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Importância do brincar no processo de desenvolvimento e aprendizagem na

No documento Relatório AnaMachado SÃO FINAL (páginas 31-36)

Capítulo I – Quadro Teórico de Referência: O Brincar como Pilar Incontornável

2. Perspetivas Teóricas sobre o Brincar

2.1. Importância do brincar no processo de desenvolvimento e aprendizagem na

Como referi anteriormente, o brincar afigura-se como um importante processo psicológico e uma atividade criadora basilar e incontornável na infância, pelo que, ao longo dos anos, vários têm sido os autores que se dedicaram ao estudo da brincadeira na infância. A título de exemplo, Coménio aconselhava o brincar e o contacto com os objetos na aprendizagem; por sua vez, Pestalozzi e Fröbel prestaram uma atenção particular à importância das brincadeiras na infância e defenderam o lúdico como importante no processo de aprendizagem das crianças, sendo que este último se dedicou à construção de brinquedos (Kishimoto, 2003). De acordo com Santos e Cruz (1999:115), Fröbel “[…] viu o brincar como a atividade responsável pelo desenvolvimento físico, moral e cognitivo das crianças e pelo estabelecimento das relações entre os objetos culturais e a natureza”.

Atualmente, são muitos os estudos existentes acerca desta temática, sendo possível afirmar que o brincar representa no papel incontestável no desenvolvimento e aprendizagem das crianças.

Enquanto brinca, a criança conhece e compreende o mundo físico e social, os objetos, conhece-se a si própria e aos outros, construindo e expressando a sua individualidade e identidade e contactando com identidades distintas da sua. Estabelece, ainda, uma relação com a realidade, no sentido em que “[…] desde os primeiros anos de vida, os jogos e brincadeiras são nossos mediadores na relação com as coisas do mundo” (Haetinger, 2005:82).

O brincar encontra-se presente na vida da criança desde o seu nascimento. Até cerca dos dois anos, a brincadeira situa-se ao nível exploratório da sensorialidade e do movimento. Esta modalidade do brincar permite que o bebé tome a decisão de tocar no brinquedo, manipulá-lo, pegá-lo, sentir as suas texturas, encher, esvaziar, utilizando o seu corpo e movimentando-se (Kishimoto, 2003). Posteriormente, dá-se uma evolução para a imitação, através da qual as crianças começam a compreender como se organiza o mundo adulto e, consecutivamente, para as brincadeiras de faz-de-conta, que serão abordadas seguidamente.

Enquanto brinca, a criança comunica consigo mesma e com os outros, negoceia com os seus pares, no sentido em que “[…] a brincadeira pode transformar-se […] em um espaço privilegiado de interação e confronto de diferentes crianças com diferentes pontos de vista” (Wajskop, 1995:67). Assim, é possível inferir que o contexto sociocultural em que a criança se encontra inserida influencia o seu modo de pensar e, por conseguinte, de agir e de brincar. Citando Rolim et al. (2008:179), “[…] o

desenvolvimento da pessoa está extremamente ligado à sua relação com o ambiente sócio-cultural”.

O brincar contribui indubitavelmente para o desenvolvimento da criança, no sentido em que lhe permite desenvolver competências de interação social, de representação de papéis, de partilha, de cooperação, de comunicação verbal e não-verbal, de aquisição de novas palavras e conceitos, proporcionando-lhes “[…] múltiplas oportunidades para [interagirem] cooperativamente, expressarem os seus sentimentos, usarem a linguagem para comunicarem sobre os papéis que representam e responderem às necessidades umas das outras” (Hohmann & Weikart, 2009:188). O brincar permite, ainda, que a criança adquira regras de comportamento inerentes às situações por ela imaginadas ou encenadas e que, na vida real, poderiam passar despercebidas.

