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O INCIPIENTE SISTEMA ESCOLAR CATARINENSE – UM SÉRIO PROBLEMA TAMBÉM PARA OS ESTRANGEIROS

6 INTELLIGENTSIA CABOCLA

7 O INCIPIENTE SISTEMA ESCOLAR CATARINENSE – UM SÉRIO PROBLEMA TAMBÉM PARA OS ESTRANGEIROS

Em Santa Catarina, o movimento imigratório trouxe, no século XIX, colonos europeus oriundos de centros de civilização bastante evoluídos em busca de melhores oportunidades. Aqui instalados, isolados de outros centros ou correntes imigratórias, com muito trabalho consolidaram-se em suas colônias, formando núcleos etnicamente homogêneos, que mais tarde seriam vistos com suspeita pelos brasileiros156, que passaram a chamar tais locais como enquistamentos ou colônias alienígenas.

Os imigrantes que aqui aportavam procuravam viver em núcleos, seus primeiros anos na colônia eram dispensados na difícil labuta pela sobrevivência. Isolados geograficamente das populações ditas caboclas ou brasileiras, ou seja, dos núcleos urbanos, pois suas terras estavam localizadas nos vales dos rios e em encostas cobertas pelas matas, valorizavam e fortaleciam o convívio com seus pares.

Quando os primeiros colonos começaram a chegar, o sistema escolar de Santa Catarina era ainda incipiente. Por isso, as escolas públicas eram raras nas áreas de colonização, as que existiam não atendiam aos seus anseios. A dificuldade de comunicação verbal com os professores das escolas públicas, quando existentes, motivou-os a procurar outros caminhos.

A escola do imigrante estava intrinsecamente ligada à Igreja, em especial à luterana para os alemães e à católica para os italianos. Durante a semana, o local, igreja/escola, funcionaria como escola e aos domingos se transformava em templo157.

Mais tarde, os estrangeiros foram desenvolvendo um sistema de escolas mantidas por sociedades escolares, paralelas às instituições públicas, com toda uma cultura própria italiana e/ou alemã. Tal procedimento, que contava a priori com a conivência governamental, passa a partir do Decreto n.º 88 de 31/03/1938 da nacionalização a ser visto com desprezo.

156

SEYFERT, Giralda. A Identidade Teuto-brasileira numa perspectiva histórica. In: MAUCH, Cláudia; VASCONCELLOS, Naira. Os Alemães no Sul do Brasil. Canoas: ULBRA, 1994. p. 13.

157

KLUG, João. A escola alemã em Santa Catarina. In: DALLABRIDA, Norberto (Org). Mosaico de

Escolas. Modos de Educação em Santa Catarina na Primeira República. Florianópolis: Cidade Futura, 2003.

Com o afastamento de outras tradições e costumes, a estrutura socioeconômica dessas colônias apresentava elementos identificadores com a procedência dos imigrantes. As construções civis, a arquitetura e a indústria embrionária estavam calcadas em tradições e em costumes da longínqua pátria.

Abandonadas pelas autoridades educacionais, essas localidades construíam escolas (estrangeiras), que surgiam como resposta às necessidades básicas da prole dos imigrantes, que não poderiam deixar seus filhos sem instrução, pois “a percepção da importância fundamental da escola para o processo humano, político, social e religioso já vinha com a bagagem cultural dos imigrantes158”.

Para eles, então, a formação religiosa – uma grande parte dos imigrantes era formada por evangélicos luteranos que importavam os pastores da Alemanha – e o bem- estar material e social do povo se alicerçavam na educação.

Dessa forma, estando essas colônias isoladas, as escolas que dali surgiam eram particulares e apresentavam-se, em quase tudo, à imagem e semelhança da comunidade onde estavam situadas. Além dos costumes e das tradições, cultuava-se a língua pátria, que em nada se parecia com as características da língua portuguesa.

As leis para preservar a língua, os costumes e as tradições nacionais já existiam desde a monarquia, porém até aquele momento a organização do ensino escolar nas áreas coloniais, que seriam o cerne da mudança, não preocupou o Governo Federal, que atribuía aos poderes municipais e estaduais a organização do ensino primário.

