Na concepção humana, a escola é um espaço de formação complexa do ser humano, sendo o melhor e mais seguro caminho para seu convívio e ascensão social. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – nº 9.394/96) consagra que a educação, dever da família e do Estado, seja inspirada nos princípios de liber- dade e nos ideais de solidariedade humana, e tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Para Delors (2000) a educação deve buscar a realização do ser humano como tal, e não como meio de produção, proporcionando a todos os indivíduos as oportunidades e os instrumentos necessá-
rios para desenvolver livremente suas potencialidades. Abramovay e Castro (2003) ressaltam que se, por um lado, a disseminação da escolarização tem contribuído para a construção de novos sujeitos sociais, por outro, seu processo de massificação tem produzido uma série de transformações na nossa sociedade: o mesmo tempo em que a escola se abre a novos contingentes de alunos, ela se vê obrigada a responder a essa demanda sem estar preparada para uma mudança qualitativa que lhe permita lidar com os anseios desse novo tipo de ator. Estas transformações colocam em crise a oferta tradicional da educação, trazendo consigo sintomas de fracasso, mal-estar, conflito, violência, dificuldade de integração por parte dos jovens e, sobretudo, ausência de sentido da experiência es- colar e da incorporação dos jovens a uma escola que não foi pensada nem feita para eles. (Abramovay & Castro, 2003, p. 32)
Dessa forma, a maioria das escolas (se não todas) está despreparada para receber todos2 os seus alunos e, consequen-
temente, de ensinar bem a todos. Têm-se no interior das escolas a dificuldade de “ver” os seus alunos, pois vivemos em uma so- ciedade marcada por fatores sócio-histórico-culturais que se têm orientado pela homogeneidade entre as pessoas. Sendo assim, a escola cria uma barreira intransponível para com as diferenças”,3
e tornam a comparação e a classificação como elementos normais e intrínsecos da escola, levando muitos de seus alunos ao fra- casso escolar, revolta (interna e externa), a estigmação de ser in- capaz... até “livrar-se” dela! Abandonando-a, pois não faz parte daquele lugar! A escola, ainda, não foi capaz de acolher e reconhecer “as di- ferenças”, e conseguir desenvolver um processo educativo signifi- cante para todos, que contribua para apropriação do conhecimento escolar, formação integral e de qualidade para todos. Vale ressaltar, que a escola, a princípio, é o lugar privilegiado para o desenvol-
2 Ao citar a palavra todos referimos no mais abrangente possível significado da
palavra, sem distinções, de forma integral – todas as pess oas.
3 Entendemos que todas as pessoas são diferentes entre si, por vários fatores: bio-
lógicos, psicológicos sociais e histórico-culturais. Utilizamos o termo na tentativa de buscar a alteridade humana, reconhecer o outro como diferente de mim.
vimento do princípio da “liberdade de aprender, ensinar, pesqui- sar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber” (LDB – nº 9.394/96, art 3º, inciso I). Segundo Abramovay e Castro (2003) a es- cola é lugar de interações verbais reais, onde há diálogo professor- aluno, aluno-aluno, diálogo dos conteúdos, diálogo da escola com a vida: articulação “escola – meio social – cultura – vida”.
Mollo (1974) refere-se à instituição escolar como sendo constituída por uma rede de comunicações, formada por ideias, regras morais e conhecimentos indispensáveis à inserção dos jo- vens na sociedade. E, sendo uma rede de comunicações, a escola voltada ao jovem, deve ouvi-lo, saber suas expectativas e críticas, que em conjunto com as “comunicações” de todos os atores da escola, possam construir uma escola apreciada e de qualidade aos jovens. Pois, de acordo com Abramovay e Castro (2003), os jovens não devem ser considerados somente como grupo de res- sonância, mas como atores estratégicos para o desenvolvimento da sociedade, pois seu olhar sobre a educação e a escola, traz aspectos e valores diversos, capazes de incorporar uma reflexão sobre a sociedade em constante mudança dentro de um mundo ambivalente e contraditório.
