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“Parece que o mundo está a chegar ao fim. Como se o crescimento irresistível dos jornais online e dos e-books fosse devastar em dois dias a publicação impressa, uma tecnologia que se mantém há décadas. Contudo, não obstante tais terríveis augúrios, a mãe de todas as contradições é que o livro de fotografia está a prosperar”70 (Fontcu- berta, 2o12:2). Hoje publicamos mais livros e mais facilmente. E porquê? Há factores que estão intimamente relacionados entre si mas, para alguns autores, tal deve-se sobretudo à tecnologia cada vez mais acessível – “Quer fazer um livro, a razão que sugeri resume-se à tecnologia moderna, é que agora pode (...) quer isso seja no fazer das imagens, no processo de produção do livro, ou nos recém inventados canais de distribuição, a tecnologia moderna abriu a publicação [de livros] a qualquer pessoa que tenha a motivação e a determinação de o fazer”71 (Dickie, 2o1o:7).

Ao nível do impacto da nova tecnologia podemos considerar três momentos de influência no processo de realização de um livro de fotografia contemporâneo:

· Momento I – Concepção – tecnologia e técnicas associadas às ferramentas de trabalho utilizadas;

· Momento II – Produção e Publicação – técnicas de impressão e produção; · Momento III – Distribuição e Consumo – self-publishing, crowdfunding e novas plataformas de divulgação de conteúdo – via blogosfera e redes sociais (blogs, grupos privados no Facebook, álbuns do Pinterest).

Momento I – Concepção

“Não penso que o livro vá desaparecer independentemente da nova tecnologia – en- quanto houver fotografia, teremos livros de fotografia”72 (Wolff apud Forester, 2oo7:4o). O livro, enquanto objecto físico–impresso, vive hoje no limbo entre a morte anunciada por alguns autores e a desmaterialização duma certa aura, apontada por outros. Os e- -books, ao implicarem a utilização de novos suportes de leitura, como os dispositivos electrónicos Kindle73 e iPad74, parecem eliminar esta “aura” que, em outros tempos, deu aos livros convencionalmente impressos o estatuto de objecto-desejo, por conte- rem valores simbólicos e afectivos, enraizados na sociedade, e que desde a descoberta da Imprensa se habituou a adquirir conhecimento nestes moldes. Esta natureza algo instável entre o modelo analógico e o digital é transversal a todas as tipologias de livros, dos romances aos livros técnicos e, claro está, aos livros de fotografia.

A ascensão do computador pessoal, no início dos anos 198o, transformou as tecnologias de produção dos livros e por conseguinte facilitou o acesso às ferramen- tas técnicas necessárias à sua concepção. O computador é hoje uma das principais

2.2.

ferramentas de trabalho para a maioria dos cidadãos, onde se inclui o fotógrafo e o designer. Em muitos casos, é já o dispositivo de leitura primordial quer de texto, quer de imagens estáticas e/ou dinâmicas.

O processo de criação de um livro, outrora moroso e complexo, (dado o envolvi- mento de ofícios altamente especializados como a tipografia, o design gráfico e a pré- -impressão) passou a ser sintetizado a partir de um simples computador e de software de edição electrónica associado a esta plataforma – aumentando a rentabilidade deste processo – resultado da economia de tempo e meios agora envolvidos: “Já não tem que acontecer em longas etapas; os autores podem rapidamente “voltar” ao seu texto para cortar, colar e, na generalidade, alterar [os conteúdos] (em vez de esperar dias ou até semanas pelas provas)”75 (Fusco, 2oo7:34)

A possibilidade de trabalhar em rede, via internet, com os vários envolvidos no pro- cesso, agilizou a cooperação entre as partes e reduziu distâncias até aqui intransponíveis entre áreas profissionais. Esta mutação do processo de criação do livro mudou o papel do designer gráfico/editorial, que deixou de ser um artífice especialista para se tornar um agente de criação através de um conjunto de sistemas operativos.

Contudo, apesar da sofisticação do software em uso, no início do séc. XXI, muitas das aplicações (informáticas) reproduzem o antigo processo de produção do livro, com o uso de diferentes ferramentas para cada etapa do processo. Citando apenas alguns exemplos: programas de processamento de texto para autores e editores; programas de edição electrónica para designers gráficos, e programas de captura e resolução de ima- gens e texto para a impressão (por exemplo Adobe Indesign, Quarkexpress, etc.).

A apelidada desktop publishing76 é o resultado do crescente acesso do público ge- neralizado aos enredos mais técnicos e prácticos envolvidos na produção de uma edi- ção, sobretudo no que à sua preparação e produção diz respeito. Implicando, muitas vezes, a “dispensa” de um profissional como o designer gráfico/editorial, esta opção tem sido vulgarizada por reduzir substancialmente os custos iniciais da publicação. Outra opção que pode estar associada, à anterior, é a virtual publishing77, que ao ab- dicar da componente física da publicação reduz ainda mais os custos associados e a morosidade do processo de lançamento, já que sem investimento inicial significativo pode-se editar facilmente uma versão digital (por exemplo .pdf) da publicação ou, na melhor das hipóteses, um e-book. O imediatismo do online é uma característica que pode ser interpretada pelo autor/editor como uma vantagem face ao “concorrente” im- presso – “O impresso é difícil. É pesado e caro. Altamente impraticável”78 (Springwise apud Forester, 2oo7:52), mas, eis que voltamos ao incontornável dilema “Mas também é arquivista, bonito e emotivo. O impresso pode ser íntimo de uma forma que o digi- tal nunca será”79 (ibid). Himes e Swanson opinam também a este propósito, no livro Publish your Photography Book, “É uma nova era de produção de livros assim como de leitura dos livros (...). Um livro já não é um objecto tridimensional; o conteúdo

rico, realçado [pelo carácter] multimédia, em várias línguas, que é passível de ser lido numa nova geração de dispositivos móveis, tais como o iPad e o Android, vão mudar para sempre a experiência da leitura. Essas mudanças são denominadas EPUB 2.1.”80 (Himes e Swanson, 2o11:19), reconhecendo-lhe algumas qualidades: “Os autores de- vem explorar como a multimédia pode expandir a experiência do seu livro, e proteger o conteúdo e direitos relacionados para este novo modelo”81 (ibid). Estamos perante um grande leque de possibilidades de criação e temos ao dispor múltiplos suportes, o que faz com que os autores afirmem que “é um período excitante de invenção que pode beneficiar os fotógrafos e autores”82 (ibid). Não deixa de ser curioso que apesar da opinião tão favorável destes autores às novas possibilidades da virtual publishing todo o seu livro seja dirigido à publicação tradicional impressa do livro de fotografia.

Apesar das investidas da virtual publishing as reticências persistem, e muitos au- tores admitem que o seu impacto será sempre residual, dado que a imagem fotográ- fica parece beneficiar simbolicamente quando reproduzida num livro de fotografia – “Não vi nada digital que lembrasse os livros de fotografia, eles não têm o carácter táctil de folhear um livro, a experiência íntima é perdida com os e-books”83 (Mack apud Forester, 2oo7:58).