• Nenhum resultado encontrado

3.1. Tecendo comunicações visuais

3.1.3. Imagens de Cristo, santos e mártires

Como vimos, no contexto funerário, as primordiais imagens tardio-antigas de Jesus privilegiaram aspectos simbólicos que aludiam à sua memória, a exemplo do acrônimo ΙΧΘΥΣ, e composições personificadas que se aproximavam de temas iconográficos contemporâneos, como o Bom Pastor. Essas duas formas de representação conferiam à Cristo o estatuto de guia espiritual e divindade, fatores que foram ainda mais explorados com as imagens que referenciavam as narrativas bíblicas e os atos milagrosos. No caso do Pastor, as conexões interpretativas executadas por um cristão judeu, podiam facilmente associá-lo ao ancestral Davi, o pastor que se tornou rei, ao passo que os cristãos greco-romanos convertidos podiam vinculá-lo ao ideal de salvação de seu antecessor Hermes, o responsável por guiar a alma do

fiel à vida eterna e influenciar seu destino, razão pela qual foi um motivo bastante disseminado nas catacumbas.

Por outro lado, nas imagens que retratavam textos do Novo Testamento, o foco estava na ação realizada pelo Messias, e não na sua constituição física, de modo que não havia um padrão de representação de Jesus, e assim, as produções visuais mostravam-no com feições parecidas com outras personagens e vestido de forma comum, sem uma posição de imponência, visto que geralmente ele está entre várias pessoas e em pé, e não sentado em um trono, por exemplo. Tais composições, portanto, não objetivavam explorar a natureza divina de Cristo, especificamente, mas concentrar-se em narrar histórias dele, de seus feitos quando vivo, da perspectiva de salvação. Esses materiais o mostravam como um milagreiro, um taumaturgo. É óbvio que não há como separar a condição humana da divina nessa perspectiva, mas como não havia um molde figurativo da pessoa de Jesus, concluímos que o foco não era firmar um modelo, e sendo assim, consideramos que esta primeira imagética do Cristo antigo assumiu mais uma postura humana, de devoção popular, e de identificação com o contexto fúnebre que aquela preocupada com as aspirações profundamente teológicas.

Havia uma clara tendência em evidenciar que o Messias tinha encarnado e realizado prodígios na sua forma humana, e que, por fim, deu-se em sacrifício em prol de todos, mostrando um altruísmo divino e insuperável. Assim, percebemos o caráter iconográfico de explicitar o mistério cristológico da encarnação, de tal modo que essas primeiras composições o concebiam como um milagreiro, um ser poderoso que usou de seus dons com misericórdia, que compartilhou da humanidade de seus fiéis e que se fez “real”.

Essa disposição de conceber Cristo como um ser humanizado também encontrou outras formas pictórias, de maneira que várias imagens o representaram como um jovem pedagogo ou filósofo, novamente de acordo com os padrões estéticos do meio greco-romano. Esses materiais, em geral, o mostram com uma aparência jovem, sem barba, rodeado de pessoas que o observam, como se Jesus estivesse ensinando algo, assim como na Figura 13.

O gesto de Jesus, nessa imagem, era um estilo celebrado nas composições de tal ordem. Com um braço carrega um pergaminho, enquanto com o outro faz uma pose de eloquência. Ao redor, onze homens voltam-se para ele, com feições sérias, como forma de expressar atenção. Porém, não há um padrão quanto ao número de pessoas participantes em imagens que exploram esse motivo; em outra produção da Catacumba de Domitila, por exemplo, os caracteres figurativos de Jesus permanecem, mas há somente nove pessoas ao seu redor (A25). É relevante observar que, apesar da aparência das personagens serem muito semelhantes, como seus cabelos, suas roupas, seus tipos físicos, Jesus já está apresentado em uma posição de destaque;

é ele quem está ensinando logo ao centro de todos. Apesar dos traços simples e da ausência de atributos que o diferencie, ou que o conceba como divinizado, nas composições dessa ordem Jesus passa a ser colocado em posição privilegiada e recebe a atenção central do espectador.

