferenças entre os laicos e as gentes da Igreja – estes lutando encarniçadamente para fazer admitir que a função que desempenhavam, tal como a que os especialistas da guerra assumiam, os isentava de toda a exacção, os isentava dos “costumes”. Último efeito e o principal: traçou- se, entre a sociedade, uma fronteira, fundamental, em função de um critério: o porte de armas. Separaram-se assim do “povo” não apenas os “ricos”, os “sires”, os bellatores, de que só restava um punhado, mas também toda a turba dos seus “ministros”, auxiliares armados com a sua força: os cavaleiros.

Estes guerreiros constituíam, em redor de cada castelo, a sua guarnição, por turnos ou todos juntos nos momentos de perigo, como a domesticidade do dominus. São seus subordinados, ligados pelos laços da vassalagem – foi também nos anos vinte do século XI que as instituições feudo-vassálicas se organizaram em sistema, no Norte da França (mas, naquilo a que se convencionou chamar feudalismo, o feudo representou sempre um elemento muito marginal). Fiéis, dedicados ao senior como o eram, desde os jovens aos velhos, em qualquer domínio. É preciso ver nestes cavaleiros vassalos os agentes da exploração senhorial. O seu destemor ajudava o sire a dominar os vizinhos, seus concorrentes, a estender o mais possível a área da sua fiscalidade, a impor-se como guardião largamente recompensado dos domínios das igrejas. O papel destas guarnições de

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