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1.2 CONTRIBUIÇÕES BAKHTINIANAS: REFLETINDO SOBRE A RELAÇÃO

1.2.1 Dialogismo e linguagem

1.2.1.2 Uma breve introdução à teoria dialógica

O conceito de dialogismo aparece no livro Marxismo e filosofia da linguagem, quando é afirmado por Bakhtin (Volochínov) (2009) que qualquer enunciação é uma resposta a algo, um “elo na cadeia dos atos de fala” (ibid. p. 101), visto que espera por reações ativas de compreensão e prolonga os enunciados que lhe antecederam. Para o Círculo, os contextos da palavra, a qual possui uma pluralidade de acentos avaliativos, nunca são indiferentes, pois estão sempre em interação, havendo um conflito, uma luta entre esses diferentes contextos, perspectivas. É possível perceber nas considerações sobre a interação dos acentos de valor o entendimento dos estudos da linguagem tomados em atividade, por sua interação social. A obra já apresenta um conceito de “diálogo num sentido amplo” (ibid, p.127), que perpassa qualquer forma de comunicação verbal.

A reflexão sobre o caráter dialógico do enunciado nos leva, brevemente, ao conceito de palavra20, uma vez que se encontra intimamente relacionada às questões discursivas das relações dialógicas. A palavra, para Bakhtin (2010), é considerada um signo interindividual, pois não pertence exclusivamente ao locutor. Bakhtin (Volochínov) (2009) refere a dupla orientação da palavra: ela se origina de alguém e se dirige a alguém, portanto resulta da interação do locutor e do ouvinte, sendo um “território comum”, uma “ponte” entre ambos. A enunciação é orientada em função do interlocutor, é socialmente dirigida desde as primeiras palavras do locutor. O autor lembra que “mesmo os gritos do recém-nascido são orientados para a mãe” (p.119), salientando o caráter social da linguagem. A atividade mental, geradora

19 A concepção sobre o caráter ideológico do signo e a forma como ele reflete/refrata a realidade será retomada

na discussão sobre a responsividade do enunciado.

20 Apresentamos o conceito de palavra na concepção bakhtiniana de maneira breve, a fim de contextualizar um

termo que consideramos relevante na teoria dialógica, sem pretender, contudo, discuti-lo em profundidade na revisão teórica.

de diversos tipos de enunciações, encontra-se em um território social, cuja força é instituída pela expressão material da consciência, a qual será materializada em determinadas organizações sociais, motivo pelo qual seu “primeiro despertar” (p.111) ocorre por meio da língua materna e é um processo essencialmente social.

A totalidade da atividade mental voltada para a vida cotidiana é chamada por Bakhtin (Volochínov) (2009) de ideologia do cotidiano. A partir dela que são cristalizados os sistemas ideológicos da moral social, da ciência, entre outros. Esses sistemas lhe influenciam e são influenciados por ela. Pode-se também distinguir diferentes níveis que a escala social define, os quais vão desde a atividade mental fortuita (nos limites da patologia) até os que permanecem em contato direto com os sistemas ideológicos. Ao criticar o subjetivismo individualista, o pensador russo lembra que a enunciação individual não corresponde a um fato individual. Se a atividade mental exclui um ouvinte potencial, irá carecer de orientação social. Para o Círculo, a palavra é entendida como um produto da interação viva das forças sociais, uma arena onde se encontram os diferentes valores sociais. Ela traz o que os pensadores do grupo bakhtiniano chamam de sentido ideológico. É assim que a palavra será compreendida, despertando ressonâncias dialógicas21. A língua mostra-se, então, um reflexo das relações sociais dos falantes.

O conceito de palavra soa em consonância ao princípio do dialogismo, considerado por Bakhtin (Volochínov) (2009) um dos elementos constitutivos da linguagem, pois os sentidos que compõe a palavra estão sempre em relação. A interação verbal (entre os sentidos em constante tensão) é entendida, então, como a realidade fundamental da língua, concepção bakhtiniana que vai além do diálogo face a face, entendido na obra Marxismo e filosofia da linguagem (assim como em toda obra do Círculo de Bakhtin) como uma das muitas formas de comunicação verbal.

Faraco (2009) discorre sobre a necessidade de diferenciar conceito de diálogo para o Círculo da conversa face a face, referindo que as diversas interpretações do conceito podem levar a sua má compreensão. Embora manifestem algum interesse pelo diálogo comum entre duas pessoas, esse tipo de interação certamente não é o principal objeto de estudo de Bakhtin

21 O conceito de dialogia aparece também na obra Problemas da poética de Dostoiévski, no momento em que

Bakhtin afirma a necessidade da linguagem em uma concepção dialógica ser estudada por uma Translinguística, (Metalinguística) cuja definição será abordada no próximo subcapítulo.

e seus parceiros de reflexões. O destaque é dado à dinâmica de forças presente na interação social. São justamente essas forças que promovem os sentidos do discurso.

A diferença entre o dialogismo para o Círculo de Bakhtin e o diálogo face a face foi discutida em diferentes produções bakhtinianas e de seus leitores. Embora o último tipo de diálogo não seja o maior destaque nos estudos bakhtinianos, ele é visto como um dos espaços em que o verdadeiro dialogismo se manifesta. Assim, em uma simples conversa é possível observar diferentes vozes sociais compondo o discurso. O diálogo face a face é uma das muitas formas de manifestação da consciência socioideológica (BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), 2009). As primeiras questões sobre a linguagem cotidiana transitam nos textos bakhtinianos desde Para uma filosofia do ato, no momento que prega a descrição arquitetônica a partir do ato concreto até obras como Marxismo e filosofia da linguagem, quando refere que a esfera da prática cotidiana que influenciará a esfera mais complexa das práticas socioideológicas.

Outra publicação que aborda a temática do dialogismo é Questões de literatura e de estética: a teoria do romance, no qual são discutidos conceitos como o plurilinguismo dialogizado e a dialogização interna do discurso. O primeiro é considerado por Bakhtin como “o verdadeiro meio da enunciação” (1998, p.82), o terreno onde nasce o discurso. A dialogicidade interna manifesta-se em diferentes graus de alteridade em todas as esferas discursivas, podendo haver maior ou menor evidência da palavra do outro no discurso. Ela poderá se tornar criativa quando as divergências individuais brotarem do plurilinguismo social, do qual a dialogização interna do discurso se origina: as relações dialógicas estão presentes em todas as esferas da comunicação.

O enunciado é considerado por Bakhtin (1999) um participante ativo do diálogo social: é, ao mesmo tempo, contestado e aclarado pelos diferentes pontos de vista sociais. Os fenômenos do discurso são definidos pela orientação dialógica para as enunciações alheias. As relações dialógicas são possíveis entre estilos, com sua própria enunciação ou com partes dela. Logo, o objeto de investigação bakhtiniana é de ordem extralinguística, por isso não poderia ser estudado pela linguística tradicional.