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Importância da individualidade: vencendo o isolamento

1. CONTRIBUIÇÕES DAS PARCERIAS INFORMAIS PARA O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

1.3 Importância da individualidade: vencendo o isolamento

Esse pertencimento social não exclui a individualidade de cada sujeito, com seus valores, vivências e experiências. Alguns possuem mais facilidade de integração e vínculo, outros são mais propensos a trabalhos individuais e preferem desenvolver suas atividades de forma particular.

O respeito à diversidade de ideias e opiniões, preservando a individualidade de cada sujeito, é necessário. O cuidado diante dessa característica individual é mandatório, assim como o cuidado para não cair no individualismo extremo, em que se torna impossível o trabalho em grupo:

De acordo com alguns professores, muitos deles seriam individualistas por temperamento ou por opção estratégica. Nem todo mundo gosta de trabalhar em equipe: mais da metade dos professores interrogados consideram, embora lamentem, que o individualismo é uma característica importante dos professores. Resta-nos saber, como já dissemos, se o individualismo dos professores está na falta de espírito de equipe ou se é a falta de um projeto coletivo que está na origem desse individualismo. (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 188)

Esse individualismo pode ser característica pessoal, usada como estratégia de defesa em relação a grupos difíceis de se trabalhar, prevenção de aborrecimentos e frustração ou pode estar presente na cultura organizacional:

Então se entende que o individualismo é o produto do sofrimento psíquico, o produto de uma organização de trabalho que atomiza os indivíduos, os isola e desmotiva-os. Assim, não se pode mais dizer, simplesmente, que o individualismo é a causa da desmobilização

desse corpo profissional. (CARPENTIER-ROY & PHARAND, 1992, p. 52-53 apud TARDIF; LESSARD, 2005, p.188-189).

Tardif e Lessard (2005) comentam que pelo fato do professor se considerar único nas suas relações com os alunos, sua profissão está a meio caminho entre o “artista artesanal insubstituível” em relação a sua obra e o “operário de uma linha de montagem” que é substituível. Devido à mobilidade dentro da profissão, ele é, de certa forma, substituível, embora também seja único e cuja personalidade conta muito:

O caráter artesanal da docência, a indeterminação dos critérios de êxito, o tipo de socialização profissional que leva os professores a se virar sozinhos, a organização celular do ensino, tudo isso contribui, segundo Lortie, para reforçar um individualismo que é, certamente, um habitus, mas um habitus induzido e reforçado pelas próprias características do trabalho. A profissão engendra o individualismo e este, por sua vez, mantém na docência seus traços solitários e pouco colegiais. (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 189)

Segundo Fullan e Hargreaves (2000) existem situações no ambiente escolar, e podemos entender que elas também podem existir no universitário, que levantam as paredes do individualismo: os professores têm receio de compartilhar seus sucessos e suas ideias para evitar que alguém as “roube” e assim assuma seus créditos; professores iniciantes ou experientes não pedem ajuda para que não pareça incompetente; utilizam sempre o mesmo método, mesmo que não obtenham resultados positivos. Desta maneira limitam o crescimento e o aperfeiçoamento: “porque limitam o acesso a ideias e a práticas que poderiam oferecer maneiras mais eficientes de se fazer as coisas. Elas institucionalizam o individualismo” (FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 58).

A individualidade é importante para o desenvolvimento profissional, como salientam Fullan e Hargreaves (2000, p. 25): “Isolamento, desenvolvimento pessoal e criatividade individual são essenciais. Decidir-se em relação à própria atitude pessoal quanto ao aperfeiçoamento é tão importante quanto decidir acerca das reações coletivas”, mas combater o “habitus” do individualismo também se faz necessário, pois o ambiente educacional por si, exige a troca e a comunicação em busca de crescimento comunitário. Segundo os autores tanto o fortalecimento do grupo como o individual são necessários para desenvolvimento de ambos: “ Precisamos vivenciar e descobrir maneiras melhores de trabalho cooperativo que mobilizem o poder do grupo, ao mesmo tempo em que fortaleçam o desenvolvimento individual”.

As tarefas cotidianas desenvolvidas no ambiente educacional envolvem interações com alunos, outros agentes, especialmente seus pares. Essas ações são regidas por normas e regras, mas também exigem que o professor saiba agir de forma improvisada, particular e singular. As rotinas diárias e o controle do tempo e espaço não esgotam a realidade das interações cotidianas, que exigem improvisação e adaptações às situações variáveis.

