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3.1. Tecendo comunicações visuais

3.1.2. Narrativas bíblicas

Os significados das composições simbólicas analisadas anteriormente, em seus cruzamentos culturais e usos, prestam uma qualidade expressiva às imagens que nos atestam que elas não serviram apenas a fins ornamentais. Esta concepção se intensifica quando observamos que não só símbolos foram utilizados, mas que, de maneira concomitante, expressões visuais que refletiam narrativas bíblicas também foram produzidas em larga escala, de maneira que as mensagens atestavam a vinculação aparente ao universo cristão. Nesse

cenário, as imagens de histórias testamentárias foram bastante comuns nas catacumbas, tendo sido executadas em afresco e sarcófagos desde o século III e expandindo-se significativamente no século seguinte.

Entretanto, esta categoria de imagens abreviava suas narrações, mostrando apenas alguns quadros da cena bíblica ou se atendo a apenas um momento da história. As composições apresentam uma similaridade clara quanto ao enredo, isto é, são, em geral, narrativas de conteúdo salvífico, portanto importantes em um contexto funerário. Deste modo, as imagens não pretendiam contar toda a passagem bíblica, em vez disso, se concentravam na cena em que a manifestação divina era mais emblemática, e por isso, apenas as personagens principais apareciam, normalmente, uma ou duas pessoas.

Nesse sentido, era necessário que o espectador estivesse familiarizado com as narrações representadas, visto que as imagens funcionavam mais como referências do que como ilustrações que contavam toda uma história. Além disso, como as composições eram estáticas, concentrando-se essencialmente em um ponto, um ato, alguns pesquisadores da iconografia cristã antiga consideram que, mesmo nesta categoria, as produções classificam-se como simbólicas em geral, tal qual a perspectiva de André Grabar (1991, p. 18), que toma a obra cristã como “imagens-signo”. Assim, os elementos representados, as ações da personagem e o local onde a imagem estava confeccionada contribuíam para a identificação do material, de forma que a memória bíblica e o imaginário da morte atuavam juntos no entendimento da mensagem.

Segundo Norbert Zimmermann (2018, p. 25), onze cenas do Antigo Testamento foram mais regularmente figuradas. São elas, de acordo com a ordem de ocorrência estatística:

Moisés batendo na rocha (Êx. 17: 1-6, Nm. 20, 1-11); a história de Jonas (Jn: 1, 4); Daniel entre os leões (Dn. 14); Noé na arca (Gn. 7:8); Adão e Eva (Gn. 3); Abraão oferecendo Isaque (Gn. 22: 1–18); os três hebreus no fogo (Dn. 3); Jó (Jó 2; 7-8); Moisés removendo suas sandálias (Êx. 3); Moisés recebendo a lei (Êx. 24); Suzana com os mais velhos (Dn. 13); e finalmente Balaão apontando para a estrela (Nm. 24:17). Um número semelhante de pelo menos doze cenas do Novo Testamento foi frequentemente solicitado, novamente, em ordem de frequência com que ocorrem: a ressurreição de Lázaro (Jo. 11: 1–24); a multiplicação dos pães (Mt. 15: 32-39); a cura do paralítico (Jo. 5; Mt. 9: 5; Mc. 2: 9; Lc. 5:23); o batismo (Mt. 3: 13–17; Mc. 1: 1– 9; Lc. 3:21); a cura de uma pessoa cega (Lc. 18: 35–43; Mc. 10: 46–52; Jo. 9: 1–7); Jesus com a mulher samaritana no poço (Jo. 4); a transformação da água em vinho (Jo. 2), que frequentemente aparece em conjunção com a multiplicação dos pães; a cura da mulher sangrando (Mt. 9: 18-22; Mc. 5: 25–34; Lc. 8: 43–48); e finalmente as cenas menos frequentes da anunciação (Lc. 1), a cura do endemoninhado (Mt. 8: 28- 34; Mc. 5: 1-20; Lc. 8: 26-40), a cura do leproso (Mt. 8: 1–4; Mc. 1:40 -45), e muito poucos exemplos da parábola das virgens sábias (Mt. 25).