Na época do Império as leis da instrução pública em Santa Catarina, segundo palavras do Presidente da Província, doutor Antônio de Almeida Oliveira159, “jaziam na maior confusão”. Além disso, o aspecto orçamentário pesava aos cofres do erário, os professores não eram considerados eficientes no desempenho de suas atividades160, e pior ainda o programa oficial de ensino era tão precário que os alunos mal aprendiam a ler e escrever. Culminava essa exposição com a precária política de formação de professores catarinenses.

158

KREUTZ, Lúcio. Escolas da Imigração alemã no Rio Grande do Sul: perspectiva histórica. In: MAUCH, Cláudia; VASCONCELLOS, Naira. Os Alemães do Sul do Brasil. Canoas/RS: ULBRA, 1994. p. 150.

159

OLIVEIRA, Antônio de Almeida. Sessão extraordinária da Assembléia Legislativa Provincial de Santa

Catharina. Desterro, 2 de janeiro de 1880. Typ. e Lith. de Alex. Margarida, 1880. p. 27.

160

À época institucionalizou-se o hábito de constituírem as cadeiras das escolas públicas como prêmio a serviços políticos ou à acomodação a protegidos, fato que tornava os professores desinteressados das atividades docentes. (FIORI, Neide Almeida. Aspectos da Evolução do Ensino Público. Florianópolis: EDUFSC, 1991. p. 66).

Dentro desse quadro caótico, a “nacionalização” tornava-se menor aos olhos da Província, por isso, só mais tarde essa questão passou a ter um significado mais rigoroso.

Diferentemente do governo alemão, que apoiou suas colônias comprando a produção e em troca de pagamento fornecia sementes, maquinário, tecidos, louças, teares, livros, instrumentos musicais e condições para construção de igrejas, escolas, manutenção de padres, freiras, professores etc., o governo italiano esqueceu-se de suas colônias, e o seu sistema escolar do norte e sul catarinense foi a princípio inexistente. Apesar das solicitações feitas pelos colonos, nem o governo italiano e tampouco o brasileiro se sensibilizaram com a questão.

Segundo Baldin161, a falta de instrução dos filhos dos imigrantes impressionou o Consul di Savoia162 quando visitou as colônias do Sul. Sua surpresa foi tamanha, que a partir daí empenhou-se na busca por subsídio, junto ao governo italiano, para a construção de escolas. Argumentava suas petições citando o exemplo de parceria da Alemanha com suas colônias em Santa Catarina, mais especificamente Blumenau, e seu desenvolvimento sempre crescente.

Segundo Savi Hilário163,

Com a visita de um Cônsul, ele ficou pasmado! Ele achou que o pessoal estava na condição de Bugre, na condição de Selvagem, eles não tinham instrução, não tinham nada. Então ele arranjou com o governo italiano subvenção e material. Eu conheci esses livros, que era a metade em português e a metade em italiano. Eu tenho o diploma do meu pai, recebido através do Consulado Italiano.

A partir então de 1901 a defesa consular surtiu efeito, pois começaram a chegar em Santa Catarina material escolar, livros e subsídio em dinheiro para a construção de escolas e pagamentos de professores. Já em 1903 chegam a Santa Catarina, vindas da região do Piemonte, as freiras da Congregação das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus para se inserirem nas atividades de educação, preparo para o trabalho e apoio espiritual para os colonos, que queriam manter ou despertar o italianismo nas crianças aqui nascidas (BALDIN, 1999).

161

BALDIN, Nelma. Tão fortes quanto a vontade. História da Imigração Italiana no Brasil: os Vênetos em Santa Catarina. Florianópolis: Insular, EDUFSC, 1999. p. 108.

162

SAVOIA, Gherardo Pio di, representante do Consulado Italiano em Santa Catarina, sediado em Florianópolis. (BALDIN, 1999, p. 100).

