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Após a Primeira Guerra Mundial os regimes totalitários proliferaram-se na Europa, e mais uma vez o mundo se polarizou. Era tempo de paz, tempo de preparação, de organização nacional para a guerra96, e, para isso, fazia-se mister desenvolver o sentimento de nação, de Pátria una, de fé nos seus destinos e ânimo viril para fazê-la forte e respeitada. No Brasil, o fortalecimento desse pensamento vai se intensificando a partir da "Revolução" de Trinta, que elevou ao poder máximo do País o gaúcho Getúlio Vargas.

Qual o significado de Nação? Diante das explanações que obtivemos nos livros pesquisados, podemos caracterizar a definição de "Nação" como um problema extremamente complexo. A idéia de "nação" surgiu com a Revolução Francesa, com o povo nas ruas bradando por liberdade.

Segundo Eric J. Hobsbawm (1990, p. 15), a questão nacional é notoriamente um tema controverso. Também considera que as tentativas de se estabelecerem critérios objetivos sobre a existência da nacionalidade ou de explicar por que certos grupos se tornam "nações" e outros não freqüentemente foram feitas com base em critérios simples, como a língua ou a etnia, ou em uma combinação de critérios, como a língua, o território comum, a história comum, os traços culturais comuns e outros tantos. Acredita, ainda, que a definição de “nação” mais conhecida, embora não a única, é a de Stalin97: “Uma Nação é uma comunidade desenvolvida e estável, com linguagem, território, vida econômica e caracterização psicológica manifestos em uma comunidade cultural”.

Nós buscamos em Bobbio, Matteucci e Pasquino 98 conceitos correntes acerca da Nação, os quais são explicitados a seguir.

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CORSELLI, Rodolfo. As nações armam-se. Nova Antologia. Roma, 16 de novembro de 1934. O autor comenta que, logo após a Conferência de Desarmamento (1934), Mussolini escreveu um artigo intitulado: “Para o rearmamento”, no qual afirmava: “É esta a última vez que me ocuparei do desarmamento e das perspectivas que se delineiam. Tais perspectivas impõem constatar que a conferência do desarmamento acabou e que agora pode começar uma conferência de armamento...”. O autor ainda enumera com riqueza de detalhes a corrida armamentista da França, cujo Ministro da Guerra havia pedido um bilhão de francos para armamento da Inglaterra, que também resolveu reforçar suas defesas em nível de urgência, aumentando armamentos e construindo novas esquadrilhas aéreas. Além da Suíça, Bélgica, Polônia, Alemanha, Tchecoslováquia, Rússia, do Japão e dos Estados Unidos, todos eles, em tempo de paz, investiram nos preparativos da próxima guerra.

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HOBSBAWM, Eric. Definição de Nação segundo Stalin. In: ______. Nações e Nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p. 24. Esta definição de Stalin foi escrita em 1912.

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BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 2. ed. Brasília: Universidade de Brasília; Gráfica Editora Hamburg Ltda., 1983. p. 795-796. História do termo. A

Normalmente a Nação é concebida como um grupo de pessoas unidas por laços naturais e portanto eternos - ou pelo menos existentes ab immemorabili99 - e que, por causa destes laços, se torna a base necessária para a organização do poder sob a forma do Estado nacional.

Bobbio, Matteucci e Pasquino afirmam que surgem dificuldades quando se procura definir a natureza desses laços, ou pelo menos quando se procura identificar critérios que permitam delimitar as diversas individualidades nacionais, independentemente da natureza dos laços que as determinam. Esses "laços naturais", segundo eles, remetem-nos à idéia de raça.

A identificação entre Nação e raça tem sido comum até a época do nazismo e permanece até hoje de uma maneira menos declarada, mais camuflada. O termo "raça" não possibilita a identificação de grupos que possuem limites definidos; e as classificações "raciais" determinadas pelos antropólogos não coincidem com as Nações modernas. Bobbio, Matteucci e Pasquino ainda dizem que a ênfase dada à língua e aos costumes coloca em crise, em vez de esclarecer, a idéia vigente de Nação, mas também é incontestável que o fato de falar a mesma língua ou ter os mesmos costumes se constitui em laços profundos, identificadores de grupos com fisionomia própria. Uma língua comum é o fio condutor de uma cultura comum, portanto, acabam-se criando laços importantes entre os que a falam, laços que se fixam como elementos indispensáveis da própria personalidade.