A semântica de todas essas histórias permanece sendo a providência de Deus em momentos críticos, seja na salvação da vida de alguém ou na realização de um milagre. Contudo, as narrativas veterotestamentárias foram mais comuns no século III, enquanto que no IV, são as histórias da vida de Cristo as mais empregadas. Cabe notar que a compreensão do texto bíblico esteve diretamente associada à crença fundamental do cristianismo, isto é, o estatuto messiânico de Jesus, de modo que assim como o significado profético foi reivindicado, os significados histórico e moral também exerceram papéis salutares. Mas para isso, essas acepções precisavam ser disseminadas e popularizadas para que, então, pudessem ultrapassar o contexto teórico e ter ressonância nas práticas das comunidades.

Nessas condições, exegetas cristãos, como os Padres Justino Mártir e Tertuliano, debateram esses significados em homilias e escritos, datados dos segundo e terceiro séculos, refletindo as condições do culto espiritual, os critérios comportamentais para os fiéis e identificando, inclusive, os pontos das Escrituras judaicas nos quais alguma história cristã estava prefigurada. Fazendo isso, eles não só delineavam analogias importantes, apropriando- se dos textos judaicos e tomando-os como profecias que acabaram por se realizar com a encarnação de Cristo, como estabeleciam uma continuidade histórica e milagrosa entre o Antigo e o Novo Testamento.

Neste ínterim, a narrativa de Abraão e seu filho Isaque se apresenta como um claro exemplo. De acordo com Zimmermann, a cena do patriarca se preparando para sacrificar seu próprio filho foi umas das mais populares nas catacumbas, ganhando representações em sarcófagos e afrescos, e além disso, sendo também uma história extremamente explorada nos debates teológicos da época. Como motivo iconográfico, a cena, em geral, apresenta Abraão próximo ao filho ajoelhado (Figura 10), ou segurando o cabelo de Isaque para levantar a cabeça e mostrar o pescoço, enquanto o menino olha para o pai, mas mais frequentemente para baixo, à espera do golpe final. Logo acima dos dois homens surge uma mão, representando a voz do anjo que para o ato na hora certa e apresenta a vítima substituta (A23).

Como assinala G. F. Snyder (2003), o sacrifício de Isaque foi um motivo comum no meio judaico, em razão de ser tomado como a edificação do pacto feito entre Deus e o Povo Eleito, e portanto, ter uma grande importância na história da religião. Já entre os cristãos, tal motivo pictório só se tornou largamente utilizado depois da era constantiniana, “talvez porque a história tenha sido usada nos círculos judaicos como contrapartida à história da paixão” (p. 100). Snyder argumenta que desde cedo, na literatura cristã, o ato sacrificial foi reconhecido como uma predição do que aconteceria com Jesus, mas só depois de Constantino é que a cena se tornou suficientemente entendida e confeccionada, em ternos iconográficos, de acordo com

esta analogia. Antes disso, segundo o autor, as imagens do sacrifício foram concebidas sob a perspectiva de potência divina, assim como as de Daniel com os leões ou de Noé e a arca, nas quais pessoas estão em graves situações e são salvas pela intervenção de Deus.

Figura 10 – O sacrifício de Isaque

Catacumbas de Via Latina, Roma, séc. IV (tardio)

Abraão (com traços faciais mais maduros) e Isaque (ajoelhado). Ao lado do Patriarca há um altar, e acima dele uma área da parede deteriorada. No canto esquerdo da imagem há um cordeiro, representando a vítima substituta. Afresco. Dimensões da imagem: ---. Fonte: GRABAR, 1966, fig. 252.

Robin M. Jensen também avalia que a história de Isaque foi compreendida como um prenúncio do sacrifício de Jesus. Em suas palavras: “ambos eram amados filhos únicos, ambos foram milagrosamente concebidos, ambos foram vítimas sacrificiais obedientes, e ambos foram resgatados” (2007, p. 80). Para ela, portanto, tais semelhanças não foram entendidas apenas como coincidência. Desse modo, Jensen ressalta que o mistério de fé, ensaiado em Isaque e

realizado em Cristo, além de ter sido tomado como uma prova dos Evangelhos também foi um ponto reivindicado para salientar a herança judaica cristã.