Como aborda Peréz-Goméz (2001) o isolamento do professor pode causar um pensamento acrítico, uma acomodação ao sistema dominante e a impossibilidade de comunicação de ideias, recursos didáticos, de apoio aos pares. A autonomia sadia respeita a diversidade, mas não se isola:

A autonomia profissional do docente e a busca de sua identidade singular, supõem, evidentemente, o respeito às diferenças e a estimulação da diversidade nas concepções teóricas e nas práticas profissionais como condição ineludível do desenvolvimento criativo dos indivíduos e dos grupos de docentes [...] (PÉREZ-GÓMEZ, 2001, p. 169).

A autonomia, conforme aborda Vaillant e Marcelo (2012), presente em todos os seres humanos, deve ser elaborada, preservada e desenvolvida. Na auto formação, a autonomia não se torna um processo de isolamento, mas ao contrário, pois é na interação que se desenvolve a autonomia em meio a outros sujeitos autônomos. Como sujeitos autônomos, somos livres para ao mesmo tempo que buscamos a individualidade, podemos combater em nós o individualismo:

À princípio, enquanto buscamos a eliminação do individualismo (padrões habituais de trabalho isolado), não devemos erradicar, com ele, a individualidade (expressão de desacordo, oportunidade de ficar sozinho e experiências com significado pessoal). Esta ainda constitui a chave para a renovação pessoal que, em contrapartida, é a base da renovação coletiva. A individualidade ainda dá origem à discordância criativa e ao risco, o qual é uma fonte de aprendizagem grupal dinâmica. (FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 62)

A individualidade é saudável e desejável, o individualismo é prejudicial, quando impede a convivência, a troca de ideias e o desenvolvimento. Cada dia mais, o espírito de colaboração, se faz necessário ao profissional docente:

Essa crescente complexidade social e educativa da educação (ainda maior no futuro) deveria fazer com que a profissão docente se tornasse, em consonância, menos individualista e mais coletiva, superando o ponto de vista estritamente individual aplicado ao

conhecimento profissional, em que a colaboração entre os companheiros está ausente, já que o professor se converte em instrumento mecânico e isolado de aplicação e reprodução, com algumas competências limitadas à aplicação técnica em sala de aula. (IMBERNÓN, 2000, p. 68).

No ensino superior, o tempo disponível e a cultura individualista podem dificultar o compartilhamento. Conforme comentam Pimenta e Anastasiou (2002, p. 113):

Refletir coletivamente sobre o que se faz é pôr-se na roda, é deixar-se conhecer, é expor-se - o que fazemos com muita dificuldade, uma vez que, como docentes do ensino superior, estamos acostumados a processos de planejamento, execução e avaliação das atividades de forma individual, individualista e solitária. Superar essa forma de atuação é processual: na vivência, o grupo, vai criando vínculos e se posicionando.

Em relação ao isolamento Fullan e Hargreaves (2000, p.21) acreditam que outros aspectos contribuam para que isso aconteça:

O problema do isolamento tem raízes bastante profundas. A arquitetura costuma dar apoio a ele. O horário é um elemento de reforço. A sobrecarga de trabalho dá sustentação. A história o legitima. [...]. Acreditamos que a queda das paredes do individualismo constitui uma das questões fundamentais pela qual vale a pena lutar. Simplesmente não há oportunidade nem encorajamento suficientes para que os professores trabalhem em conjunto, aprendam uns com os outros e melhorem suas habilidades como uma comunidade.

Segundo os autores, a distância tempo e espaço somados à sobrecarga de trabalho e a tradição educacional dissemina a cultura do isolamento entre os pares.

Acredito que em um mundo em que as empresas já descobriram há certo tempo que o trabalho colaborativo em equipe gera melhores resultados, alterando a arquitetura e a logística dos seus ambientes de trabalho, a universidade, muitas vezes, não encoraja seus professores a se encontrarem para reflexão conjunta de suas práticas, para melhorarem suas habilidades e espírito comunitário. O isolamento espacial existe, mas não é o principal empecilho para o encontro. Conforme Fullan e Hargreaves, (2000, p. 59): Prédios isolados, distância entre as salas ou outros empecilhos físicos podem não ser a causa do individualismo. “Duas das principais

causas do individualismo do professor não são de caráter material; estão fundamentadas nas normas e nas condições tradicionais do ensino”.

Depois de “ouvir” os autores, como propomos na introdução, percebemos aspectos importantes discutidos que são fundamentais para o desenvolvimento profissional docente: a consciência do processo contínuo e permanente ao longo de toda carreira; a reflexão sobre a prática vinculada à teoria; as experiências reflexivas que geram o aperfeiçoamento e mudanças, gerando autoridade e autonomia profissional; a importância da individualidade e a batalha contra a cultura do individualismo extremo, combatendo o isolamento.

A seguir, o que é proposto por eles para combater o isolamento, ajudar na formação e desenvolvimento profissional de si mesmo e do outro? De que maneira isso pode ser feito?