Fanfani (2000) enumera algumas características básicas e ne- cessárias para a constituição de uma escola de jovens, para todos os jovens:
a) uma instituição aberta, que valoriza os interesses, conheci- mentos e expectativas dos jovens;
b) uma escola que favoreça o desenvolvimento de liderança entre os jovens e onde os seus direitos sejam respeitados em práticas e não somente enunciados em programas e conteúdos;
c) uma instituição que se proponha a motivar, mobilizar e de- senvolver conhecimentos que partam da vida dos jovens; d) uma instituição que demonstre interesse pelos jovens como
pessoas e não somente como objetos de aprendizagem; e) uma instituição flexível, com novos modelos de avaliação,
sistemas de convivência e que leve em conta a diversidade da condição de ser jovem;
f) uma instituição que forme pessoas e cidadãos;
mento humano e, na qual, jovens possam aprender sobre felicidade, ética e identidade;
h) uma instituição que acompanha e facilita um projeto de vida;
i) uma instituição que desenvolva o sentido de pertencer, e que os jovens sintam-se identificados.
Nesse sentido, a seguir, serão exploradas as percepções e representações de alunos do ensino médio do município de Uberlândia, Minas Gerais, sob os aspectos sociais, culturais, econô- micos e cognitivos.
Quem são esses alunos?
A educação realizada na maioria das escolas públicas brasi- leiras tem tornado o ensino insuficiente. Para Paro (2000) o aumento no número de evasões e reprovações escolares, a escassez de profes- sores, a indisciplina e a agressividade do aluno, o aligeiramento do ensino, entre outros, compõem o cenário precário em que se encon- tra o ensino público fundamental e médio. Assim, as representações sociais dos estudantes sobre o ensino público seguem o discurso da decadência da escola pública, datada há mais de três décadas.Dentro deste perfil encontramos como aluno do ensino mé- dio, geralmente, a partir dos 15 anos, fase caracterizada pela adoles- cência. E, ao tentar conceituar adolescência, devemos voltar o olhar para um processo contraditório, que não tem um sentido único, não é homogêneo, muito menos linear e, tão pouco provido de um único significado. De um lado encontramos a definição biomédica que natura- liza e universaliza o processo da adolescência, para os biomédicos, a adolescência é considerada uma etapa de transição entre a infân- cia e a idade adulta, tendo como base as transformações púberes, de caráter biológico, que, por sua vez, desencadeariam mudanças psicológicas e sociais, até atingir a maturidade. Esta etapa do de- senvolvimento humano corresponde, para a maioria daqueles que integram essa tendência, à segunda década da vida, ou seja, dos 10 aos 20 anos, sendo considerados adolescentes todos aqueles que se situarem no referido grupo etário (Peres & Rosenburg, 1998).
Na dimensão social da adolescência, segundo Ayres (1990), a abrangência dos aspectos sociais que caracterizam a transição adolescente, que se incorpora no modelo biomédico, sofre um pro- cesso de naturalização, operado pela reificação da adolescência na forma de um status próprio de todo um segmento etário da socie- dade, de uma cultura adolescente, objetivada por meio de uma psicossociologia do adolescente. Em outras palavras, os jovens en- frentariam determinadas situações, pelo fato de serem jovens, que explicariam, ao menos em parte, seu comportamento. As ciências sociais consideram a adolescência e juventude como categoria so- ciocultural, de origem histórica, destituída do sentido de univer- salidade atribuída pelos biomédicos. Cavalcanti, 1988, afirma que a puberdade é um conceito biológico, enquanto adolescência é um conceito sociológico.
Logo, ao conceituar adolescência, enquanto fases do desen- volvimento humano, olhando apenas uma de suas facetas têm-se um conceito equivocado e reducionista, haja vista que o ser huma- no, segundo Vygostsky, só existe no social, nasce e se desenvolve a partir das nas relações sociais, em um dado contexto sócio-históri- co-cultural. Assim, a personalidade também é caracterizada por compo- nentes biopsicossociais, que compõem um determinado indivíduo em um determinado contexto histórico, geográfico e cultural, que confere a ele sua individualidade, também podem provocar dife- renças no modo de perceber o mundo externo e isto afeta direta ou indiretamente em como ele processa a aprendizagem. Estes aspectos podem influenciar o adolescente em seu processo de aprendizagem.
