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3.1. Tecendo comunicações visuais

3.1.1. Ornamentos, símbolos e motivos ressignificados

Clemente de Alexandria foi o primeiro Padre da Igreja a se pronunciar a respeito do uso de imagens pelos cristãos, mas preferiu que tais composições adotassem formas simbólicas - como um peixe, um barco ou uma pomba - no famoso excerto que citamos anteriormente (O

Pedagogo, III. 11), de forma que concluímos que tais símbolos seriam, então, aceitáveis frente

ao perigo da idolatria, como o próprio Padre ressalta. Não obstante, apesar do texto deixar claro que tais símbolos podiam sem usados por estabelecerem conexões com o meio cristão, Clemente não explicou especificamente quais os sentidos deles.

Dessa forma, estabelecer uma origem e significado cristãos para esses objetos exige de nós uma ampliação do olhar de análise, ainda mais quando esses e outros temas já eram motivos pictórios consagrados no universo da arte greco-romana, inclusive naquela que foi desenvolvida em ambientes funerários. E, assim como os elementos simbólicos, houve outros estilos imagéticos apropriados que, no ínterim cristão, foram assimilados e tiveram seus

significados modificados, de maneira que tais representações passassem a estar de acordo com os princípios da crença.

Em linhas gerais, foi popular a decoração de túmulos com motivos iconográficos de caráter simplesmente decorativo, nos quais se viam imagens de divindades, cenas mitológicas, formações vegetais, cenários de colheitas, alegorias campestres ou elementos geométricos que formavam registros ornamentais confeccionados para representar uma atmosfera leve e doméstica, pois tais estilos artísticos também foram comuns nas casas particulares, segundo Paul Zanker (2002). Além disso, registros de ordem pessoal, que expressavam valores como beleza e uniões matrimoniais também foram numerosos.

Tal perspectiva também se alinha ao fato de, no imaginário fúnebre greco-romano, o sepulcro ser um local consagrado ao somno aeterno, isto é, a última morada. Lembremo-nos que havia entre os politeístas a crença de que “a tumba por si só era o local onde o morto, em algum senso, residia” (GREGORI, 2014, p. 107), e em razão disso foi comum, por exemplo, a realização de refeições nas catacumbas, nas quais alimentos eram compartilhados com os defuntos. Logo, de acordo com Toynbee (1996), criar uma atmosfera doméstica no túmulo foi uma das maneiras de tentar fazer o falecido “sentir-se em casa”, e para isso, tanto as refeições como as imagens decorativas e os objetos pessoais (a exemplo dos utensílios de toalete e materiais de escrita que eram levados para o sepulcro) serviram como meios de promover conforto e celebrar a memória do finado.

Deste modo, devido à popularidade de tais estilos e do fato de alguns elementos não estarem vinculados à religião politeísta em específico, como é o caso das formações vegetais e das cenas idílicas, a primeira iconografia cristã assimilou, gradativamente, os temas pictórios de seu tempo, com detalhes e arranjos quase análogos ao seu meio, assim como avalia Robin M. Jensen (2000) e Graydon F. Snyder (2003). Exemplo disso é a famosa representação da “figura orante”, muito comum nos séculos III e IV entre cristãos e não cristãos, como retrata a Figura 6 a seguir.

Apesar da Orante ser considerada uma das mais importantes composições paleocristãs, antes de ser assimilada, tal arranjo imagético já era popular em pelo menos dois tipos de usos: em moedas e em ambientes fúnebres (SNYDER, 2003). O tema em questão se refere a representação de uma mulher, vestida com roupas que cobrem todo o corpo, inclusive com um véu na cabeça, e que levanta ligeiramente seus braços, enquanto as palmas das mãos voltam-se inteiramente para cima, assim como vemos na Figura 6, exemplar confeccionado na parede do

Figura 6 – Donna Velata

Catacumbas de Priscila, Roma, séc. III (meados)

Três cenas compõem a imagem. Ao centro, vemos uma mulher com roupas longas e com o cabelo coberto por um pano representada com os braços levantados e o olhar direcionado para cima, em posição orante. À esquerda um homem idoso ensina seus dois discípulos. À direita uma mulher segura uma criança nos braços, a mesma está sentada e veste uma túnica longa. Afresco. Dimensões da imagem: 0.80 x 2 m. Fonte: GRABAR, 1966, p. 115.

