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1.1 CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA E DA CLÍNICA: PROBLEMATIZANDO

1.1.1 Vozes na história da pessoa com deficiência

1.1.1.2 Imagens da deficiência no Brasil

O panorama brasileiro da deficiência não se difere do contexto mundial, de acordo com Iumatti (2008). O passado não muito distante do assistencialismo e do confinamento existe paralelamente aos movimentos de inclusão e garantia de direitos. Júnior e Martins (2010), compiladores da obra que resgata a história dos movimentos políticos no Brasil, afirmam que, até 1970, as iniciativas relacionadas à pessoa com deficiência eram voltadas à “educação e em obras caritativas e assistencialistas” (ibid., p.19). Anteriormente, entre o período imperial até o republicano, as iniciativas do Governo restringiam-se ao atendimento das pessoas cegas e surdas. Entre as décadas de 1950 e 1960 foram iniciadas pesquisas brasileiras sobre a deficiência intelectual, antes confundida com deficiência mental e tratada em institutos psiquiátricos. Em face das poucas ações do Estado, a sociedade civil passou a constituir iniciativas como associações e sociedades voltadas aos diferentes tipos de deficiências. Somente a partir de 1970 as instituições passaram a ser criadas e dirigidas por

pessoas com deficiência, o que marca uma busca dos grupos sociais por sua própria identidade.

Os primeiros debates nacionais que envolviam as políticas sobre as pessoas com deficiência no Brasil e dos quais participaram grupos de diferentes deficiências ocorreram no início da década de 1980, quando se optou como estratégia política a instituição de uma única organização de representação nacional. A década de 1980 foi marcada por uma forte pressão para a formulação de leis e políticas públicas para a questão no Brasil. O aumento do número de pessoas com deficiências decorrentes das duas guerras mundiais foi uma das razões que levou os Estados a preocuparem-se com o assunto e buscarem ações de políticas públicas voltadas à proteção e inclusão das pessoas com deficiência. Tais sujeitos parecem começar a ocupar um lugar de protagonismo em sua história.

O amparo legal às pessoas com deficiência passou a integrar a Constituição Federal brasileira apenas no final da década de 1980, segundo Iumatti (ibid.). As normas constitucionais passaram a respaldar os campos da educação, trabalho, acessibilidade física e assistência social relacionados à questão da deficiência. A força da sociedade levou à garantia legal da inclusão social para todos. Uma das garantias constitucionais, da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e incluída no Estatuto da Criança e do Adolescente é o atendimento educacional especializado para os estudantes com deficiência, preferencialmente em escola de ensino regular. A década seguinte foi igualmente marcada pela luta em defesa das pessoas com deficiência no Brasil e no mundo.

A década de 1990 é caracterizada pelas novas diretrizes para a educação especial, de acordo com Iumatti (2008). Tais condutas asseguram o atendimento das necessidades especiais das crianças que estudam nas escolas regulares, garantindo legalmente a permanência dos estudantes no ensino regular. Entretanto, os tabus acerca da pessoa com deficiência ainda são muito presentes, levando escolas a argumentarem que não estão preparadas para receber os estudantes. Iumati afirma que a postura coloca as famílias das pessoas com deficiência em uma situação difícil, pois desejam uma acolhida espontânea de uma escola que seja capaz de receber a criança. Atualmente os professores brasileiros contam com programas de capacitação que os instrumentalizam a trabalhar com a diversidade e informações por meio da ampla produção acadêmica. Apesar dos esforços, a pessoa com deficiência ainda parece procurar seu espaço no âmbito educacional.

A maioria das leis e bibliografias que tratam de deficiência na década de 1990 ainda se volta para uma concepção de limite e incapacidade, de acordo com Carneiro (2006). A psicóloga e doutora em educação entende que o conceito de necessidades educacionais especiais, determinado pela Política Nacional de Educação Especial em 1994, procurou redirecionar a atenção para as necessidades especiais e não para a deficiência, contudo a ideia de incapacidade no sujeito permanece. A autora também refere enfoque clínico, na maioria das bibliografias da área, nas dificuldades focadas nos sujeitos e ressalta a necessidade de um debate mais aprofundado sobre o tema.

O Brasil tem demonstrado crescente interesse e aperfeiçoado as políticas relacionadas às pessoas com deficiências nos últimos anos. Em 2007, foi decretada a Agenda Social dos Direitos de Cidadania das Pessoas com Deficiência, o qual determina o compromisso dos estados e municípios pela inclusão das pessoas com deficiência, em busca da implementação de ações de inclusão da PcD (SEDH, 2007). No mesmo ano o país acatou a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados na sede da ONU. No ano seguinte, a convenção tornou-se Emenda Constitucional ao ser aprovada pelo Congresso Nacional. O instrumento orienta a política nacional para a inclusão das pessoas com deficiência e entende tais indivíduos como “aquelas que têm impedimentos de longo prazo (...), os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas” (BRASIL, 2008 artigo 1). Ainda que a deficiência apareça como um empecilho, o conceito apresentado na Convenção e as definições abordadas na Agenda Social voltam-se aos obstáculos que não são necessariamente intrínsecos à pessoa e sim relacionados a questões externas que prejudicam sua inclusão social.

