• Nenhum resultado encontrado

IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS: O TRABALHO

No documento denisepedrosodemoraes (páginas 80-85)

3 IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS COM

3.2 IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS: O TRABALHO

A implementação de políticas públicas educacionais, como é o caso da política MAISPAIC aqui estudada, é um processo complexo que acontece em vários níveis: SEDUC/CE

– CREDE – SME – Gestão Escolar – Sala de aula. É possível realizar diversos estudos para analisar como a política se processa em cada um desses níveis, mas, de fato, onde ela se materializa é na sala de aula – e, portanto, atravessa o trabalho docente. No entanto, o papel da gestão pode ser decisivo para o desenvolvimento do trabalho docente, pelo apoio técnico pedagógico e acompanhamento às práticas dos professores e aos momentos de formação. Por essa razão, abordamos, nesta seção, algumas especificidades do trabalho docente e a importância da formação continuada de professores para a execução da política MAISPAIC, levando em consideração que os professores são

[...] peça fundamental de qualquer processo que pretenda uma inovação real dos elementos do Sistema Educativo, já que são eles, em primeira e em última instância, os executores das propostas educativas, os que exercem sua profissão em escolas concretas, inseridas em territórios com necessidades e problemáticas específicas. (IMBERNON, 2009, p. 23)

Em primeiro lugar, é preciso compreender o trabalho docente como “trabalho humano”, atividade realizada para alcance de determinado objetivo; porém, diferente de outros trabalhos em que o sujeito atua sobre um objeto para criar/recriar/transformar, o trabalho docente apresenta especificidades e a principal é o agir sobre o outro. No intuito de definir trabalho docente, Tardif e Lessard (2011, p. 45) asseveram que

[...] a docência como qualquer trabalho humano, pode ser analisada inicialmente como uma atividade. Trabalhar é agir num determinado contexto em função de um objetivo, atuando sobre um material qualquer para transformá-lo através do uso de utensílios e técnicas. No mesmo sentido, ensinar é agir na classe e na escola em função da aprendizagem e da socialização dos alunos, atuando sobre sua capacidade de aprender, para educá-los e instruí-los com a ajuda de programas, métodos, livros, exercícios, normas, etc. (TARDIF E LESSARD, 2011, p. 45)

Sendo assim, a docência é esse agir intencional em que o professor se utiliza dos mais variados recursos para promover a aprendizagem dos alunos – intencional porque visa ao alcance de um ou mais objetivos. O trabalho docente, portanto, não se situa só no campo de ação, ele requer planejamento para que alcance os objetivos que envolvem as aprendizagens dos alunos. Além disso, requer avaliação contínua para perceber se as práticas estão seguindo na direção esperada e envolve também o uso de recursos materiais diversos. Requer, além disso, acompanhamento para, se necessário, ajustar ou mudar a rota. “A aula, embora aconteça em um espaço e tempo determinados, é antecedida e sucedida por outros espaços e ações a que pertence

como: a formação docente, o trabalho de planejamento, a avaliação, a cultura do professor, seus valores...” (AZZI, 2005, p. 56).

Vê-se, pois, que o trabalho docente é bastante complexo. Para Tardif e Lessard (2011, p. 41), “a atividade docente no contexto escolar não tem nada de simples e natural, mas é uma construção social que comporta múltiplas facetas e cuja descrição metódica implica necessariamente escolhas epistemológicas”. Porém, essas escolhas nem sempre são claras ou realizadas de forma plenamente intencional pelos professores; daí a importância de uma formação continuada, que proporcione momentos de estudo e reflexão pautados no fazer docente, ou seja, tendo a prática como objeto de análise dos professores.

Essa complexidade do trabalho docente precisa ser pensada dentro da escola por quem convive também com os mesmos problemas, de os professores trabalharem de forma mais colaborativa, dialogando com seus pares, compartilhando boas práticas e refletindo sobre dificuldades que enfrentam com os alunos para buscarem soluções coletivas; é o que se espera dos momentos de encontro oportunizados a título de formação continuada, protagonizados pelo professor e por outro sujeito que tem função muito importante no tocante à formação de professores: o coordenador pedagógico.

