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2.1.

Como estudado no capítulo anterior o livro e a fotografia estabeleceram, desde o seu surgimento no séc. XIX, uma relação muito próxima. Inicialmente, por questões prá- ticas e técnicas passando depois, e de forma gradual, para motivações culturais, polí- ticas, e artísticas. O livro de fotografia pode, por isso, ser analisado à luz de diferentes contextos: o histórico, que o enquadra, o técnico, que o formaliza, e o autoral, que o gera. Estes contextos, não sendo estanques entre si, quando juntos são responsáveis pela complexa história do medium.

O suporte livro, embora tenha vivido momentos de menor preponderância, foi “bem amado” pela comunidade de fotógrafos ao longo da sua existência – “Historicamente os fotógrafos tiveram um caso romântico duradouro com os livros de fotografia”53(Dickie, 2o1o:6). Enquanto formato de distribuição da fotografia o livro foi considerado, durante muito tempo um meio privilegiado para o contacto com o que se ia fazendo na área e, muitas vezes, a única forma de acompanhar a carreira e o trabalho de determinado au- tor; numa época em que os recursos de difusão da imagem escasseavam e a presença da fotografia nas paredes do museu era residual ou mesmo inexistente.

Nos dias de hoje assistimos a uma espécie de fascínio por esta forma de materia- lização do trabalho fotográfico, que extrapola o domínio dos fotógrafos e dos amantes de fotografia para se tornar um tema de interesse mais generalizado. Darius Himes é um dos autores que subscreve este novo estatuto do livro de fotografia no seu ensaio Who cares about books54 escreve: “Os livros de fotografia nunca exigiram tanto interesse como hoje. Anualmente são publicados às centenas em todo o mundo, coleccionados e procurados pelos obcecados (este autor incluído), e vendidos ao triplo e quádruplo do seu preço de fabrico. Eles fornecem ao artista um passaporte à cena de fotografia inter- nacional e criam ocasiões para exposições, palestras, visitas guiadas, e críticas. Tanto o fornecimento como a procura parecem, cada vez mais, não diminuir”55 (2oo8:158).

Opinião semelhante têm Parr e Bagder que, na introdução ao seu terceiro volu- me The Photobook: A History III (Phaidon, 2o14), demonstram algum do seu espanto com o novo estado “revigorado” do medium, sobretudo em comparação com o mo- mento em que foram editados os seus primeiros dois volumes (2oo4 e 2oo6): “O que foi surpreendente – e gratificante – foi o alto nível de interesse que encontrámos no livro de fotografia. Nós sabíamos que haviam entusiastas por aí, mas ficamos impres- sionados com a quantidade [deles], e também com a paixão profunda que tinham com os livros de fotografia(...). E em lado algum parece que o livro físico esteja em mais boa saúde do que no género do livro de fotografia”56 (2o14:6).

Uma tendência que se tem destacado é o interesse pela materialidade e experi- mentação dos limites formais do objecto livro. Alec Soth chamou-lhe “processo escul- tórico de fazer livros”57, na sua intervenção The Current State of Photobook, na NY Art

Book Fair’13, no MoMa. Parr e Badger, por sua vez, falam em “camadas”58 ou “livro de fotografia construído através da colagem”59, conseguidos através de um design mais vanguardista próximo das configurações editoriais dos livros de artista – “Os objectos fac-similados – cartas e outros documentos – no livro, num esforço não só de enalte- cer a experiência narrativa mas, também, podemos especular, de reforçar o valor da materialidade do livro apesar da ‘imaterialidade’ da publicação electrónica”60 (2o14:9). O livro de fotografia contemporâneo é ecléctico na forma e no conteúdo, e o mercado parece conviver bem com essa diversidade. Não há temas em desuso nem formatos mainstream, tudo é permitido e todos os autores parecem agora, “livres” – de estruturas editoriais e de espartilhos comerciais. Publica-se cada vez mais, de coffee table books61, trade books62, monografias, edições luxuosas e limitadas, auto-edições a zines: “Da Blurb à Phaidon, existem ínumeras formas de criar, publicar e comercia- lizar livros e de os fazer chegar às mãos das massas anónimas e dos colecionadores esfomeados”63 (Himes, 2oo8:166).