Nas moedas, a imagem normalmente vinha acompanhada das inscrições pietas ou

pietas aug. Devido a isso, Snyder avalia que a Orante, em seu primeiro contexto social, esteve

relacionada à piedade filial e que, quando nos ambientes funerários, vinculava-se à lealdade entre os membros de uma família, visto que os ritos mortuários estavam alicerçados sobre esse sentimento, como já ressaltamos no Capítulo 02. Ao ser assimilada na iconografia cristã, segundo o autor, a Orante passou a ser identificada com a nova filiação coletiva – a igreja; e o senso de segurança e paz coletiva, antes vinculado ao núcleo familiar, foi simbolizado nas histórias bíblicas de salvação, muito presentes nas catacumbas, como no caso das imagens dos Hebreus na Fornalha e de Jonas e a baleia.

De acordo com Robin M. Jensen (2000), é possível que a composição também se referisse, em alguns casos, ao espírito da pessoa falecida no paraíso, visto que a alma, em latim

meio cristão, esta era uma posição tradicional de oração, descrita no Livro de Timóteo (2: 8), de tal modo que vários defuntos tiveram suas imagens representadas dessa maneira nas paredes catacumbais. A partir de meados do século IV, a Orante em si entra em desuso, mas sua postura e gesto passou a ser empregado, também, em várias imagens da Virgem Maria, de santos, mártires e personagens bíblicas representados em diversas situações.

Dessa forma, segundo Jensen (2000, p. 36), a imagem progrediu sucessivamente “do reino da personificação puramente simbólica de uma virtude [...] para o tipo convencional da Virgem ou de um santo em oração”. Assim, abrangendo a simbolização da alma, a filiação à igreja e a personificação da oração, a Orante se tornou um dos motivos cristãos mais proeminentes, pois doou sua estrutura estética para os demais temas desenvolvidos alcançando uma multiplicidade de personagens diferentes em afrescos e sarcófagos.

Nesse mesmo ínterim de motivos iconográficos convencionais, o Cristo Bom Pastor sagrou-se como a primeira forma de representação imagética de Jesus, sendo largamente representado no contexto fúnebre, mas também em diversos objetos, como lamparinas, utensílios domésticos, estatuetas, anéis, e sendo, inclusive, confeccionado em Dura Europos, como demonstra Jeffrey Spier (2007, p. 189-195), o que nos adverte que tal composição não esteve ligada apenas ao universo fúnebre. A forma estética, via de regra, compreendia uma figura masculina vestida com uma túnica curta, portanto uma pequena bolsa, e segurando nos ombros algum animal, em geral um cordeiro, enquanto outros animais são mostrados a sua volta em um ambiente idílico (Figura 7). Contudo, a exemplo da Orante, o Bom Pastor também foi um símbolo originado entre os politeístas e antes de receber os atributos cristãos, esteve vinculado à divindades greco-romanas.

Aliás, cabe notar que a figura do pastor foi muito popular em diversas culturas e por milhares de anos, pois o pastoreio foi uma atividade essencial nas sociedades agrárias e pastoris do Oriente Próximo, como nos lembra Jennifer A. Freeman (2015). Dessa forma, a identificação do pastor com valores próprios do trabalho pastoril, como responsabilidade, proteção e simplicidade, era uma compreensão arraigada, inclusive entre os judeus que, nas suas Escrituras, já dispunham de exemplos de honrados pastores, como os patriarcas Abraão, Isaque e Jacó, ou mesmo Davi, um dos reis de Israel, que na ocasião da luta com Golias, se apresenta como um pastor experiente e corajoso (1Sm. 17: 33-37). Além disso, o próprio Deus é comparado a um pastor, como em Isaías (40: 10-11), por exemplo.

Figura 7 – Cristo Bom Pastor

Catacumbas de Domitila, Roma, séc. IV (tardio)

Um homem é representado no centro da imagem; ele veste uma túnica curta de duas cores, tem cabelos curtos, e carrega um animal sore os ombros. Ao seu redor há seis animais e algumas formações vegetais. Afresco. Dimensões da imagem: 17.3 x 38.2 cm. Fonte: SPIER, 2007, cat. 20.