A colegialidade, a partilha e as culturas colaborativas não se impõem por via administrativa ou por decisão superior. Hoje, num tempo tão carregado de referências ao trabalho cooperativo dos professores, é surpreendente a fragilidade dos movimentos pedagógicos que desempenharam ao longo das décadas um papel central na inovação educacional. Esses movimentos tantas vezes baseados em redes informais e associativas, são espaços insubstituíveis no desenvolvimento profissional dos professores. (NÓVOA, 2010, p. 07) Corroborando Nóvoa (2010), Formosinho (2015) defende que é através da colaboração entre os professores que teremos mais condições para lidarmos adequadamente com essa complexidade. E assim, focada num trabalho colaborativo entre os professores, como o próprio autor destaca, a formação docente teria muito mais a contribuir para atender às demandas da sociedade atual referentes às aprendizagens dos alunos. Isso exige uma reflexão acerca de nossas concepções pedagógicas. Em que lógica se assenta a formação docente: em uma lógica transmissiva ou em uma lógica participativa? Porque, concebidos dentro de uma pedagogia tradicional, pedagogia da transmissão, os momentos formativos tenderiam a ser muito mais prescritivos, partindo do princípio que os professores são malformados e precisam receber tudo pronto para simplesmente executarem.

Por outro lado, pensando em “pedagogias da participação”, Formosinho (2015, p. 10) afirma que:

Os professores e os alunos são considerados não como meros executores de uma pedagogia previamente prescrita, mas antes como atores, porque são pensados como ativos, competentes e com direito a co-definir o itinerário do projeto de apropriação da cultura que chamamos educação.

É preciso considerar que mudanças na cultura escolar, práticas, atitudes, modos de agir e pensar não se operam de forma instantânea. “São necessários processos experienciais longos e apoiados”. Aprender a participar e partilhar, a interagir e a colaborar são questões que estão no campo da aprendizagem profissional e como aprendizagem complexa que é, leva tempo e se consolida mediante “avanços e recuos” (FORMOSINHO, 2015).

Para que haja, contudo, mudanças significativas na prática dos professores, gerando uma ambiência mais rica para a aprendizagem dos alunos, é necessário que os professores sejam encarados como sujeitos no processo de ensino e aprendizagem e assim se reconheçam. Afinal de contas, como destaca Farias (2006, p. 111), “[...] o professor é peça fundamental no processo de mudança na educação”. Perceber-se como sujeito, sim, porque não se está passivo diante das políticas que são propostas para sua sala de aula, sua escola, e dessa forma não se executa mecanicamente programas governamentais, mas analisa-se os materiais, estuda-se, aprimora- se, adapta-se aquilo que precisa de ajustes e leva para a sala de aula o que possibilita melhores aprendizagens para os alunos.

Segundo Farias (2006, p. 100):

É necessário que o professor assuma sua condição de sujeito cognoscente e em constante situação de aprendizagem; que encare as experiências novas como uma oportunidade de aprender coisas diferentes, uma chance de aperfeiçoamento e qualificação do seu trabalho e de si mesmo.

A autora acrescenta que os professores não podem agir de maneira mais ativa, comprometida e crítica sem que haja uma compreensão muito clara das políticas educacionais; caso contrário, irá operar sob o discurso do ativismo, da falta de tempo e pouco será alterado na sua prática (FARIAS, 2006).

Nesse ponto, Imbernón (2009) relata que em muitos países são realizadas diversas formações para os professores, porém, não se percebe mudanças nas práticas na mesma proporção. O ideal é que a formação seja articulada com a realidade dos professores, com os problemas que surgem dentro do seu contexto.