As muitas ações em prol da pessoa com deficiência impulsionaram a criação de uma Secretaria Nacional que defendesse seus direitos. Até o ano de 2009, as ações eram articuladas pela Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde). No final do mesmo ano, a coordenadoria foi elevada a Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD). Em 2010 houve novos progressos: foi criada a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, órgão da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). O novo órgão possui a função de articular e coordenar as políticas públicas relacionadas às pessoas com deficiência, promovendo, garantindo e defendendo seus direitos. A Secretaria

também supervisiona o Programa Nacional de Acessibilidade e o Programa de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, os quais buscam incentivar ações dos setores públicos e privados. Já possível observar uma tendência nas ações da Secretaria de adaptar a sociedade para incluir o sujeito com deficiência e não mais segregá-lo.

Atualmente o Brasil tem investido em campanhas de promoção de acessibilidade como o programa “Acessibilidade: siga essa idéia”, cujo objetivo é sensibilizar, conscientizar e mobilizar a sociedade de modo a eliminar as barreiras culturais, de informação, arquitetônicas e outras que prejudiquem acessibilidade e igualdade de condições das pessoas com deficiência. O mesmo projeto teve um desdobramento no Rio Grande do Sul, batizado pelo Governo do Estado de “Acessibilidade: siga essa idéia, tchê”, também lançada em 2011. Segundo a Assessoria de Comunicação da FADERS, Fundação que firmou parceria com o Governo do Estado na iniciativa, o lançamento da Campanha Gaúcha de Acessibilidade visa à regionalização da Campanha Nacional de Acessibilidade. O Rio Grande do Sul foi pioneiro na descentralização da campanha, a qual será dirigida aos mais de 1,5 milhões de gaúchos com deficiência. A Campanha é apenas uma entre muitas iniciativas para promover a inclusão social da pessoa com deficiência.

As perspectivas para o futuro são promissoras se observarmos as leis e documentos escritos em favor da pessoa com deficiência, porém os desafios ainda são grandes. Júnior e Martins (2010) relatam a instituição da Década das Américas das Pessoas com Deficiência entre os anos de 2006 e 2016 pela Organização dos Estados Americanos (OEA). A Organização incentiva nações a promoverem ações voltadas para a área, levando os países a se comprometeram com medidas que efetivem a aplicação do seu Programa de Ação. O acordo entre os Estados busca a valorização da pessoa com deficiência, a minimização do impacto da pobreza em tal parcela da população, conscientizando a população, ampliando suas condições de trabalho, saúde, educação, de assistência social, acessibilidade política, cultural e esportiva. Além da Década das Américas das Pessoas com Deficiência, o Brasil encontra-se implicado nas diretrizes propostas pela já citada Convenção da ONU, propondo um conjunto de leis que respaldam a pessoa com deficiência. É importante lembrar que o censo de 2000 do IBGE apontou que 14,5% dos brasileiros possuem algum tipo de deficiência, percentual que equivale a 24,6 milhões de pessoas, das quais 70% encontram-se abaixo da linha da pobreza. As metas da Década das Américas vão claramente ao encontro

das necessidades dos brasileiros com deficiência, dos quais a maioria vive em situação de miséria.

Diferentes vozes contam a história da pessoa com deficiência, em matizes que ainda hoje oscilam entre tons assistenciais, de segregação e de novos horizontes, os quais visam integrar o indivíduo na sociedade, independentemente de sua “diferença”. A perspectiva idealista das leis e documentos oficiais nem sempre condiz com a realidade das escolas, comunidades e empresas onde a pessoa com deficiência está (ou deveria estar) inserida. A imagem sobre a questão da deficiência sofreu mudanças significativas ao longo de seu percurso histórico, mas sua trajetória ainda traz marcas do seu passado, as quais devem ser lembradas para refletir sobre as futuras perspectivas em relação à pessoa com deficiência, concebendo-a como sujeito, cidadão e responsável por suas ações, apesar das barreiras que ainda persistem. Seguiremos a revisão teórica com uma particularidade na história do sujeito com deficiência: a linguagem. O dizer da pessoa com deficiência também foi submetido a diferentes olhares ao longo do tempo, evocando concepções que merecem ser resgatadas para a compreensão do que chamaremos de manifestação clínica da linguagem.