Por outro lado, no cenário greco-romano, a figura do pastor foi muitas vezes vinculada a Hermes, deus responsável por levar as almas para o submundo e por ser patrono dos rebanhos, como assinala Freeman (2015); tal divindade foi frequentemente representada como Hermes

kriophorus, carregando um cordeiro sobre os ombros, vestido com uma túnica curta e portando

uma pequena bolsa (A39), de forma que o estilo pictório é claramente análogo ao do Cristo Bom Pastor. De acordo com Snyder (2003), ao deus Hermes era atribuída a philantropia, sendo ele, portanto, uma deidade humanitária, e a maciça presença de suas imagens em cemitérios se dava em razão da esperança de que ele guiasse a alma para uma vida abençoada no além.

Entre os cristãos, a similaridade das composições imagéticas de Hermes e de Jesus é sustentada, dentre outras aspectos, pelo fato de, no texto bíblico, Jesus ser identificado diretamente a um pastor, como podemos encontrar no evangelho de João, em que se lê uma passagem que o próprio Cristo diz: “Eu sou o bom pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas” (10: 11). Além disso, há outros momentos em que a mesma personagem pastoril é invocada, como na parábola da ovelha perdida, narrada por Lucas (15: 3-7) e Mateus (18: 12- 14), na qual o pastor identifica-se a um discípulo que cuida e promove a fé de seu rebanho, enquanto os fiéis são, no caso, as ovelhas.

Na medida em que as representações de Hermes kriophorus já eram um tema popular nos meios funerários, devido à sua ligação com os ideais de vida no além túmulo, o desenvolvimento das imagens de Jesus como pastor, nesses ambientes, além de ligar-se ao próprio livro testamentário, também pode ter se dado em razão dos contatos e trocas culturais tão comuns à formação do cristianismo, ainda mais quando as catacumbas foram compartilhadas por pessoas de diferentes tradições religiosas por muito tempo. No entanto, G. F. Snyder (2003) e J. Spier (2007) nos alertam que o Bom Pastor não foi um motivo iconográfico vinculado apenas ao núcleo funerário, visto a diversidade de objetos que foram confeccionados com o tema, e por isso, é essencial que se considere a função da tradição bíblica neste caso36

A produção de imagens do Pastor diminuem pelos idos do quarto século, quando as imagens de Cristo passaram a representá-lo de forma mais devocional, com características físicas mais maduras e com ar de autoridade; contudo, o Bom Pastor não desaparece, sua imagem reelabora-se ganhando outras composições, assim como ocorreu com a Orante, de maneira que, gradativamente, esses dois motivos pictórios consagraram arranjos de caráter cristão que viriam a ser produzidos a posteriori.

Cabe ressaltar que, ao tempo que disseminavam-se os usos do Pastor e da Orante, outros símbolos também foram largamente empregados, tanto nas catacumbas quanto em outros meios sociais e religiosos cristãos. Sabemos que na iconografia antiga, principalmente naquela desenvolvida antes da “paz da igreja”, isto é, anterior ao período pré-constantiniano, os símbolos foram um dos expedientes mais utilizados, mas tal qual o Bom Pastor, o uso esteve vinculado à conexão da simbologia e dos textos bíblicos, no geral. Deste modo, ainda que alguns deles já fossem elementos consagrados na arte greco-romana, os símbolos mais corriqueiros entre os cristãos foram aqueles que se identificavam à uma história e/ou uma personagem das Escrituras. Como é o caso do peixe, que na avaliação de Graydon F. Snyder (2003, p. 31-35), foi o exemplo mais comum, estando ligado, primordialmente, a três motivos de uso: o primeiro por ser um animal aquático, o segundo por ser alimento nas representações de refeições coletivas, e o terceiro pelo acrônimo ΙΧΘΥΣ (peixe).