Sobre esse ponto, Libâneo (1994) destaca que

[a] formação profissional para o magistério requer assim uma sólida formação teórico-prática. Muitas pessoas acreditam que o desempenho satisfatório do professor na sala de aula depende de uma vocação natural ou somente da experiência prática, descartando-se a teoria. [...] Entretanto, o domínio das

bases teórico-científicas e técnicas, e sua articulação com as exigências concretas do ensino, permitem maior segurança profissional, de modo que o docente ganhe base para pensar sua prática e aprimore sempre mais a qualidade do seu trabalho. (LIBANEO, 1994, p. 28)

Compreendemos que a formação docente não deve se assentar em bases estritamente teóricas ou tão somente práticas, mas que haja um diálogo da teoria com situações reais de ensino, que teoria e prática encontrem-se articuladas de forma a contribuir para o aprimoramento do trabalho docente.

Por si só, a formação não produz os resultados almejados para a educação; a formação é de suma importância, mas outras medidas precisam ser adotadas para subsidiar a prática docente. No caso em estudo, ao analisarmos o MAISPAIC, percebemos que ele caminha nessa direção: traz a formação docente atrelada a um material estruturado e ao acompanhamento pedagógico. “A formação de professores para a escola básica constitui, pois, fator relevante na melhoria da qualidade da escola pública, mas não considerada de forma isolada e sim no bojo de decisões políticas mais amplas que apontem a melhoria das condições do trabalho docente” (AZZI, 2005, p. 57).

Da mesma forma que só a formação não dá conta de solucionar todos os problemas relacionados aos baixos indicadores de aprendizagem dos estudantes, tampouco o material didático, sozinho, resolve essa equação:

somente a presença dos materiais didáticos na sala de aula não é capaz de transformar positivamente o processo de ensino-aprendizagem. [...] o professor deve saber utilizá-lo, saber incorporá-lo em sua prática cotidiana, de acordo com as condições estruturais de sua escola e as necessidades de seus alunos. (FISCARELLI, 2007, p. 4)

Tardif e Lessard (2011) defendem que, longe de ferir a autonomia dos professores, por mais detalhados e prescritivos que sejam os materiais didáticos fornecidos pelos programas, há uma “margem de manobra” que os professores utilizam para que as ações se concretizem. “Esses devem seguir o programa, mas adaptando-os e transformando-os, ao mesmo tempo, em função das exigências do dia a dia. Sua autonomia e responsabilidade se situam assim bem no centro da tarefa codificada e programada” (TARDIF & LESSARD, 2011, p. 208).

É bem verdade que os programas são muito direcionados, já trazendo planos de aula “prontos”, orientações detalhadas de como proceder minuto a minuto da aula. “Os programas escolares atuais são muito pesados, muito detalhados, com uma multidão de objetivos que os professores devem, em princípio, respeitar” (TARDIF & LESSARD, 2011, p. 208). Um professor que exercita pouco sua criticidade e ainda age pautado em concepções mais

tradicionais de educação tenderá a seguir as orientações dos programas, sem esforço para questioná-las. Mas as opiniões dos professores são muito variadas, e, de certa forma, reconhecem que os programas fornecem suporte ao trabalho docente. Professores com mais experiência tendem a ter mais liberdade para a utilização dos materiais. (TARDIF & LESSARD, 2011).

Enfim, formações, materiais e acompanhamento pedagógico devem se propor a promover o desenvolvimento profissional dos professores, no sentido traduzido por Marcelo (2009, p. 09) como “uma atitude permanente de indagação, de formulação de questões e procura de soluções”. Nessa perspectiva, o professor é visto com uma atitude reflexiva diante de seu trabalho, como sujeito ativo, crítico, dialógico e, portanto, capaz de perceber suas necessidades e as necessidades de seus alunos e formar-se continuamente. “Nenhum projeto pedagógico avançará na direção proposta se os professores forem vistos como executores, pois um de seus objetivos de trabalho é o aluno, que também é sujeito [...]” (AZZI, 2005, p. 57).

A seguir, apresentaremos a análise dos dados coletados na pesquisa de campo realizada em duas escolas do município de Juazeiro do Norte, denominadas aqui como Escola A e Escola B. Os dados foram coletados através de entrevistas e grupos focais, procedimentos que detalharemos logo no início da seção.

No documento denisepedrosodemoraes (páginas 80-85)