história do termo tem sido um grande paradoxo. A referência à Nação foi, no decorrer da Revolução Francesa e, mais tarde, desde meados do século XIX até nossos dias, um dos fatores mais importantes no condicionamento do comportamento humano na história política e social. Em nome da Nação se fizeram guerras, revoluções, modificou-se o mapa político do mundo. Na Idade Média uma pessoa, como bem ressalta Boydd C. Schafer, deveria se sentir antes de tudo um cristão, depois um borgonhês e, somente em terceiro lugar, um francês (sendo que o sentir-se francês tinha, então, um significado inteiramente diferente do atual). Na história recente do continente europeu, após a emergência do fenômeno nacional, foi invertida a ordem das lealdades, assim o sentimento de pertença à própria Nação adquiriu uma posição de total preponderância sobre qualquer outro sentimento de pertença territorial, religiosa ou ideológica. Assim, por um lado, as lealdades e as identificações regionais e locais foram praticamente eliminadas em função da superior referência à Nação, e, por outro lado, as mesmas filiações ideológicas ou religiosas, que se apresentam como universais pela sua própria essência, foram, na prática, subordinadas à filiação nacional e, conseqüentemente, perderam sua própria natureza mais profunda. É prova disso, desde o início do século XIX até os nossos dias, a história dos movimentos liberal, democrático e socialista, cujo ápice foi a falência do internacionalismo socialista, quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial, e da própria religião católica, cujos sacerdotes abençoam os exércitos nacionais, isto é, os instrumentos da violência nas relações internacionais, traindo, assim, em nome da Nação, a vocação ecumênica da Igreja. Não obstante isso tudo, o conteúdo semântico do termo, apesar de sua imensa força emocional, permanece ainda entre os mais confusos e incertos do dicionário político.

A partilha em comum do ambiente físico onde vive um grupo de pessoas, por sua vez, liga suas experiências cotidianas, cria lembranças comuns, torna parecida sua maneira de viver e, portanto, torna-se um elemento característico de sua personalidade. A Nação pode ser enfocada como ideologia, como ideologia de um determinado tipo de Estado, como ideologia do Estado burocrático centralizado.

Antes da Revolução Industrial o comportamento nacional não havia criado contextos de interdependência no agir humano. A evolução do sistema de produção, provocada pela Revolução, criou mercados de dimensões "nacionais", ampliou conseqüentemente os horizontes da vida cotidiana de camadas cada vez mais amplas da população, o que antes era privilégio das classes burguesas. Essa evolução, que ligou ao Estado um conjunto de comportamentos econômicos, políticos, administrativos, jurídicos que, na fase anterior, eram totalmente independentes, criou condições para o nascimento da ideologia nacional, porém, não suficientemente. A ideologia nacional pressupõe a ligação ao Estado não apenas dos comportamentos exteriores mas também dos que constituem o sentimento íntimo da personalidade e da afinidade básica do grupo, ligação que não pode ser provocada unicamente pela evolução do sistema de produção.

A idéia de Nação, mediante a representação de um obscuro e profundo laço de sangue que orienta na mesma direção e mediante o ritual pseudo-religioso que acompanha essa representação, foi e permanece o instrumento mais indicado para criar e manter essa lealdade.

Continuando a nossa caminhada buscamos compreender ainda, em Bobbio, Matteucci e Pasquino (1983), a definição do termo “Nacionalismo”. Em seu sentido mais abrangente, “Nacionalismo” designa a ideologia nacional, a ideologia de determinado grupo político, o Estado nacional, que se sobrepõem às ideologias dos partidos absorvendo-as em perspectiva. O Estado nacional gera o Nacionalismo, na medida em que suas estruturas de poder, burocráticas e centralizadoras possibilitam a evolução do projeto político que visa à fusão do Estado e nação, isto é, a unificação, em seu território, de língua, cultura e tradições.

Bobbio, Matteucci e Pasquino (1983) nos dizem que o Nacionalismo, como teoria da divisão "natural" do gênero humano, colocou-se conscientemente em contraste com os valores universais da religião cristã e das ideologias liberal, democrática e socialista. O 99

Ab immemorabili = ponto de partida de um lugar imemorável, segundo o Dicionário Escolar Latino- Português.