Animais marinhos, a exemplo dos golfinhos, associavam-se iconograficamente a alguns deuses, como Afrodite e Poseidon, além de terem sido ligados ao culto de Dioniso e às

36 Além disso, os Padres da Igreja também fizeram uso da analogia Deus-Cristo-Pastor, como nos informa J.

Freeman (2015, p. 177), quando cita um texto de Clemente de Alexandria que diz: “e se o rebanho falado figurativamente como pertencendo ao Senhor nada mais é que um rebanho de homens, então Ele mesmo é o bom Pastor e o Legislador de um só rebanho”.

concepções sobre uma vida abençoada no além, como aponta Robin M. Jensen (2000). Além disso, enquanto símbolo aquático, o peixe foi um elemento muito presente nas artes das sociedades mediterrânicas, segundo Snyder, e isso tem a ver com o fato de ele ter sido um alimento muito consumido pela população da época, assim como de também ter sido associado a outras simbologias de caráter cíclico, como a água37, muito comuns na arte greco-romana. No entanto, segundo o autor, na condição de elemento aquático, não há nenhuma indicação de que o peixe tenha sido identificado com Jesus ou com o cristianismo. Já como alimento, “não há representações antigas de refeições cristãs sem peixe” (SNYDER, 2003, p. 34). Normalmente figurando ao lado de pães e de taças de vinho, o peixe formava uma espécie de símbolo composto com esses outros itens o que, na perspectiva de Snyder, remetia aos alimentos eucarísticos cristãos.

Tuomas Rasimus (2012) está de acordo com o estatuto eucarístico do peixe e, indo além, inclui nesse estatuto os milagres de alimentação e as refeições de Jesus ressuscitado com os discípulos38. Da mesma maneira, Rasimus também ressalta o outro motivo geral para este

símbolo: o acrônimo ΙΧΘΥΣ, pois foi muito numerosa e relevante o uso desta forma simbólica como ideograma pelos primeiros cristãos.

A palavra Ichthys foi utilizada para representar Jesus, sendo cada uma das letras gregas a inicial das palavras que formavam a frase Iesus Christós Theou Yios Soter, que se traduzem por “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador” (RASIMUS, 2012, p. 327). A imagem do peixe conectada ao acrônimo seria, destarte, uma composição que representava diretamente Jesus, logo, um símbolo cristológico. Esta também é a avaliação de Robin M. Jensen (2000; 2011), que nos alerta de que não há uma razão específica e clara para a origem do acrônimo, mas que o mesmo foi um símbolo muito usado a partir do século III nos ambientes funerários. Um epitáfio cristão da Catacumba de São Calisto datado deste período, a estela de Lícinia (que atualmente faz parte do acervo do Muzeo Nazionale, em Roma) apresenta um composição muito peculiar (Figura 8).

37 Como elemento unido ao ambiente aquático, o peixe guarda em si muito do que é legado à água, como soma

universal das virtualidades. De acordo com Mircea Eliade em seu livro sobre imagens e símbolos (1979, p. 148- 149), a imersão na água simboliza o retorno ao estado pré-formal, equivalendo à dissolução das formas. No entanto, a pré-existência implica em algo que nascerá. As etapas presentes neste simbolismo se associam ao ciclo vital, o qual todas as criaturas vivas fazem parte. Assim, por um lado, o contato com a água comporta sempre a dissolução de algo como caminho para um recomeço, e por outro, a imersão multiplica o potencial de vida, segundo Eliade. O peixe, nesse ínterim, como um animal que vive imerso na água, recebeu deste simbolismo muito do que lhe é atribuído, como as características cíclicas.

38 A exemplo da multiplicação dos pães e peixes (Mateus 14: 13–21; Marcos 8: 1–9) e das refeições narradas em

Figura 8 – Estela de Licinia Amia.

Catacumba de São Calisto, Roma, séc. III (tardio).

As inscrições na base da estela, “LICINIAE AMIATI BENE MERENTI VIXIT”, se traduzem em “para Licinia Amia, digna de mérito, que viveu”. Atualmente a estela faz parte do acervo do Muzeo Nazionale, em Roma. Placa funerária em mármore. Dimensões da placa: 30.3 x 33.5 cm. Fonte: JENSEN, 2011, p. 260.

A parte de cima da peça é marcada com uma coroa funerária e com a tradicional inscrição politeísta “D (is) M (anibus)” – ao espírito dos mortos. Logo abaixo lemos o acrônimo “ΙΧΘΥΣ ZWNTWN” - peixe dos vivos, e vemos a imagem de dois peixes e uma âncora. Na parte de baixo da estela, as deterioradas inscrições trazem o nome da falecida e um breve elogio encerram essa parte do monumento (JENSEN, 2011, p. 259). O epitáfio, como podemos ver, se mostra como um exemplo muito particular das primeiras formas iconográficas cristãs, pois além de atestar o acrônimo e as imagens simbólicas dos peixes, ainda nos traz elementos do meio funerário greco-romano, a exemplo da homenagem aos manes.

