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CAPÍTULO 2: TERMINOLOGIA E LEXICOGRAFIA DA LÍNGUA DE SINAIS

2.5 Ilustração em obras lexicográficas

Existe uma crença de que apenas obras infantis devem conter ilustrações. É notável nos livros que quanto mais idade tem o leitor, menor é a probabilidade de encontrar ilustrações nesses materiais. Nos dicionários, essa concepção de que ilustração é uma característica de obras destinadas a crianças também está explícita.

As ilustrações em obras lexicográficas têm sido adotadas tanto por razões comerciais quanto por motivos pedagógicos. Muitas vezes, as informações por meio de ilustração funcionam mais como um elemento de atração e ludicidade do que propriamente um conteúdo informativo.

O mau uso desses recursos visuais tem gerado estudos críticos como o de Silva (2006), em relação à presença de ilustrações nos dicionários. Com base na teoria da Multimodalidade, Silva (2006) apresenta um estudo sobre as ilustrações nos dicionários infantis. A autora analisa se a ilustração e o texto verbal são elementos que se complementam e, consequentemente, facilitam a compreensão do lema, entrada. O estudo mostra que a maioria dos autores dos dicionários infantis considera o conteúdo visual mais do que

ornamentos, em outras palavras, são recursos funcionais que contribuem para a elucidação de um conceito.

Entretanto, muitas ilustrações são apenas ornamentos e apresentam problemas como inadequação e falta de precisão dos conceitos – que geram interpretações ambíguas e imprecisas –; falta de fidelidade na reprodução da realidade com a omissão de informações e a falsidade na informação visual; apresentação desnecessária de ator que mostra uma ação não pedida pelo lema (dessa forma, o autor é salientado em detrimento do lema); e pouca utilização de suporte verbal para as imagens, imagens que apresentam grande complexidade de leitura, imagens que se distanciam do que está expresso verbalmente, imagens que veiculam informações enciclopédicas, imagens contraditórias, pois nenhuma das acepções se relacionam com a imagem vinculada. Silva (2006) sugere que as ilustrações recebam um tratamento sistematizado e coerente, com o estabelecimento de critérios para a representação visual.

Para Farias (2013, p. 301), “uma ilustração é funcional quando complementa ou substitui uma “paráfrase opaca propriamente dita”. Ela organiza os critérios para que uma ilustração possa ser considerada um mecanismo explanatório elucidativo e esclarece que a ilustração deve estabelecer uma relação direta com o referente ao qual a designação em questão se aplica; ser de boa qualidade, o que implica uma boa resolução da imagem e, em muitos casos, o uso de cores; o dicionário deve estabelecer uma rede de referências entre as ilustrações e a microestrutura.

Quanto ao estabelecimento dessa relação ilustração/microestrutura, Silva (2006, p. 60) explica que essa ligação deve ser clara. Isto porque em obras impressas a ilustração pode estar em uma página diferente do verbete a que se refere. Todavia, a relação verbete/ilustração é mais facilmente resolvida pela lexicografia eletrônica. Além de ser mais barata, permite uma relação mais clara com o verbete. Silva ainda explica que a consulta da ilustração deve permitir a direção: lema – definição – ilustração e a direção: ilustração – lema – definição. Na proposta do nosso glossário, a ilustração tanto é parte da microestrutura do verbete quanto é mecanismo de busca. Dessa forma, o glossário permite as duas direções mencionadas de relacionamento entre a parte verbal e visual.

Como dissemos, as ilustrações são recursos mais comuns em dicionários infantis. No entanto, por ser uma língua de natureza visual, a ilustração é uma ferramenta comum nas obras lexicográficas que contém uma língua de sinais.

Grande parte dos dicionários de LS possui ilustração que, em geral, é a tentativa de representar a execução dos sinais. Em algumas obras, há também a ilustração como tentativa

de expressar o significado referente aos sinais. Sofiato (2005) apresenta uma discussão crítica de como os sinais das LS são apresentados nas obras. Na ocasião, ela não analisou apenas obras lexicográficas. Entretanto, as representações encontradas nos diversos materiais são reflexos das concepções que se tem de lexicografia, que envolvem as mais diversas línguas de sinais.

Na lexicografia das LS, as ilustrações podem ser dos sinais e dos significados dos sinais. E os problemas acabam ocorrendo nesses dois tipos de representação, tanto do sinal da língua – que não se consegue passar toda a complexidade dos movimentos e das expressões não manuais para o papel –, quanto dos significados contidos nos sinais. Além disso, surgem as mesmas dificuldades relatadas pelos pesquisadores que analisam ilustrações em dicionários em que a ilustração não permite uma referência direta com o referente, entre outros problemas já mencionados.