Mas a autora ainda inclui outra questão. Segundo ela, na compreensão de alguns teólogos cristãos antigos, o ato de Abraão foi fundamentado, também, pela fé que ele tinha no poder de Deus de ressuscitar os mortos e, devido a isso, a história de Isaque teria sido celebrada como um prenúncio tanto da morte como da ressurreição de Jesus. Assim, tal narrativa conseguiu alcançar uma espécie de função alegórica da imperiosidade divina, o que teria motivado sua representação juntamente à outras cenas com o mesmo caráter exegético. Além disso, é necessário nos atentarmos para o fato de que esta narrativa reflete a ideia cristã de triunfo sobre a morte, o que em um contexto funerário, recebe um tom simbólico muito apropriado.

Tal perspectiva incide, igualmente, sobre o ciclo de Jonas e sua história salvífica. Segundo as Escrituras (Jn. 1-4), o profeta hebreu é enviado à cidade de Nínive, capital do Império Assírio, para buscar a conversão coletiva dos habitantes dali. No entanto, em vez de cumprir a ordem divina, Jonas tenta fugir para outro lugar, em um navio. Então, durante a viagem, Deus envia uma grande tempestade ao mar, como castigo por tal desobediência. Depois que os marinheiros descobrem que é Jonas a causa da tormenta, o profeta é jogado no mar e engolido por um grande peixe (ketos), permanecendo na barriga do animal por três dias e três noites. Em busca de salvação, Jonas roga por benevolência: “em meu desespero clamei ao Senhor, e ele me respondeu. Do ventre da morte gritei por socorro, e ouviste o meu clamor” (Jn. 2: 2). Deus, em um ato de misericórdia, ordena que o peixe vomite o Profeta e o manda, novamente, à Nínive, ordem que é então cumprida com êxito mediante a conversão dos citadinos. Deus, então, perdoa os habitantes e preserva-os da extinção, o que faz Jonas sair da cidade enciumado. O profeta ergue uma cabana para se abrigar, em cima da qual Deus faz crescer um mamoeiro para proteger seu servo do forte calor, mas um verme seca a planta e põe Jonas à prova; em razão de seus ciúmes e egoísmo, ele pede, então, a morte. Mas Deus não a permite e faz com que o Profeta compreenda seu poder e sua bondade.

Como podemos observar, a história de Jonas é da ordem das parábolas, e reflete, em princípio, a benevolência do Deus dos hebreus e seu caráter onipotente. As imagens confeccionadas ilustravam o ciclo, em geral, em três cenas específicas, aludindo à salvação do Profeta. Como na Figura 11, a sequência cíclica era representada por Jonas sendo jogado do barco, enquanto um animal marinho o espera, em seguida o Profeta é vomitado e por fim, mostra-se deitado em uma pérgola, desnudo, esperando seu destino.

Figura 11 – Jonas e o grande peixe

Catacumbas de São Calisto, Roma, séc. III (meados)

A cena se passa em três quadros, da direita para a esquerda. Jonas é lançado ao mar, enquanto um animal marinho com chifres e grandes garras o espera; em seguida é vomitado da boca do animal e, por fim, descansa em uma pérgola à sombra de uma planta. Afresco. Dimensões da imagem: 15.1 x 25.4 cm. Fonte: SPIER, 2007, cat: 3B.

O conjunto imagético, portanto, não narra toda a história de Jonas, que após ser salvo da morte, ainda tem de realizar a tarefa para a qual foi enviado, mas concentra-se, especificamente, no momento salvífico em que a intervenção de Deus é celebrada, seguindo, destarte, o tradicional estilo das composições catacumbais, como já explicitamos. Contudo, Jonas é o único personagem representado em uma sequência narrativa, sendo a personalidade bíblica mais proeminente nas produções paleocristãs, ao lado do Bom Pastor (JENSEN, 2007). Além disso, seu ciclo histórico sempre empregou a figura de um animal marinho que se traduz como um elemento simbólico muito importante. O texto bíblico não identifica a espécie do animal, que na tradição cristã acabou por ser conhecido como uma baleia. Apesar disso, como assinala Snyder (2003), as imagens o representam como a criatura mitológica chamada Ketos, muito comum na arte greco-romana41; o autor também afirma que o peixe exerce o papel de

41 Outro fator assimilado é o estilo da composição que apresenta Jonas nu e deitado, com um braço sobre a cabeça.

Tal composição era uma forma arraigada na arte greco-romana para sinalizar a ideia de alguém adormecido, e ainda faz referência ao mito de Edymion e a Lua, no qual o herói encontra-se com sua amada durante os sonhos (SNYDER, 2003).

representar o caos como caminho para a libertação, e que tal emprego foi similar nos meios judaico e greco-romano; ao mesmo tempo, se considerarmos que o peixe está imbricado no simbolismo aquático, concluímos também seu desempenho como meio profícuo de renovação do potencial cíclico de vida, assim como ressaltamos anteriormente.