Há, ainda, um quarto motivo iconográfico ao qual o peixe esteve vinculado, de acordo com Rasimus e Jensen: o sacramento do batismo. Isso se deu, segundo os autores, devido à proximidade do animal com seu habitat, a água, que por sua vez era a fonte batismal. Nesse

sentido, a presença da água parece unificar motivos pictórios, como nas imagens que combinam peixes, pescadores, a história de Jonas e a baleia, e cenas batismais em afrescos e em sarcófagos, principalmente (JENSEN, 2000, p. 48). Outras imagens de cenas bíblicas, direta ou indiretamente, também servem para sustentar a relação entre o símbolo do peixe e o batismo, de acordo com Jensen, devido as narrativas sobre alguma cura milagrosa pela água, o estatuto de “pescadores de homens” de Jesus e seus discípulos ou algum milagre, como o do casamento em Canaã. De forma geral, os autores apontam para o fato de várias representações visuais cristãs associarem os peixes à cenas em que a água cumpre um papel de instrumento purificador e meio de distinção cristã, como no caso do batismo.

A isso, ambos os autores adicionam um pequeno excerto de Tertuliano em seu tratado sobre o batismo, no qual ele diz: “mas nós pequeninos, de acordo com o nosso Peixe (ΙΧΘΥΝ)Jesus Cristo, nascemos na água, e não somos salvos de outra maneirado que permanecendo na água” (apud RASIMUS, 2012, p. 330). Assim, o Padre estabelece uma associação entre os fiéis e os peixes, entre os peixes e o batismo e, ainda, demonstra conhecimento sobre o uso do acrônimo. Desta feita, fica claro que os peixes receberam da água alguns de seus princípios, como a fecundidade e a capacidade de renovação, ambos sentidos que poderiam ser associados à fé.

Mas no ínterim do sacramento batismal, outro animal também consagrou-se como símbolo cristão devido sua presença no batismo de Cristo, isto é, a pomba, que desceu dos céus como representação física do Espírito Santo, elemento da Trindade e fonte do poder de Deus. Segundo a narrativa testamentária de Mateus, “depois de ser batizado, Jesus logo saiu da água. Então, o céu se abriu, e Jesus viu o Espírito de Deus, descendo como pomba e pousando sobre ele. E do céu veio uma voz dizendo: este é o meu Filho muito amado, que muito me agrada” (Mt. 3: 16-17).

Robin Jensen (2011, p. 175) assinala que tal passagem foi bastante explorada por vários teólogos, ainda na Antiguidade Tardia, e que muitos deles compartilhavam da concepção de que este momento se constituiu como uma “epifania da Santíssima Trindade”, sendo Jesus o Filho (como homem, na água), Deus o Pai (representado pela voz que vem do céu) e a pomba o Espírito Santo. Para a pesquisadora, é inegável que a pomba tenha sido um símbolo cristão por excelência, tanto pela sua consagração no meio teológico, como por ter sido citada nas narrativas batismais dos quatro evangelistas39, o que teria promovido, segundo Jensen, a grande

quantidade de representações da ave nos espaços fúnebres, e posteriormente, nos mosaicos de várias basílicas.

Figura 9 - Batismo com água

Catacumba de São Marcelino e Pedro, Roma, séc. III

Um homem nu é banhada com água, e uma mão direita descansa sobre sua cabeça. Acima, um pássaro assiste a cena. A mão pertence a outra figura humana, a qual não vemos o corpo devido à deterioração do afresco. Afresco. Dimensões da imagem: 0.76 x 0.40 m. Fonte: GRABAR, 1966, fig. 102.

Na ocasião do Batismo de Cristo, o celebrante foi João, que ao banhar Jesus com água, impôs suas mãos e invocou o Espírito. Desse modo, a cena ilustrada na Figura 9 demonstra o estilo mais comum de tal representação, pois as imagens batismais nos contextos funerários, geralmente, delineavam o neófito nu, sendo banhado com água, em vez de submerso nela, com o par de mãos, ou a mão direita, do celebrante sobre sua cabeça, e, naturalmente, com uma

pomba presente (A13). Imagens que trazem todos esses elementos nas cenas são, portanto, mais facilmente identificadas como cristãs e, além disso, segundo André Grabar (1991),