Deste modo, o brincar representa um papel fulcral no desenvolvimento de competências interpessoais inerentes às relações humanas e à interação social, pelo que é possível citar Winnicott (1975:93) quando declara que “[…] é com base no brincar, que se constrói a totalidade da existência experiencial do homem”. A brincadeira de faz-de- conta “[…] leva à construção pela criança de um mundo ilusório, de situações imaginárias” (Oliveira, Mello, Vitória & Ferreira 2003:55), promovendo o desenvolvimento da criança a nível cognitivo, nomeadamente no que se refere ao desenvolvimento pensamento abstrato, bem como afetivo e social, e permitindo-lhe recriar o mundo que a rodeia, mediar entre o seu mundo exterior e o mundo interior, transformando a imaginação em realidade, o sonho numa concretização e desenvolvendo, assim, a sua liberdade interior. Para Neto et al. (1989:8), “[…] o jogo

desenvolve a espontaneidade, a liberdade de expressão, a capacidade criadora e o treino das habilidades motoras fundamentais”. Os mesmos autores explicitam, ainda, relações entre o brincar e o pensamento e linguagem, aprendizagem, auto conceito, bem-estar geral e desenvolvimento (Neto et al., 1989).

Para Château (1961), através do brincar, as crianças fazem inúmeras conquistas através da experimentação das quais se orgulham, o que conduz a um sentimento de autoconfiança nas suas potencialidades e de afirmação do seu eu e, por isso, o brincar também se assume como um meio de manifestação da personalidade da criança. Para ele, afirmar que a criança cresce através do brincar é insuficiente; na sua perspetiva, a criança engrandece-se através do brincar (Château, 1961). Este autor “[…] vê no jogo a expressão do buscar o outro […] a quem a criança procura imitar ou contrariar” (Lebovici & Diatkine, 1986:17) e acrescenta que “[…] tais imitações tendem cada vez a aproximar-se dos seus modelos com os quais [acabará] por identificar-se mais tarde” (Château, 1961:111). O mesmo autor considera que o brincar resulta da relação entre a criança e o meio, tendo em conta que “[…] não se inventa a partir do nada” (idem:115). Vygotsky (2007:108) defende que, através da brincadeira, a criança satisfaz algumas necessidades, acrescentando que “[…] se não entendermos o caráter especial dessas necessidades, não podemos entender a singularidade do [brincar] como uma forma de atividade”.

O autor supracitado (2007) estabelece, ainda, uma relação dialógica entre os desejos internos da criança, que atuam como motivações para a ação, e a imaginação que, surgindo dessa ação, conduz à brincadeira. Seguindo esta perspetiva teórica, uma vez que a criança tem desejos que não podem ser satisfeitos de imediato, “[…] envolve-se num mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizados, e esse mundo é o que chamamos de [brincar]” (idem:109), mais especificamente, brincar ao faz-de-conta, o que contribui para o desenvolvimento da sua autonomia e permite que a criança aprenda uma série de ações que só poderia realizar no futuro. Na minha perspetiva, o brincar assume-me como a pedra angular, ou seja, um fundamento para a construção da aprendizagem das crianças, permitindo-lhes envolverem-se e vivenciarem as mais diversas situações da realidade que as rodeia e criando um mundo imaginário, partindo dos seus interesses, curiosidades e motivações, tendo em conta que, na minha conceção, o brincar deve ser auto iniciado pela criança, a partir da sua motivação intrínseca. Esta perspetiva do brincar como meio inigualável de aprendizagem é corroborada por Moyles (2002:37), citando Department of Education and Science (1967:para.523), “[…] o brincar é o principal meio de aprendizagem da criança… a criança gradualmente desenvolve conceitos de relacionamentos causais, o

poder de discriminar, de fazer julgamentos, de analisar e sintetizar, de imaginar e formular”.

Assim, o brincar constitui a base das aprendizagens futuras também ao nível das áreas curriculares, no que toca, a título de exemplo, ao raciocínio matemático, linguagem, domínio espacial, entre outras. A brincadeira promove o desenvolvimento do pensamento das crianças, implica a capacidade de inventar, fantasiar, recriar e essa capacidade desenvolve-se a brincar. Conclui-se, então, que se aprende a brincar, brincando, em interação social. Citando Spodek e Saracho (1998:224), “[…] a brincadeira […] pode ajudar a alcançar os objetivos da educação precoce nas várias áreas de conteúdo”.