Nacionalismo abandona suas origens democráticas e populares, assumindo cada vez mais conotações militaristas e agressivas em política externa e antiparlamentaristas e antidemocráticas em política interna.

A luta de classe e a competição democrática entre os partidos políticos são substituídas pela solidariedade nacional, elemento fundamental da "natural" desigualdade entre os homens. Toda divisão política ou social, no seio da nação, servirá apenas para enfraquecer suas capacidades ofensivas. Porém, o desenvolvimento do poderio econômico e militar do Estado é condição indispensável para sua afirmação na luta com os outros Estados, sendo a guerra a prova que possibilita a prevalência das nações mais fortes e de maior vitalidade.

Esses movimentos, partes deste amplo fenômeno que é o Nacionalismo, expressam as tendências imperialistas100 e autoritárias do Estado nacional, prefácio do nazi-fascismo. O Nacionalismo é um componente essencial das ideologias fascista e nazista. Portanto, grosso modo, depois dessa explanação, entendemos que os movimentos nacionais têm em comum a subordinação de todo valor político ao nacional.

Foi assim que aquele sentimento de nação legado pelos revolucionários franceses, que gritavam por liberdade, igualdade e fraternidade, foi sendo modificado com o passar dos tempos. Ele cresceu de importância, seus valores sociais foram apropriados pelo Estado, que por sua vez lhe deu uma orientação conservadora. Com isso, o Estado lança mão da educação, da escola, para difundir e sustentar o sentimento de nacionalidade.

O Estado brasileiro, no período em estudo (1930-1940), desenvolveu um projeto de nacionalização visando à assimilação cultural dos imigrantes via escola. Esse projeto tinha como pilares a imposição do uso da língua, a propagação da história dos “grandes vultos”,

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Imperialistas: Segundo Bobbio - 1983, fenômeno ligado à expressão “imperialismo”, que significa a expansão violenta por parte dos Estados ou de sistemas políticos análogos da área territorial de sua influência ou poder direto, e formas de exploração econômica em prejuízo dos Estados ou povos subjugados. Esta expressão é relativamente recente (últimas décadas do século XIX), particularmente, depois da unificação italiana e alemã em 1870, iniciou-se uma fase histórica marcada pela expansão imperialista. Entre 1870 e a deflagração da I Guerra Mundial, deu-se a repartição quase completa da África entre os Estados europeus e a ocupação (em que participou também o Japão e, em medida mais restrita, os Estados Unidos) de vastos territórios da Ásia, ou sua subordinação à influência européia (China, Pérsia, império otomano). Entre 1914 e 1945 houve o desencadeamento de uma fase agressiva do Imperialismo alemão, que por duas vezes tentou estender a sua hegemonia sobre a Europa. O Imperialismo do Japão buscou se impor sobre a Ásia; e o da Itália fascista ocupou o último território independente da África, a Etiópia. Depois de 1945 acabou-se a fase do Imperialismo dos Estados europeus e japoneses. Mas o fenômeno do Imperialismo continuou a manifestar-se de formas diversas, quer nas relações hegemônicas estabelecidas pelas superpotências, quer na política neocolonialista praticada especialmente pelos Estados Unidos e em menores proporções pelas demais potências capitalistas (p. 611-612).

a disseminação dos hinos patrióticos; enfim, a cultura e as tradições nacionais seriam assimiladas via escola e, por que não dizer, via coerção.

Convém reforçar que nesse período surgiram conceitos políticos que se entrelaçaram ou que dificilmente deixaram de se cruzar ao se depararem com as necessidades do contexto mundial da época. Referimo-nos às doutrinas que predicam a máxima sujeição do indivíduo ao Estado: o fascismo, o nazismo, o comunismo. Essas doutrinas lograram êxito, seduziram as multidões e conquistaram os espíritos para se imporem às massas de uma maneira semelhante à “hipnose”, mesmo junto àqueles que pareciam menos aptos a acolhê-las.

Assim, tanto na Europa como no Brasil, as transformações sociais provocadas pelo esforço para consolidar a unidade nacional e dirigir a modernização representada pela industrialização convergiram para esses fenômenos políticos, que alocaram a educação como um veículo propulsor da Nação.

No Brasil o novo regime promoveu também a intervenção nos Estados, estabelecendo a supremacia das leis federais sobre as locais, além de atribuir ao poder central a faculdade de requisitar, a cada momento, as milícias estaduais.