Nesse ínterim, o significado do texto foi explorado além da perspectiva primária de salvação, alcançando uma compreensão profética, tal qual o sacrifício de Isaque. Isso fica evidente no Evangelho de Mateus, no qual a história do Profeta foi especificamente relacionada à de Cristo: “pois como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim estará o Filho do homem três dias e três noites no seio da terra (Mt. 12: 40). Desta feita, o próprio texto bíblico estabelece a predição e a continuidade harmônica entre o Antigo e o Novo Testamento ao evidenciar a condição dos três dias necessários para o recomeço da vida e para a exaltação do poder de Deus.

Ainda no ciclo sobre a ressurreição, a narrativa de Lázaro marca não só a milagrosa atuação de Jesus como origina outro presságio, mas dessa vez sendo uma ação que se desenrola em razão da divindade do Messias que executa o milagre, justamente, para explicitar que seu poder era real e grandioso à semelhança do de Deus Pai. De acordo com Zimmermann (2018), Lázaro é o personagem mais representado do Novo Testamento e suas imagens sempre trazem Jesus como forma de refletir que tal feito só foi possível pela competência messiânica.

Observemos que nesta imagem (Figura 12) um homem figura em primeiro plano, vestido com uma toga, com cabelos curtos e segurando uma varinha, a qual ele aponta para uma construção que pode identificar-se com um sepulcro. De dentro dele, sai uma outra figura humana, ilustrada na posição vertical, coberta de panos da cabeça aos pés. Segundo a narrativa do Evangelho de João (11: 38-44), após chegar a gruta na qual Lázaro fora sepultado, Jesus solicita que a pedra que selava a tumba fosse retirada. Feito isso, ele olha para o céu, pedindo a intervenção divina e em seguida diz: “Lázaro, saia para fora”. A ordem é atendida deixando atônitos todos os que assistiam tal milagre. Assim, a Figura 12 compreende apenas o momento específico da saída de Lázaro do seu túmulo, refletindo, especificamente, o reviver do fiel mediante o chamado do Messias.

Figura 12 – A ressurreição de Lázaro

Catacumbas de São Marcelino e Pedro, Roma, séc. III (tardio)

Jesus está vestido com uma túnica, tem cabelos curtos, e segura uma varinha em direção à figura humana, a qual tem o corpo todo envolto em panos e sai de um sepulcro. Há uma diferença em relação ao tamanho de Jesus e o resto da cena, representada com menores dimensões. Afresco. Dimensões da imagem: 0,80 x 1.1 m.Fonte: GRABAR, 1966, fig. 22.

Há algumas outras imagens que também apresentam o grupo de pessoas que acompanhava a cena, de acordo com a passagem bíblica, como uma que se encontra na Catacumba de Via Latina datada do século IV (A26). Mas apesar de algumas diferenças entre os exemplares, a posição de destaque de Jesus permanece unânime. O Messias é representado ainda jovem, com traços simples, sem a pretensão de estabelecer um estilo característico da personagem que levasse a reconhecê-la, especificamente, de tal modo que a compreensão da mensagem se dava ao passo que o espectador já estivesse familiarizado com a história.

Cabe notar que o excerto evidencia que Jesus realizou o milagre com a clara intenção de publicizar seu poder e sua condição de filho de Deus, especificando que a ele cabia a capacidade de fazer reviver aqueles que padeciam e de ser o caminho para a ressurreição,

quando entoa: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá” (Jo. 11: 25-26). Tal pronunciamento esteve, portanto, intimamente vinculado ao mistério cristão do sacrifício universal e, deste modo, se alinhava ao ideal mortuário das catacumbas. Assim, a narrativa de Lázaro que creu em Deus e em Seu Filho e, por isso, voltou dos mortos, era o exemplo mais nítido da necessidade de manter a fé na salvação divina e a esperança de uma vida eterna e plena.