Figura 13 – Cristo entre os apóstolos

Catacumbas de Domitila, Roma, séc. IV

Ao centro, um homem está representado com aparência jovem, com cabelos curtos, vestido com uma túnica longa, e entronado, com movimentos que indicam uma conversa ou ensinamento; ao seu redor, onze figuras masculinas o escutam com atenção. No plano abaixo, algumas figuras humanas deterioradas. Afresco. Dimensões da imagem: ---. Fonte: SPIER, 2007, cat. 11.

Segundo Robin M. Jensen (2005), o estilo desta imagem já era algo consagrado na arte greco-romana, principalmente para referenciar a sofisticação e o elitismo das classes mais abastadas, e, desse modo, o emprego do mesmo, pelos cristãos, pode significar uma tentativa de mostrar Jesus com atributos ordinários da sociedade da época. Foram comuns relevos sarcofágicos e demais produções artísticas funerárias que mostravam filósofos, normalmente identificado com a pessoa ali sepultada; a personagem sempre era figurada com o mesmo padrão estético, isto é, em um momento de elocução e segurando um pergaminho, símbolo de sua sabedoria. Além disso, Alessandro M. Gregori (2014, p. 149) também nos adverti quanto à situação cristã. Entre os séculos II e III há uma nítida investida, por parte de alguns Padres da

Igreja, de aproximar o cristianismo das tradições filosóficas gregas. Para Clemente de Alexandria, por exemplo, toda a história da humanidade, incluindo as profecias hebraicas, a vida e a morte de Jesus e a filosofia grega faziam parte de uma arranjo divino do Logos. Dessa forma, é possível tomarmos tal motivo iconográfico como uma maneira de aproximar Cristo de convenções sociais contemporâneas que buscavam mostrá-lo como um sábio, incluindo-o, assim, nos meios elitistas romanos.

Esta perspectiva se intensifica se considerarmos a grande quantidade de sarcófagos que traziam o tema, pois tal produção tumbária era dispendiosa e, por isso, mais frequentemente usada entre aqueles de classes economicamente privilegiadas. Exemplo disso é o famoso sarcófago de Junius Bassus, prefeito cristão de Roma, morto em 359. A peça de friso duplo e nichos colunares apresenta uma alta qualidade estética e articula cenas de ambos os Testamentos, como o sacrifício de Isaque, Daniel e os leões e a entrada de Jesus em Jerusalém (A23). Mas a imagem central apresenta o motivo do Cristo filósofo, entronado, com cabelos longos e cacheados, entregando a Lei (pergaminho) para Pedro, enquanto o apóstolo Paulo testemunha o ato. A composição é identificada por Jeffrey Spier (2007) como uma cena da

Traditio Legis, isto é, a fundação da igreja, quando Jesus entrega a lei da cristandade.

Contudo, a peça também é um bom exemplo da mudança estética da figura de Jesus que ocorre em meados do quarto século. Como podemos observar pelo gesto e pela posição privilegiada, o padrão pictório dessa peça apresenta Cristo como filósofo, mas outras características ficam evidentes, pois a cena exibe-o com algumas alterações nos caracteres físicos e com aparência divinizada e poderosa, visto que ele tutela a formação da sua igreja e trata isso diretamente com dois dos mártires cristãos mais conhecidos. É essa estética figurativa que começa, então, a se popularizar, e foi nessas composições que ele passou a ser representado cada vez mais maduro e com ar de autoridade.

O busto produzido na catacumba de Comodila, e datado de meados do século IV, é um dos principais exemplos deste novo estilo pictório de Jesus. A imagem apresenta apenas o tronco e a cabeça, à moda dos retratos memoriais popularizados na época, como assinala Hans Belting (2010). A barba e os cabelos compridos juntos à expressão séria, mas serena, conferem- no um ar de maturidade, enquanto a auréola indica a divindade. Ao redor da cabeça as letras gregas Alfa e Ômega, o início e fim, compõem o quadro de conotação iconográfica claramente diferente das anteriores (A10). Percebe-se, assim, a articulação das naturezas de Cristo, a humana e a divina e, é esse modelo que irá ser desenvolvido, culminando no Pantocrator, tão difundido posteriormente. Segundo Jensen (2000), é provável que a razão para o aparecimento tardio do retrato de Jesus resida na falta de informações acerca de sua aparência física, visto

que os evangelhos nada falam a respeito. Além disso, também incluímos a tendência anterior de dar atenção maior aos milagres, fator que contribuiu para a produção de imagens focadas nos atos e não nas características das personagens.

