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3.3 Novos efeitos na sociedade

3.3.1 Impacto nos valores tradicionais

Com o crescimento da economia em ritmo acelerado, é frequente verificar-se uma remodelação dos valores tradicionais da sociedade num curto período de tempo. Este fenómeno não é estranho à RAEM, que ao longo dos últimos dez anos registou um crescimento acelerado na sua economia devido ao impulso do sector do jogo. A RAEM tem sido elogiada pelo carácter simples das suas gentes, sua tolerância, entre outros. Na realidade, todas as pessoas, independentemente da sua etnia, religião ou cultura, aqui convivem pacífica e harmoniosamente. Mas há quem entenda que esta característica peculiar de pequena vila de pescadores se perdeu, face à rapidez do desenvolvimento económico. Hoje, sob uma conjuntura catalisadora derivada do desenvolvimento socioeconómico e do aumento brutal da população vinda do exterior, as características dos residentes, sobretudo a sua simpatia e os valores tradicionais dos quais se orgulham, têm sofrido uma remodelação profunda. Para avaliar a dimensão e profundidade desta remodelação, o Grupo de Estudo Temático entende ser necessário proceder a uma análise detalhada dos seguintes aspectos, entre outros:

Dinamizada pelo desenvolvimento económico, a sociedade da RAEM transformou-se numa sociedade rica, com abundância de bens materiais, na qual os residentes, nomeadamente os jovens, podem gozar dos frutos da expansão económica. Simultaneamente, também devido a esse crescimento, alteraram-se os padrões familiares, sendo hoje em dia comum que ambos os membros do casal trabalhem fora de casa. Uma vez que não têm tempo suficiente para tomar conta dos seus filhos,

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recorrem a bens materiais para compensar as suas ausências. Neste contexto, o materialismo começa a ganhar peso, corrompendo os valores tradicionais assentes, segundo os quais “o sucesso deverá ser obtido pelo esforço do próprio”, isto é, passa a desprezar-se a virtude de lutar arduamente pelo sucesso, verificando-se a ausência de uma atitude pragmática, de respeito e dedicação no trabalho.

A mudança do paradigma dos valores tradicionais levou ainda a um esvaziar da consciência cívica dos residentes. Simultaneamente, o crescimento económico dos últimos anos permitiu aos cofres do erário público da RAEM acumular avultados saldos positivos, proporcionando ao Governo suficiente capacidade financeira para atribuir vários subsídios aos residentes, o que, não obstante contribuir para melhorar a qualidade da vida da população, teve os seus efeitos nocivos; para além da insatisfação contínua tem sido manifestada em incessantes reivindicações, instalou-se o hábito de exigir muito contribuindo com pouco e algumas pessoas consideram que o apoio público é um direito.

Tal como atrás explanado, a situação consolidada dos cofres do erário público da RAEM, permitiu ao Governo a implementação gradual de políticas de benefício social nos últimos anos. Em determinados sectores da sociedade instalou-se a mentalidade de que o Governo deve assumir a responsabilidade de todo e qualquer evento, seja qual for o sector: perante qualquer adversidade, independentemente da sua natureza, as pessoas exigem imediatamente a intervenção do Governo, sem que antes envidem esforços para resolver essas situações. Estas situações têm-se verificado cada vez mais nos últimos anos, sendo transversais a todas as classes sociais. Por exemplo, algumas pessoas das classes sociais menos favorecidas, por terem um baixo nível de qualificações não conseguiram beneficiar do processo acelerado da economia e numa situação de precariedade, prevalecem as manifestações emotivas de descontentamento, indignando-se frequentemente contra as políticas do Governo e as pessoas de outras classes sociais. Não conseguindo usufruir dos frutos do desenvolvimento económico, reclamam incessantemente do Governo a atribuição de benefícios sociais.

Numa fase de pleno desenvolvimento socioeconómico, impulsionado pelo sector do jogo, a classe social mais favorecida tem beneficiado de oportunidades de negócio que lhes permitiram acumular ainda maior riqueza. Devido à desproporcionalidade do desenvolvimento económico, a expansão do sector do turismo e do jogo ultrapassou largamente a dos outros sectores. Na tentativa de aproveitarem os benefícios do crescimento desses sectores, alguns comerciantes optaram por abandonar as suas actividades tradicionais e investir os seus fundos e

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factores de produção nos sectores do turismo e do jogo, ou nos sectores da construção e do imobiliário. Esta situação, que contribuiu para o desequilíbrio sectorial local, expõe esses comerciantes aos riscos económicos da excessiva dependência da economia no sector do jogo. Em caso de crise económica, é expectável que este grupo social adopte uma posição reivindicativa de intervenção do Governo, em busca de medidas que permitam assegurar os seus interesses adquiridos.

A classe média mantém o sentimento de que foi menos beneficiada com o rápido desenvolvimento do sector do jogo, uma vez que não beneficiou das oportunidades de negócio que foram proporcionadas às classes mais favorecidas, nem auferiu os benefícios sociais atribuídos às classes menos favorecidas, que lhes permitiram manter o mesmo padrão de vida, daí que a sua única alternativa seja beneficiar de algumas medidas que têm sido implementadas pelo Governo, tais como a restituição parcial do imposto profissional, a proibição da importação de mão-de-obra não residente, entre outras, pretendendo desta forma assegurar os seus próprios interesses. Esta mentalidade proteccionista reflecte-se na especialização em determinadas profissões, em que os respectivos profissionais apenas desejavam obter reconhecimento profissional, sem participarem em qualquer processo de certificação das suas qualificações.

Há ainda um sentimento na sociedade que aponta a existência de mentalidades assentes no egoísmo e na procura de lucro rápido, passando a ser indiferentes as relações de vizinhança. Algumas pessoas actuam apenas nos seus próprios interesses, não demonstrando qualquer respeito e consideração para com os outros. Nos últimos anos têm-se verificado comportamentos pouco solidários, designadamente a oposição dos residentes à construção de lares de idosos e de instalações sociais de reabilitação (postos para servir metadona, etc.), contíguos às suas habitações. Tais comportamentos merecem uma reflexão profunda. Assiste-se a um declínio da confiança mútua entre as pessoas, factor este que associado ao desaparecimento do espírito do grupo e dos valores da tolerância, entreajuda e amizade poderá, a longo prazo, pôr em causa a harmonia social.

Começa também a surgir um sentimento de perda dos valores de respeito pelas gerações mais idosas, assistindo-se a sinais de abandono social por parte dos filhos em relação aos pais. Esta situação cria a necessidade de novos apoios sociais de “garantia e do sustento na fase da velhice”.

O Grupo de Estudo Temático é de opinião de que o Governo deve aproveitar esta oportunidade de ajustamento do sector do jogo, desencadeando acções de

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sensibilização para que os residentes se apercebam do carácter cíclico da economia, procurando deste modo reajustar os pensamentos de determinado sector da população, isto é, a obtenção de benefícios sem necessidade de envidar esforços, valores populistas, pobreza relativa, etc.