Consequência das dificuldades económicas associadas ao declínio do mercado editorial – “Hoje em dia as revistas raramente têm orçamento para comissariar trabalho fotojornalístico ou trabalho documental”64 (Parr, 2o14:04) – e do parco investimento de algumas instituições públicas e privadas na fotografia contemporânea – “as instituições não estão a providenciar o apoio e o espaço mais acertados para a fotografia contemporâ- nea. Os fotógrafos encontram esse lugar nos livros”65 (Ceschel, 2o14), tem-se assistido a uma crescente auto-edição ou edição independente suportada, também, pelo surgimen- to de novas estruturas de divulgação desta prática, como a Self-Publish, Be Happy, eventos específicos como o Stray Books Fair, em Londres ou a plataforma online Indie Photobook Library. Os workshops de incentivo à pratica DIY (Do it Yourself) são também cada vez mais comuns, e adensa-se o interesse pela manufactura do livro – da encadernação às escolhas de materiais. Um efeito colateral da crise financeira global, que obrigou os fo- tógrafos a reeinventarem-se adaptando os seus processos de trabalho e voltando, muitas vezes, ao percurso mais autoral, numa alternativa à escassez de trabalho encomendado. Os avanços tecnológicos são, também, responsáveis pela democratização do aces- so a este meio (do autor ao consumidor). Inicialmente, através das inovações ao nível da criação, com o surgimento de novos programas de paginação e design, e depois ao nível da produção, com a vulgarização da impressão digital. Refere Parr e Badger: “Existe um novo e excitante fenómeno a ter em atenção: o advento de programas de computador de design gráfico, de impressão digital ou on demand, mostram que os fotógrafos têm todos os meios para fazer os seus próprios livros de fotografia a preços razoáveis”66 (2o14:6).

No entanto, Darius Himes realça o fenómeno da POD (Print on demand), neste processo de democratização – é, efectivamente, cada vez mais barato e fácil editar e distribuir em formato livro – “Ao nível do fotógrafo – e isso significa qualquer um

com um computador e algum tipo de aparelho que permita fazer fotografias – o fe- nómeno do print-on-demand é talvez o aspecto mais revolucionário desta nova era dourada. Uma série de empresas [que] surgiram subitamente põem a possibilidade de imprimir e vender livros em quantidades de um ou mais ao dispor de qualquer um que esteja disposto a pagar pelo processo. A um preço inicial de $15.95, quem é que não pode?”67 (2oo8:166-167). Mas, o impacto na nova tecnologia tem-se feito sentir a outros níveis, que extrapolam a criação, a produção e o comércio online do livro de fotografia. A Internet tem sido responsável pela comunicação e dinâmica gerada na “comunidade” que tem vindo a aumentar e diversificar a sua actividade, ultrapassando o domínio virtual da blogosfera e das redes sociais, materializando-se em feiras da especialidade e iniciativas como o Photobook Club. E existe, de facto, uma maior dispo- nibilidade e procura do público: “Nos últimos 1o ou 15 anos tem havido uma mudança cultural, com as pessoas a ficarem cada vez mais sensíveis aos livros de fotografia e a voltarem atrás e colecionarem os velhos [livros], e com feiras de livros dedicadas aos livros de fotografia”68 (Everett, 2o14).

Esta nova idade do ouro69 do livro de fotografia tem sido suportada e exponen- ciada por uma série de acontecimentos com diferentes origens e contornos. Importa, portanto, compreendê-los e, se possível, relacioná-los; Para isso, optou-se pela criação de algumas categorias de forma a facilitar a sua análise, certos de que a compreensão do seu contexto e da dinâmica nele gerada nos podem fornecer uma perspectiva mais ampla da contemporaneidade:

· 2.2. O impacto da nova tecnologia: Momento I – Concepção; Momento II – Produ- ção e Edição e Momento III – Divulgação e Consumo (cf. pág. 42); Uma reflexão sobre as implicações da nova tecnologia na totalidade do processo de edição do livro de fotografia – do acto criativo às técnicas de impressão e produção, culminando na distribuição e venda;

· 2.3. O espaço expositivo – das Exposições às Feiras: As exposições e a evolução das estratégias expositivas e Feiras e Trade Events (cf. pág. 55 e pág. 2oo); Uma espécie de roteiro cronológico pelo espaço expositivo mundial criado pelos museus ou outras ins- tituições ligadas à fotografia, e um breve levantamento das principais feiras promovidas pela indústria livreira ou mercado artístico, com interesse pelo estudo deste medium;

· 2.4. Os Festivais e Prémios (cf. pág. 57); Um levantamento dos mais importan- tes eventos e prémios atribuídos pelos especialistas da área. Um estudo comparativo das suas motivações, programas, resultados e história;

· 2.5. A oferta formativa e académica (cf. pág. 58 e pág. 223); Uma breve referên- cia às principais opções formativas, um estudo das tendências analisadas no mercado, públicos-alvo existentes e estratégias educativas implementadas;

· 2.6. As novas plataformas de estudo e diálogo (cf. pág. 61). O levantamento dos grupos de interesse, publicações impressas ou espaços físicos criados recentemente;