Contudo, outro elemento ainda aparece nesta imagem de Lázaro sendo ressuscitado. Jesus, em sua posição de destaque, aponta uma varinha para o túmulo, um instrumento que não é citado no Evangelho mas que foi muito empregado nas imagens que representavam algum milagre. De acordo com o historiador de arte Thomas Mathews (1999), isto seria um atributo ligado diretamente aos magos e expressado nas composições cristãs, não somente com Jesus, mas também com outras personagens bíblicas, de maneira que tal uso evidencia a assimilação das imagens de deuses antigos e as analogias feitas pelos cristãos, consequentemente.

As representações de Lázaro e de sua ressurreição permaneceram populares por todo o século IV, e juntamente à elas, cenas de outros milagres também se tornaram numerosas nas paredes das catacumbas. Os arranjos imagéticos que mostravam Cristo como “operador de milagres” foram numerosos, mas nem sempre apresentavam-no em pessoa, e assim, muito dos exemplares referem-se ao milagre feito por ele, mas não ao momento em que ocorreu.

Dentre esses, a multiplicação dos pães e dos peixes foi, com certeza, um dos mais empregados, como aponta Zimmermann (2018). Já ressaltamos, anteriormente, o estatuto eucarístico do peixe, seu consumo nas refeições funerárias e seus atributos simbólicos, como a fecundidade e a renovação. Mas quando tal alimento figura ao lado de pães (A06), concluímos, então, a referência ao milagre de Cristo, aquele no qual cinco pães e dois peixes foram multiplicados e dados como alimento para uma multidão de pessoas que o seguiam (Mt. 14:

13–21).

Alguns exemplares apresentam apenas os pães dentro das cestas, enquanto pessoas realizam uma atividade, e noutros vemos apenas os dois alimentos juntos (A09; A32) . O pão, no imaginário religioso do cristianismo, se tornou o símbolo do corpo de Cristo na ceia que antecedeu a paixão e morte de Jesus (Mt, 26: 26-28), e instituiu o sacramento da Eucaristia, sendo portanto, um dos elementos mais importantes entre os cristãos. Dessa forma, a união dos alimentos, em uma imagem, tanto pode referir-se ao milagre da multiplicação, como pode remeter ao sacramento da refeição eucarística, dependendo dos elementos empregados. Contudo, em ambos os casos, a ideia de participar de um milagrepermanece, ou seja, o conceito de se unir a uma coletividade sob um mistério de fé promove a identificação com a crença cristã,

em específico, e reafirma a expectativa da salvação - um ideal essencialmente adequado ao túmulo, como assinala Jensen (2007) .

Em linhas gerais, considerando o contexto espacial e todos os ritos fúnebres que funcionavam como meios de compreender a morte, entendemos que as imagens que refletiam histórias bíblicas cumpriam um papel de reivindicar momentos salvíficos e de intervenção divina, à exemplo dos milagres, como uma forma de explicitar a esperança que tal benevolência fosse concedida àquela pessoa sepultada, ou ainda, como uma maneira de delimitar a identidade religiosa e celebrar a memória do falecido mediante a fé na vida eterna ao lado de Deus e de seu Filho.

Sendo assim, na medida em que as composições imagéticas eram entendidas de acordo com o grau de conhecimento, a experiência visual exigia que oespectador fizesse conexões não só com os textos bíblicos, mas com outros ensinamentos e com elementos de outras tradições socioreligiosas. Essa condição também constituiu-se salutar nas formas como Jesus foi concebido ao longo dos séculos III e IV;os expedientes visuais produzidos nesse período apresentaram uma mudança gradual e significativa nos estilos, no que diz respeito às características físicas de Cristo e às ações que o envolviam. Além do mais, houve uma expansão dos motivos iconográficos com a inclusão de personagens especificamente cristãos, como santos e mártires. Em razão disso, no próximo tópico desenvolveremos uma análise das particularidades empregadas nas imagens de Jesus e da inserção de novas personalidades na produção paleocristã.