Nas ilustrações de dicionários de LS, por exemplo, o uso de recursos gráficos é abundante e são usados para tentar expressar os movimentos e expressões não manuais inerentes a essas línguas. Por isso, o ilustrador ou o fotógrafo de obras lexicográficas de LS precisam conhecer a língua para representá-la de forma adequada, conforme Sofiato e Reily (2014, p. 122) advertem.

Sofiato e Reily (2014) apresentaram uma análise de dicionários impressos da LSB e tratam das dificuldades de apreensão das imagens nesse tipo de obra. Para elas, “os dicionários de Libras se diferenciam dos dicionários de línguas orais por serem quase em sua totalidade ilustrados”. As autoras aconselham que as ilustrações sejam reproduções mais reais possíveis e que precisam contar com revisores e autores surdos.

As ilustrações, se feitas com boa qualidade, podem contribuir para a elucidação dos significados. Deste modo, podem ser ferramentas complementares ou até mesmo alternativas do significado. Com as novas tecnologias, as ilustrações também podem ser modernizadas e melhor representadas com o uso de movimentos na lexicografia eletrônica ou mesmo na impressa, pode-se estabelecer critérios padrões de representação visual, com uso de setas, legendas e outros recursos visuais.

As ilustrações na nossa proposta, além de contribuir para a compreensão do conceito, têm a função de estimular a visualidade dos surdos. O estímulo visual para surdos é um importante elemento na apreensão de novos conceitos e pode auxiliar muito na compreensão do mundo. Obviamente, trabalhar com imagens também pode ser um caminho perigoso, já que podemos apresentar determinados conceitos estereotipados ou com ideologias

indesejadas. De todo modo, acreditamos que as ilustrações podem contribuir com o entendimento da LP e dos conceitos científicos.

Apresentamos, a seguir, fragmentos de textos que mostram como as imagens são importantes para os surdos e contribuem para a interação e o entendimento do mundo por meio da visualidade.

Observemos alguns excertos do livro da atriz Surda Emmanuelle Laborit (1994):

Tinha meus barulhos pessoais, inexplicáveis para quem escuta. Tenho minha imaginação, e ela tem seus barulhos em imagens. Imagino sons em cores. Meu silêncio tem, para mim, cores, nunca é preto ou branco (p. 19)... Até a idade de sete anos, nada de palavras, nenhuma frase em minha cabeça. Imagens somente (p. 22)... Minha memória visual associa-se perfeitamente à ortografia francesa. Uma palavra é uma imagem, um símbolo...Posso reconhecer a cara de uma palavra! E desenhá-la no espaço! (p. 164)

Outro livro que trata da visualidade dos surdos é o de Sacks (1998) ao apresentar um relato sobre Joseph, um menino surdo de 11 anos que tinha acabado de entrar em uma escola de surdos e que, mesmo privado de ter uma língua, demonstrava suas habilidades visuais:

Sua inteligência visual – a habilidade de resolver quebra-cabeças e problemas visuais – era boa, contrastando radicalmente com suas imensas dificuldades com os problemas de base verbal. Ele sabia desenhar e gostava dessa atividade: fazia bons esboços do quarto, apreciava desenhar pessoas; “entendia” desenhos animados, “entendia” conceitos visuais. (SACKS, 1998, p. 51)

A tese de Campelo (2008, p. 40) também deixa clara a importância dos estímulos visuais, inclusive para aprender a Língua Portuguesa:

Para reforçar o acesso à Língua Portuguesa, meu pai começou a me levar aos cinemas, desde os cinco anos. Foi um “amor visual” à primeira vista, perfeito para o meu pensamento visual. Alguns filmes eram legendados e outros não, mas para mim isso não importava. O que me importava era aprofundar as performances e competências que atiçavam muitas imaginações e construções de signos visuais.

Todos esses relatos deixam clara a importância da visualidade na vida dos surdos e sua importância para a aprendizagem. Em razão da visualidade das pessoas surdas, propomos a ilustração como uma das vias de acesso às entradas do glossário. Isto se deve, principalmente, às singularidades do público-alvo que, em geral, apresenta uma percepção visual mais aguçada. Os surdos, muitas vezes, têm uma imagem mental de determinado objeto, mas não

conhecem a palavra em LP. Por isso, a busca pela ilustração para se chegar ao lema pode ser um caminho de lexicografia para os surdos com vista ao aprendizado do Português como segunda língua.