• Nenhum resultado encontrado

Capítulo III – A velhice e o envelhecimento no olhar dos outros: Imagens da velhice e

1.7. Impacto das imagens da velhice e envelhecimento

As imagens têm duas funções (Sousa, 2006, cit. in Ribeiro & Sousa, 2008): permitem fazer juízos (para o melhor e o pior) e fornecem informação que regula a interação com os outros. O seu impacto pode ocorrer a vários níveis: nos idosos, nos não-idosos (forma como veem os idosos e encaram o próprio envelhecimento) e nas relações sociais. Na opinião de Ribeiro (2007), no que diz respeito à velhice, existe uma sobrevalorização das imagens sociais

que a projetam de modo gerontofóbico, contribuindo para que idosos e não idosos percecionem a velhice como algo a evitar, negando a sua inevitabilidade e, até, o desejo que todos têm de lá chegarem (significa viver mais anos). O idoso é visto com um conjunto de limitações que se adaptam e levam a formação de rótulos sociais (Lotto & Maluso, 1995, cit. in Ribeiro, 2007). Esses rótulos idadistas/velhistas transportam uma imagem cultural de discriminação que vai ser difundida entre as gerações. Citando Cerqueira (2010) “as imagens que daí advém são de tal forma impercetíveis e encaradas como naturais que a dificuldade reside na identificação da sua ocorrência” (p. 149).

Os dados do Inquérito Sociais e económicos (IESE) (cit. in Marques, 2011) apontavam que eram principalmente as pessoas mais que velhas que concordavam com a frase “burro velho não aprende línguas” ou que, numa situação de dificuldade de uma empresa, as pessoas mais velhas deveriam ser as primeiras a ser despedidas. Segundo a autora, este tipo de comportamento parece constituir um mecanismo “justificador do sistema”. Ou seja, as pessoas idosas aceitam e defendem o sistema social em que acreditam, mesmo que nesse sistema as pessoas idosas sejam inferiores e devam ser deixadas para segundo plano em prol dos mais jovens. Esta situação pode ser benigna porque mantém a coesão social, mas pode ter consequência na saúde, nos desempenhos cognitivos e comportamentos nas pessoas idosas (Marques, 2011). Diversos efeitos do velhismo nas pessoas idosas têm sido descritos na literatura: isolamento da comunidade e institucionalização desnecessária (Palmore, 1999, cit. in Ribeiro & Sousa, 2008); redução do sentimento de autoeficácia, diminuição do rendimento e stress cardiovascular (Hausdorff, 2000; Levy, Ashman & Dror, 2000, cit. in Ribeiro & Sousa, 2008); contributo para os maus-tratos dos idosos (Curry & Stone, 1995, cit. in Ribeiro & Sousa, 2008).

No que se refere às imagens acerca da velhice, Caldas e Thomaz (2010, cit. in Ventura, 2012) argumentam que as mesmas estão relacionadas a um movimento de constante criação, o qual é também responsável pela construção da identidade do próprio idoso, uma vez que, quando ele se depara com determinada imagem social da velhice, é capaz de se apropriar de características que compõem essa imagem, modificando ou não sua identidade pessoal. De acordo com Cerqueira (2010), as imagens de velhismo influenciam as diversas formas de interação com as pessoas idosas, tanto ao nível pessoal como institucional. Acontecem em termos institucionais quando interferem (em geral, de forma negativa) nas ações inerentes à prática diária de qualquer instituição. A investigação aponta para o facto de profissionais de varias áreas de atendimento público (assistentes sociais, profissionais de saúde, professores,

entre outros) tenderem a perpetuar essas imagens em contextos com impacto bastante significativo na vida das pessoas idosas (Bytheway, 1995, cit. in Cerqueira, 2010): sistema de saúde, ação social, atendimento geral, mercado de trabalho. Mesmo os profissionais que trabalham com pessoas idosas, constata-se a existência de ações velhistas, como o evitar estabelecer relações interpessoais, exercer segregação no acesso a oportunidades laborais ou em atividades sociais e culturais. Os efeitos do velhismo encontram-se igualmente na não promoção da independência dos mais velhos que se observa em alguns lares de idosos, e na comunicação usada nessas instituições, verifica-se pouca atenção às necessidades de afiliação e apoio social dos utentes, sendo comum a utilização de linguagem infantilizada por parte dos profissionais, a qual reforça comportamentos ou atitudes de dependência da parte dos idosos (Ribeiro & Sousa, 2008)