Pelos idos do quarto século imagens que representavam outros momentos da vida do Messias também começaram a aparecer com mais frequência. A adoração dos reis magos ao menino Jesus se torna bastante comum nos primeiros anos do reinado de Constantino, e em geral, as imagens empregavam uma organização estética muito parecida daquelas que retratavam o rito romano Aurum Conorarium, como já citamos anteriormente (JENSEN, 2015). Contudo, é também neste período que composições sobre a Paixão e morte de Cristo passam a ser mais difundidas e esclarecem, inclusive, uma mudança de perspectiva teológica sobre o sacrifício messiânico. Desde o início, a morte e a ressurreição de Jesus cumpriram um papel fundamental na crença, sendo compreendidas em seu caráter salvífico, como uma revelação do poder de Deus e cerne do mistério da fé cristã. E, apesar das primeiras referências de tal tema aparecerem, timidamente, durante o terceiro século, é somente no quarto que isso se intensifica. Felicity Harley-McGowan (2018), nos oferece um exemplar bastante raro de Jesus crucificado anterior a essa disseminação. A imagem foi produzida em uma pedra, com traços bem modestos; Cristo é representado nu, barbudo, de pernas abertas, e amarrado à trave de uma cruz em forma de T. Em torno dele foram esculpidas as palavras “Filho, Pai, Jesus Cristo”, e a isso deve-se a confiabilidade do material (A05). Para a pesquisadora, a inscrição e a imagem funcionavam como uma espécie de amuleto para o portador e evidenciam uma celebração do ato sacrificial. No entanto, a raridade de produções como essa no século III atestam que tal tema não foi muito empregado por este período, inclusive nas catacumbas, talvez em razão do péssimo estigma social da crucificação.

Somente com o advento de Constantino e de sua tutela é que as cenas da Paixão se tornaram mais populares. Harley-McGowan argumenta que isso se deveu à expansão da Igreja, que teve uma enorme influência no desenvolvimento de literaturas de cunho teológico e no uso de iconografia na educação bíblica dos novos convertidos, e então, por causa da necessária atividade exegética, houve uma ampliação dos motivos iconográficos, de maneira que o sacrifício de Cristo se tornou um tema regularmente ilustrado em razão de sua importância. Além disso, a Paixão de Jesus, sendo um cumprimento da profecia messiânica, também era compreendida, teologicamente, como a vitória sobre a morte e sinal da soberania do Senhor, significados muito reivindicados para legitimar o “triunfo” imperial do cristianismo, de tal modo que o tema se tornou um dos mais fundamentais na iconografia cristã, posteriormente.

Nos ambientes funerários, quando confeccionadas em sarcófagos, as cenas foram representadas junto a outros momentos bíblicos, em geral, funcionando como referências do sacrifício de Jesus e do poder redentor do ato, assim como observamos no sarcófago de Junius Bassus. Mas determinados exemplares sarcofágicos expõem que algumas composições desse mote passaram a apresentar a narrativa em quadros sequenciados, assim como se lê nos evangelhos, referenciando momentos que iam da prisão no Jardim de Getsêmani até a ressurreição42, ainda no século IV (HARLEY-MCGOWAN, 2018). Esse é o caso do sarcófago de Domitila (Figura 14), que ilustra quatro cenas da narrativa.

Figura 14 – Sarcófago de Domitila

Roma, c. 350.

O friso do sarcófago é esculpido com cinco cenas. Da esquerda para a direita: Um homem, Simão Cirineu, carrega uma cruz sendo seguido por outro; um soldado coloca uma coroa na cabeça de Jesus; dois soldados reverenciam a cruz com o símbolo do chi rho; Jesus sendo levado a Pilatos; Pilatos preparando-se para lavar as mãos. Atualmente a peça se encontra no Museu do Vaticano. Sarcófago em mármore. Dimensões da imagem: ---. Fonte: HARLEY-MCGOWAN, 2018, p. 141.