De acordo com a minha conceção, as perspetivas que definem o ato de brincar como uma atividade que dá prazer podem tornar-se redutoras das potencialidades inerentes à brincadeira, tendo em conta que, apesar de a vertente prazerosa poder estar presente, não basta para a definir. Esta perspetiva pode ser fundamentada, por exemplo, pelo facto de existir uma outra vertente do brincar, para além das já abordadas, que é subsidiada pela psicanálise. Esta perspetiva defende que o brincar está intimamente ligado a uma função reconstrutiva de situações, sentimentos ou emoções que podem ter sido desagradáveis, angustiantes ou até mesmo traumáticos para a criança, permitindo-lhe que reviva “[…] de maneira ativa tudo o que sofreu de maneira passiva, modificando um final que lhe foi penoso, consentindo relações que seriam proibidas na vida real” (Rolim et al., 2008:177).

Ainda nesta linha de pensamento, nas representações tradicionais, o brincar era visto como o oposto de sério, o que se podia fazer depois dos “trabalhos” (Kishimoto, 2002). Contudo, o brincar deve ser entendido como um comportamento sério, nem sempre caracterizado pelo prazer e alegria. Spodek e Saracho (1998:212) relatam que “[…] Freud considerava a brincadeira como uma atividade catártica que permite às crianças controlarem situações difíceis, livrando-se de sentimentos com os quais elas não conseguem lidar”. Kishimoto (2003:67) refere-se, igualmente, a esta vertente do brincar ao afirmar que “[…] vários dos exemplos clássicos de Freud seguem esta linha: uma criança brinca de médico depois de ter tomado uma injeção ou de ter sido submetida a uma pequena cirurgia”. Assim, através das brincadeiras simbólicas e, por conseguinte, do desempenho de papéis, “[…] a criança consegue resolver conflitos internos e

ansiedades” (Moyles, 2002:20), bem como compreender melhor algumas situações vividas e elaborar o significado dessas experiências. No capítulo III deste trabalho –

Apresentação e Interpretação da Intervenção –, encontram-se descritas e analisadas

duas situações em que a brincadeira de faz-de-conta assumiu esta vertente catártica. O brincar representa um meio através do qual se torna possível conhecer melhor a criança, partindo da observação, de modo a adequar os procedimentos de intervenção junto dela, conduzindo, enfim, à prática de uma pedagogia diferenciada que, de acordo com Duarte (2004:34), “[…] propõe a abertura do [Educador] às necessidades e características diferentes [das crianças] e consequente aplicação de variantes didácticas que melhor respondam a essa diversidade, superando assim procedimentos normalizados […]”.

Como futura Educadora de Infância, considero que o brincar representa um meio valiosíssimo nesta diferenciação pedagógica, para além de ser uma das formas mais importantes através das quais as crianças expressam as suas emoções e sentimentos, se desenvolvem e efetuam aprendizagens significativas que, para elas, fazem sentido. Assim, e de acordo com Abramowicz e Wajskop (1999:56), “[…] brincar fornece à criança a possibilidade de construir uma identidade autônoma, cooperativa e criativa”. O brincar deve representar o meio e o fim da atividade lúdica espontânea da criança. Dito de outro modo, deve ser, ele próprio, encarado como o ponto de partida para novas brincadeiras e descobertas, podendo ser apoiadas e enriquecidas pelo adulto, mas não dirigidas. Esta perspetiva que defende o brincar como gerador de novas brincadeiras encontra-se documentada por Hans (1981:5), citado por Moyles (2002:33): “[…] o brincar, como uma actividade, está constantemente gerando novas situações. Não se brinca apenas com e dentro de situações antigas”.

Tenho, portanto, a convicção de que o brincar assume uma importância indesmentível e um incomensurável valor pedagógico no desenvolvimento das crianças, permitindo-lhes efetuar inúmeras aprendizagens, construir o pensamento, expressar-se, representar ou alterar papéis, adquirir uma cultura lúdica que lhes permite interagir com objetos, espaços e pessoas, resolver problemas, estabelecer relações causais, compreender noções de espaço e tempo, raciocinar, argumentar, julgar, adentrar por outros mundos onde o sonho, a fantasia e a imaginação ocupam um lugar de destaque. Citando Dias

(2008:76), “[…] dar lugar à fantasia é estimular uma pedagogia da criatividade promovendo o imaginário”.

No documento Relatório AnaMachado SÃO FINAL (páginas 31-36)