Vargas101 explica a um jornalista do Paris-Soir que o novo regime seria um novo conceito de democracia em experiência no Brasil:

Para que a democracia continuasse a viver, num clima político e psicológico tão diferente da fase que a violência das armas subverteu, urgia adaptá-lo no sentido da terrível lição dos fatos. Se por democracia se deve entender a instabilidade crônica, como a desordem dos partidos e a luta das facções, salvamos então o Brasil e não essa ordem de coisas. (...) No regime atual, as relações entre o indivíduo e o Estado estão nitidamente definidas, num conjunto de direitos e deveres. Nem o indivíduo se opõe ao Estado, no velho conflito, que degenera, freqüentemente, em agitações demagógicas, da concepção liberal clássica, nem o Estado o reduz a posição de escravo, segundo algumas fórmulas extremadas dos tempos modernos. Toda a originalidade do Estado brasileiro reside na sábia dosagem de um sistema de direitos e deveres recíprocos. Nesse sistema, o Estado refletia a vontade da nação organizada, como entidade viva, e o cidadão, tendo lugar marcado dentro da organização nacional, dispõe de espaço livre para o exercício de suas liberdades fundamentais (grifo nosso).

Na verdade, o Brasil democrático de Vargas seria um Estado nacional unitário, obedecendo a um único senhor, era a afirmação da autoridade do chefe central, que dava maior coesão e unidade ao País. Qualquer dissidência política em relação ao governo era

vista como ato criminoso. Juntaram-se assim aos comunistas, como alvo de ações repressivas, os integralistas e os “estrangeiros nocivos”, considerados difusores de “ideologias exóticas”.

Quanto à economia, cada vez mais se teria a intervenção estatal de diversos setores, o que Vargas chamou de Industrialização estatizada, para que se projetasse o fortalecimento do nacionalismo econômico do País.

A capitalização interna necessária foi conseguida através da imposição de grandes sacrifícios para a maioria da população. O terrorismo policial, a repressão violenta, as deportações impostas pela ditadura de Getúlio à população, foram os instrumentos utilizados para a manutenção da paz interna.

Durante o período da nacionalização, o Chefe Supremo da Nação, Getúlio Vargas, usou do poder em seu sentido mais amplo, ou seja, influenciando, direcionando e conduzindo o povo brasileiro.

Segundo Hanna Arendt102, esse poder torna-se visível na imposição da idéia, no poder da força que é o resultado do usufruto da autoridade personificada e corporificada, na perseguição aos que ousam pensar diferente e, até mesmo, na eliminação física de oponentes. É o poder inibindo o homem de agir, de pensar. É a mutação da inverdade na irretocável verdade. Getúlio utilizou desse poder enquanto foi Chefe Supremo da Nação.

Na época o País dependia econômica e culturalmente das grandes nações imperialistas, então, não se poderia sonhar com uma política exterior independente. E da mesma forma que os modismos culturais e sociais importados impuseram suas regras à sociedade e à chamada Intelligentsia cabocla, Getúlio Vargas era, também, um reflexo das tendências e do comportamento das nações que ditavam as linhas do comportamento universal.

Condizente com o momento havia uma tese fundada sobre a distinção entre a “Intelligentsia cabocla”, à qual cabia elaborar a política de renovação traçando os caminhos da nova sociedade, e as massas, cujo destino era deixar-se conduzir por essa minoria de espírito iluminado.

Em suas obras os intelectuais tratavam de questões sociais que estavam na ordem do dia e participavam do debate político entre a direita e a esquerda que mobilizava o 101

SILVA, Hélio; CARNEIRO, Maria Célia Ribas. Vargas - Pensamento Político Brasileiro. Porto Alegre, L&M, 1980. p.57-58.

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ARENDT, Hannah. As Origens do totalitarismo. Totalitarismo, o paroxismo do poder. Rio de Janeiro: Documentário, 1979.

mundo. Interessava-lhes retratar a vida do homem comum das cidades e dos sertões. Dessa forma, aprofundava-se a temática da cultura negra, indígena e caipira.

A participação dos intelectuais na vida nacional, durante o Governo Vargas, foi elevada acima dos demais grupos sociais não só pelos valores que representavam seus pensamentos (sua profissão) mas por serem os construtores de idéias diretivas, como veremos a seguir.