Estudos apontam a presença de diversas situações velhistas, no sistema de saúde, onde as pessoas se encontram numa situação de desvantagem, visto que, a atribuição dos cuidados de saúde varia com a idade do beneficiário: as pessoas idosas tendem a receber pior tratamento do que a outras pessoas mais novas (Wilkinson & Ferraro, 2002, cit. in Cerqueira, 2010; Marques, 2011). Diversas vezes são mal diagnosticadas ou sem o atendimento médico indispensável porque são ‘catalogadas’ como velhas, pelo que as queixas são ‘próprias da idade’ e não haverá muito a fazer. Por vezes, presencia-se, a não prestação de alguns serviços por se considerar que os recursos devem ser direcionados para os mais jovens, sendo as pessoas não-idosas que regra geral usufruem desse direito, além de que estes pacientes tendem a receber mais medicação do que os outros, ou a auferir menos avaliações do foro psiquiátrico tendo como justificação a idade (Cerqueira, 2010).

Segundo Cerqueira (2010), as manifestações velhistas no local de trabalho podem ocorrer tanto a nível consciente ou inconsciente, e refletem as imagens sobre as pessoas idosas e a forma como se deve interagir com elas. Os exemplos mais visíveis passam por anedotas e escárnios no discurso e por atitudes discriminatórias, como afirmar que já deviam estar em casa reformadas. Ou por práticas discriminatórias baseadas na idade, com deliberar quem vai frequentar ou não ações de formação, que lugares podem ocupar, ou que capacidade de decisão lhes é atribuída (McCann & Giles, 2002, cit. in Cerqueira, 2010). A manutenção das imagens velhistas e da discriminação de acordo com Quadagno e Hardy, (1995, cit. in Cerqueira, 2010) “são o reflexo das políticas sociais e de emprego: educação na juventude, trabalho durante a meia-idade e reforma na velhice” (p. 152). A investigação sugere que existe uma dificuldade por parte dos mais novos em dialogar com as pessoas idosas, uma vez

que as veem como indivíduos que tem um discurso revoltado, excessivo sobre a sua situação, que não ouvem os outros e são muito críticos e preconceituosos em relação aos jovens (Giles & Dorjee, 2004, cit. in Cerqueira, 2010). Segundo Ventura (2012), os conflitos geracionais podem ser ocasionados pela condição de diferenças entre os padrões sociais e culturais de cada geração, especialmente devido às rápidas transformações que ocorrem na sociedade. Caldas e Thomaz (2010, cit. in Ventura, 2012, p. 31) afirmam que, apesar dos jovens terem contato com os idosos, as relações entre ambos podem ser marcadas pela intolerância, ao que chamam de chatice do velho e também pela dificuldade de se relacionar com o dissemelhante. Néri (2007, cit. in Boaventura, 2012) afirma que as atitudes frequentemente atuam sem o conhecimento ou o controle consciente das pessoas, este facto é denominado pela autora de

naturalização do preconceito. Pode ser exemplificado por situações em que os idosos não

percebem que estão a ser vítimas do preconceito. Como as formas de tratamento “aparentemente carinhosas e coloquiais, como ‘velhinho’, ‘vovozinho’ e ‘tia’, podem mascarar o preconceito, assim como os termos ‘idade legal’, ‘maior idade’, ‘melhor idade’ ou ‘gatão de meia-idade’ (...) ” (p.78). A autora ainda complementa que os eufemismos “terceira idade’, ‘melhor idade’, ‘maior idade’, ‘idade legal’”, são subterfúgios semânticos, termos aparentemente bem-soantes que no fundo servem para “mascarar a rejeição da velhice” (p.78).

De acordo com Marques (2011), temos muitos exemplos da existência de velhismo na nossa sociedade. Os conteúdos dos livros escolares não passam muitas referências de pessoas idosas, ou se passam não são muito positivas. Os sinais de trânsito são absolutamente castradores para os idosos, associando-os à curvatura lombar e à posse de uma bengala. Quando um idoso vai ao médico com o filho, o médico fala para o filho em vez de falar para o idoso. Quanto mais um idoso achar que é doente ou incapaz, pior vai viver. Uma perspectiva positiva melhora a vida mesmo em iguais condições de recurso a medicamentos, higiene e alimentação. O exemplo preferido da autora é o do filme “Up”, em que o herói principal tem 78 anos. O filme rendeu a terceira maior bilheteira da Pixar. No entanto, pensava-se que iria ser um fracasso, os fabricantes de brinquedos assumiram claramente que não estavam interessados em produzir bonecos ligados ao filme porque “não acreditavam que as crianças estivessem interessadas em brincar com um idoso de 78 anos como herói” (p. 14).