A peça tem um único friso no qual foram esculpidas cinco cenas separadas por colunas. O quadro da extrema esquerda mostra Simão Cirineu carregando a cruz, enquanto é acompanhado de um soldado; percebemos que a figura é de Simão por causa de sua roupa que é diferente da longa indumentária de Jesus nas outras cenas. Em seguida, vemos a coroa de espinhos sendo colocada em Cristo por um soldado. As duas cenas da direita já apresentam uma

sequência imediata; Jesus é levado à presença de Pilatos para o julgamento e, logo depois, o governador romano se prepara para lavar as mãos, assim como nos textos bíblicos. As quatro cenas referenciam momentos de extrema humilhação do processo, mas a forma como todas foram representadas neste sarcófago não aludem ao sofrimento. Na coroação, por exemplo, nota-se que Jesus está com uma expressão serena, de braços cruzados e suas roupas estão em bom estado, já o soldado que o coroa o faz delicadamente, detalhes bastante diferentes das narrativas evangélicas.

Felicity Harley-McGowan (2018) assinala que essas características pictórias objetivavam mudar o espectro de sofrimento, transformando-o em momentos de glória ao celebrar o sacrifício universal de Jesus e sua vitória sobre a morte, de tal modo que a cruz, antes símbolo de degradação, é mostrada como um troféu bem ao centro representando a ressurreição e coroada com o cristograma. Em referência à narrativa bíblica, dois soldados são colocados nos pés da cruz, como que guardando o sepulcro, e não impedem o milagre. Segundo a professora, essa organização visual da ressurreição se tornou bastante comum nos sarcófagos da época e foi muito disseminada na arte bizantina posteriormente.

Outro componente importante dessa peça é o chi rho, símbolo que se consagrou pelo uso imperial dado por Constantino. A origem do monograma, com as letras gregas sobrepostas (PX), é envolta em mistério e está vinculada à conversão do imperador. Pouco antes da batalha pelo trono imperial, contra o rival Maxêncio, Constantino teria tido um sonho no qual viu o monograma como sinal do poder de Deus, que o estaria ordenando a colocar o símbolo nos escudos de seus soldados. Tal ordem foi acatada e Constantino venceu a batalha. A história foi contada por Lactâncio (250-325) e Eusébio de Cesareia (263-339) - dois personagens que mantiveram relações bem próximas com o imperador, como aponta Jensen (2017, p. 53). Ambos argumentaram que a visão celestial foi o principal fator responsável pela conversão de Constantino e pela sua vitória, o que, em consequência, significou o triunfo cristão43.

43 As obras em questão são De Mortibus Persecutorum (A morte dos perseguidores) de Lactâncio; e Vita Constini

(Vida de Constantino) de Eusébio de Cesareia. Segundo Miguel Marvilla (2007, p. 151) “existe uma divergência entre Eusébio e Lactâncio a respeito do agente, da ocasião e da forma de manifestação do sinal recebido por Constantino. Eusébio afirma ter ouvido do próprio Constantino que, ao entardecer, ele enxergou no céu uma cruz luminosa, com a inscrição “in hoc signo vinces” (“com este sinal, vencerás”). Eusébio não é muito preciso a respeito da ocasião em que o evento teria ocorrido, se antes de Constantino e seu exército deixarem sua base na Gália ou se quando já estavam em marcha, mas certamente antes da batalha de 28 de outubro de 312, em Roma. Imediatamente depois, Cristo teria aparecido em sonho a Constantino e ordenado que mandasse pintar em seus estandartes um sinal como o que havia visto no céu. Assim nasceu o conhecido labarum, um estandarte que apresenta um monograma composto das letras gregas chi (C) e rho (r), iniciais da alcunha CristóV (Cristo). Diversas histórias milagrosas de sobrevivência foram contadas por soldados que portavam o emblema na batalha (Drake, 2002:10). A narrativa de Lactâncio, por sua vez, não faz menção a cruz nem a visão alguma e não identifica

Não se sabe ao certo o porquê dessas letras, designadamente, mas presume-se que elas referenciem as duas iniciais do nome grego de Cristo, ΧΡΙΣΤΟΣ, e assim, representem especificamente o Messias (HARLEY-MCGOWAN, 2018; JENSEN, 2017). O fato é que a insígnia foi largamente usado pelo imperador; já em 315, Constantino distribuiu vários medalhões de prata marcados com sua imagem e com o símbolo para determinados oficiais de seu exército (A40). De acordo com Jensen, a fórmula simbólica foi usada como emblema pessoal do exército constantiniano, sendo aderida, inclusive, por vários imperadores que vieram depois. O cristograma foi compreendido como troféu da vitória e símbolo do congraçamento entre o Império romano e o Deus cristão, razão pela qual foi largamente utilizado em diversas produções, incluindo naquelas feitas em ambientes funerários, como é o caso do sarcófago de Domitila.