Logo, tanto a sociedade como a família podem ser o ponto de partida de ações direcionadas à melhoria dos resultados edu- cacionais. A ideia, tão poderosa nas gerações anteriores, de que a frequência à escola se justifica pela melhoria que traz em termos de oportunidades de empregos e da possibilidade de crescimento pessoal, não são valorizados atualmente. Ou seja, valores impor- tantes da sociedade atual vão na contramão da escola como ins- tituição. Como consequência, muitos alunos desenvolvem pouca motivação para adquirir os conhecimentos escolares. As famílias, influenciadas pela mesma cultura, empenham-se menos que o ne- cessário para o bom andamento do aprendizado, por exemplo, não
criando uma rotina diária de estudos e leitura e de realização dos deveres de casa.
No Brasil, temos grandes dificuldades de cunho social que impedem o funcionamento eficaz das instituições escolares, pois as condições econômicas favorecem a maioria uma completa ex- clusão social torna a escola algo externo a vida dos alunos. Mas é exatamente em uma sociedade desigual e no estágio de desen- volvimento social como a nossa que a existência de uma escola para todos é necessária. Mudanças sociais lentas, nas palavras de Sloat e Willms (2002), acabam mudando o patamar de apren- dizado de cada sociedade, elevando-a, e com isso aumentando a qualidade do ensino, e horizontalizando-a, o que torna o sistema mais equitativo.
Características sociodemográficas
— SexoNo total, 1.040 alunos responderam os questionários de todos os três níveis de seriação do Ensino Médio das sete Escolas Estaduais do município de Uberlândia, tendo distribuição equitativa com 37,7% que cursavam o 1º ano; 30,6% o 2º ano e 31,7% o 3º ano.
Desses estudantes entrevistados, a maioria, foi do sexo fe- minino (58,9%), as mulheres predominam na população de alu- nos, mas as diferenças por sexo não são amplas. A E. E. Mário Porto foi a que apresentou o maior índice de mulheres estudan- tes no ensino médio (68,3%), tal fato pode ser explicado pela lo- calização da escola, (bairro Canaã, zona Oeste de Uberlândia) onde residem pessoas de baixo poder aquisitivo e a maioria dos jovens do sexo masculino, começam a desempenhar atividades produtivas em período integral, desde a tenra idade, e a maioria abandonam os estudos.
O predomínio de mulheres, também, foi uma tendência em todas as 13 capitais estudadas por Abramovay e Castro (2003). A presença de mulheres nos níveis mais elevados da educação é confirmada pelo INEP, segundo o qual, a partir do ensino médio, as mulheres apresentam uma superioridade numérica em relação aos homens. Em 2003, o índice de matrículas no ensino médio é de 54,0% para as mulheres e de 46,0% para os homens.
— Raça
Solicitou-se aos alunos que definissem sua cor ou raça, apre- sentando-se como opções as categorias branco, negro, amarela, parda,
e indígena (utilizada pelo IBGE nos censos demográficos), e obteve-
se o predomínio de identificações de cor branca com 45,15%, segui- da pela parda como demonstrado na Fig. 1.
Nessa pesquisa, na Escola Estadual Messias Pedreiro foi encontrado o maior número de estudantes que se identifica- ram como brancos (64,9%) e o menor índice foi encontrado na Escola Estadual Mário Porto (20,2%), nela, também, foi encon- trado o maior índice de autoidentificações de ser negro (33,4%) e pardo (42,9%). Como não foi objetivo desta pesquisa explorar mais detidamente os sentidos sobre a singularidade dos achados quanto à autoidentificação racial desses alunos, leva a crer que a conscientização da comunidade jovem pelos movimentos de entidades da cultura afrodescendentes, que são bem presentes no município, e pela presença cada vez maior da valorização da cultura e da obrigatoriedade do estudo da história da população africana, presentes no ensino regular, estão surtindo efeitos posi- tivos, como a conscientização da miscigenação do povo brasileiro e a valorização da cultura dos diversos povos.
FIGURA 1 – Distribuição de raças de alunos do ensino médio de sete escolas da Rede Estadual de Ensino do município de Uberlândia – MG, 2010.