Em relação ao filme, podemos observar a existência de estereótipos em relação à velhice logo na sinopse, quando descrevem o personagem principal do filme como rabugento e, ao longo da história, um facto marcante é quando aparece no início o personagem principal

Carl Fredricksen, andando, o mesmo caminha com dificuldades, precisa usar bengala, o que dá ideia de fragilidade e debilidade física. Outra situação ocorre numa passagem do filme onde a câmara percorre o interior da casa da personagem, mostrando que a mesma mora sozinha, é solitária. Nesta mesma cena é dado ênfase ao semblante de tristeza do personagem. Outra passagem do filme que nos remete ao quotidiano relacionado ao envelhecimento na nossa sociedade surge quando existe a possibilidade do “idoso” da história ser colocado numa instituição. Desta forma, acreditamos que seja possível identificar representações nos filmes, visto que os cineastas não reproduzem a realidade, mas sim a interpretam, dialogando com o contexto em que as suas obras são produzidas, tanto em ficções quanto em documentários (Prata & Júnior, 2013). Logo, para montar o perfil estereotipado do personagem, o autor identificou as representações sociais existentes na sociedade sobre o envelhecimento e a velhice.

Minichiello, Browne e Kending (2000, cit. in Ribeiro, 2007) consideram que a promoção de imagens positivas da velhice constitui um fator necessário na promoção do estatuto da pessoa no interior da sociedade idadista. Os meios de comunicação podem ser vistos como produtores e colaboradores da reprodução e disseminação da imagem social do idoso, muitas vezes depreciativa e discriminatória, salvo as exceções dos idosos notáveis e

célebres, que não são a maioria deste grupo etário. No entanto, não se pode perder de vista a

possibilidade de uso destes recursos tecnológicos e de comunicação para um trabalho de transformação/inversão dessas imagens e representações, as quais não devem e não podem ser tidas como eternas, cristalizadas, generalizadas mas, ao contrário, passíveis de mudanças. (Paz, 2000, cit. in Paulino, 2007). Como exemplo, podemos referenciar o filme “Elsa e Fred:

Um amor de paixão” do realizador Carnevale de 2005, que foca o tema do envelhecimento

em diversas vertentes, ajudando na educação gerontológica. Da sua análise é possível extrair, entre outros, algumas adversidade e temas relevantes em relação às pessoas idosas, a saber: a atitude positiva diante da vida; o tabu da morte; a solidão na velhice; a sexualidade na velhice, apontando as convenções sociais e a imagem estereotipada do velho assexuado; a velhice concebida como processo patológico e o controle familiar em relação às pessoas idosas. É uma história de amor, na qual os apaixonados têm idades por volta dos 80 anos, demonstrando que nunca é tarde para amar. Elsa e Fred partilharam os seus momentos de amizade e intimidade, nos padrões da cultura europeia, e experimentaram uma situação de envelhecimento positivo, o que permite refletir sobre o que é envelhecer e o que se deseja como parte desse envelhecer (Gomes, Cárdenas, Alves & Lopes, 2008).

Paulino (2007) citando Paz (2000) diz-nos que para que se construa uma nova imagem do velho e se resgate a sua cidadania, é necessário investir numa nova perspetiva de compromisso social, sendo importante a presença de parceiros/aliados empenhados na luta por estas transformações, procurando diferentes meios/formas de resistir, se manifestar/expressar:

“na construção de uma imagem do homem idoso com suas características físicas: cabelos brancos, curvos e envergados, velhos sim, belos também e retos em dignidade e cidadania” (...) “A velhice, enquanto registro do tempo e da vida, não se mede apenas pelos anos de vida tão pouco a beleza se afirma pela aparência ‘estético-física’, mas, sim, pelo acumular de histórias, experiências, sabedoria e na firmeza e garra da ‘cabeça erguida” (p. 95).

Citando o mesmo autor, menciona que não nos podemos esquecer dos idosos “produtivos” que ocupam cada vez mais espaços em diversas áreas, como na literatura, no jornalismo, na política, nas ciências, no teatro, no humor e também na filantropia, e ainda no trabalho de idosos anónimos, dispostos a manterem-se vivos, atuantes e dispostos a continuar a trajetória de luta, conquista de espaços, direitos, dignidade. “São rostos que marcam a sua existência e presença, registram a sua história de vida, no tempo e no espaço e, desse modo, cultivam e exemplificam a sua existência, contribuindo socialmente e combatendo formas de negação, asilamento e anulação” (Paz, 2000, cit. in Paulino, 2007, p. 95).

II PARTE

_______________________________________________________________________

ESTUDO EMPÍRICO

Capítulo I V – Metodologia

___________________________________________________________________________