Mas não foi apenas esta composição simbólica que vinculou, iconograficamente, o poder imperial e a figura de Jesus. Segundo André Grabar (1966), foi ao tema do poder divino de Cristo que a arte imperial mais contribuiu, tendo em vista que muitos materiais passaram a representar Jesus com a estética empregada aos imperadores anteriormente, opinião que é compartilhada por Hans Belting (2010), que inclusive adverte para o fato que tal articulação se estendeu em ações de adoração nos séculos vindouros, quando imagens de Jesus e dos imperadores foram cultuadas lado a lado em ocasiões de festas.

Neste novo motivo imagético, Cristo passou a ser concebido entronado, com claro ar de autoridade, com barba e cabelos compridos, o que lhe conferia feição mais madura, vestido com túnicas longas e de tons escuros, e com um halo circundando sua cabeça, unindo, portanto, dois elementos de poder – o imperial e o divino. Exemplo disso é a Figura 15, um afresco da catacumba de São Marcelino e Pedro, datado de fins do século IV. Nele, como podemos ver, Jesus não só é representado com atributos imperiais deificados como está na presença de seus principais apóstolos e de mártires, já aludindo a importância dada à ação daqueles que morreram em seu nome. Apesar da deterioração da imagem, é possível perceber uma auréola na cabeça de Cristo, as letras gregas Alfa e Ômega e a nítida posição majestosa; além disso, Jesus é representado acima dos seus mártires indicando seu estatuto divino e sua soberania, mas também está na presença de Pedro e Paulo, como forma de ressaltar sua condição humana.

o agente no sonho de Constantino, dizendo apenas que o imperador fora aconselhado em sonho a pintar o sinal celestial nos escudos dos soldados e ir para a batalha. Ainda que menos detalhada que a de Eusébio, a narrativa de Lactâncio é mais precisa quanto à ocasião e ao local: o acampamento das tropas de Constantino na região da ponte Mílvia, no dia da batalha final, em que pereceu Maxêncio”.

Figura 15 – Cristo entre mártires

Catacumbas de São Marcelino e Pedro, Roma, séc. IV (tardio)

A imagem divide-se em um plano superior, no qual há Jesus e os apóstolos Pedro e Paulo, e um outro inferior, onde vemos os quatro mártires na presença do cordeiro santo, representado com uma auréola. Afresco. Dimensões da imagem: 2.20 x 2.40. Fonte: GRABAR, 1966, fig. 234.

Mas além dos santos, figuras de mártires também passaram a compor a iconografia cristã tardio-antiga, como vemos na Figura 15. No quadro inferior, quatro pessoas são representadas em fileira: Gorgônio e Tibúrcio nas pontas, Pedro e Marcelino no centro (ao lado

de cada foram escritos os nomes para identificá-los). A esse respeito, Spier (2007) salienta que é provável que as imagens que traziam os mártires junto a Cristo estivessem de acordo com a premissa de que, na tradição cristã, somente eles já estariam na presença de Deus Pai, por não precisarem esperar o julgamento final das almas devido a coragem de perecer em nome da fé, tal qual Jesus. Além disso, precisamos nos atentar, também, para o fato de que o século IV marcou a promoção clerical do culto aos mártires, e que tais indivíduos foram celebrados como símbolos incontestáveis da fé da Igreja, razão que pode ter potencializado a produção de imagens dessas personagens.

Segundo Norbert Zimmermann (2018), o Papa Dâmaso (366-384) foi um grande fomentador do culto neste período, tendo sido ele o responsável por equipar alguns túmulos de mártires com escadas e poços de luz próprios, além de ter investido nas decorações dos espaços, com afrescos e materiais em mármore, como no Santuário de SS Nereu e Aquileu nas Catacumbas de Domitila. As escadas foram ornamentadas com cruzes e cristogramas para orientar a visita dos fiéis pelos túmulos, demonstrando uma preocupação com o conforto dos peregrinos que iam até os sepulcros interceder pela ajuda dos martirizados, e isso se mostra particularmente importante porque documenta uma virada salutar quanto ao uso de imagens