163

HILÁRIO, Savi. Laboratório de História Oral (REG:057). Colonização italiana em Urussanga e

Como as alemãs, as escolas italianas, se mantidas pelo governo italiano, estavam sob Jurisdição da Representação Consular, e, portanto, cabia ao Consulado Italiano designar o Inspetor Escolar das Escolas Italianas do Estado de Santa Catarina. Ao Cônsul cabiam apenas visitas, previamente programadas e preparadas para esse fim.

Mas as escolas não estavam livres de receber visitas de inspeção como a promovida pelo Cônsul italiano em Florianópolis, senhor Adelchi Gazzurelli, que argüiu os alunos da escola de Rio Maior sobre sua nacionalidade; ao ouvir que eram brasileiros, o Cônsul protestou energicamente dizendo-lhes que “eram eles italianos, se bem que tivessem nascidos no Brasil”.

Atitudes como essa provocavam no mínimo constrangimentos, mas não deixavam de mostrar o interesse italiano com relação à educação de seus descendentes.

No Governo de Felippe Schimidt foi efetuado um acordo entre o Município de Urussanga e o real Consulado da Itália em Florianópolis, devidamente sacramentado pela Portaria n.° 24 de 31/05/1917164. Tal acordo criava a Escola Preparatória de Urussanga, “destinada a preparar para o melhor desempenho de suas funções os professores particulares” do referido município, que recebiam subvenção não só dos cofres daquele município como também do governo italiano.

A freqüência da escola preparatória era gratuita e obrigatória. Os professores, nomeados ou subvencionados pela Superintendência de Urussanga, que não freqüentassem a referida escola preparatória ou fossem reprovados nos exames finais, perderiam o cargo.

A escola preparatória teria dois professores, sendo um de nomeação do Governo e outro do Consulado Italiano de Florianópolis (Art. 9). A Direção caberia ao professor indicado pelo Secretário-Geral. O curso teria duração de dez meses e no programa constariam as seguintes matérias: português, italiano, aritmética, geografia, história, noções de agricultura e higiene rural, desenho, canto e ginástica (Art. 12). Quanto ao programa, seria um do Governo do Estado e outro na língua italiana, que seria fornecido pelo Consulado Italiano de Florianópolis (Art. 13).

Esse acordo, traduzido pela Portaria acima descrita, denotava a preocupação do governo italiano em manter seus “filhos” e os que deles descendessem instruídos, mas também ligados às suas tradições. Portanto, constata-se por meio de leis que não eram

164

Portaria n.° 24, de 31 de maio de 1917. Livro de Leis, Decretos, Resoluções e Portarias de 1917. p. 5. Das Portarias. Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. (Anexo 3).

somente os alemães que se preocupavam com a manutenção de suas tradições, os italianos também possuíam e sacramentavam as rígidas raízes de seu país de origem. Por isso,

Em todos os depoimentos, declarações, análises e avaliações a principal preocupação era a urgência de reformulação da estrutura de ensino primário, da oficialização das escolas primárias, da criação de escolas nacionais, enfim, uma agressiva investida para sustar o desenvolvimento dos núcleos de colonização (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 90).

Era nos ombros do docente que pesava o fardo da mediação entre o linguajar do estrangeiro e a necessidade da adaptação ao novo vernáculo, situação que se apresentava como um muro quase intransponível. Era ele o responsável pela divulgação correta da língua vernácula para evitar o desconforto dos estrangeirismos tão divulgados pela imprensa nacional.

Mas, para isso, era necessária a difusão das escolas primárias, como base da nacionalização. Porém, “o ensino primário no Estado era o que se pode imaginar de mais atrazado” (VIDAL RAMOS, 1911).165

Segundo o governador Vidal Ramos, “Cumpria, portanto, que a remodelação do ensino fosse fundada em bases novas, de accordo com a evolução que se vai operando em todo o paiz sobre este magno assumpto”. (VIDAL RAMOS, 1911, p. 28).

165

RAMOS, Vidal José de Oliveira. Mensagem apresentada ao Congresso Representativo do Estado, em 23/07/1911. p. 27-28.

8 REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA – FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A