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A INCOMPATIBILIDADE DA CONTRATAÇÃO DIRETA NO PRÉ-SAL COM OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA LICITAÇÃO

4 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O DEVER DE LICITAR

4.3 A INCOMPATIBILIDADE DA CONTRATAÇÃO DIRETA NO PRÉ-SAL COM OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA LICITAÇÃO

Além dos princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), anteriormente trabalhados e que, por óbvio, também se aplicam aos procedimentos licitatórios, já que também são parte das funções e atribuições do Poder Público, há de se atentar aos princípios de aplicabilidade específica à licitação.

A Lei Federal n.º 8.666, de 21 de junho de 1993, estabeleceu a regulamentação geral aplicável aos casos de contratação operada pela Administração, deixando a cargo de leis específicas, que podem ser editadas tanto pela União, como pelos Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a regulamentação de situações diversas não abarcadas por ela, conforme dispõe o art. 22, parágrafo único, da Constituição Federal188, e o art. 115, da Lei de Licitações189.

Em vista de assegurar a supremacia do interesse público, a Lei Federal n.º 8.666, de 21 de junho de 1993, estabelece alguns princípios basilares que devem nortear o procedimento administrativo licitatório deflagrado imediatamente antes das contratações realizadas pelo Poder Público para a escolha da oferta e da pessoa a ser contratada.

Nesse sentido, a Lei de Licitações estabelece as diretrizes principiológicas para que seja assegurada a lisura nos procedimentos licitatórios. Para tanto, deve-se almejar a observância de algumas finalidades básicas inerente a todos os procedimentos licitatórios.

Tais finalidades correspondem à busca pela proposta mais vantajosa para a Administração Pública, bem como, à efetivação da garantia de isonomia entre os participantes e, ainda, ao incremento do desenvolvimento nacional sustentável, nos

188 Art. 22 [omissis] Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

189 Art. 115. Os órgãos da Administração poderão expedir normas relativas aos procedimentos operacionais a serem observados na execução das licitações, no âmbito de sua competência, observadas as disposições desta Lei.

termos estabelecidos pela parte inicial do art. 3º, da Lei Federal n.º 8.666, de 21 de junho de 1993190.

Já na parte final deste dispositivo legal, o legislador fez incluir os princípios básicos a que devem obrigatoriamente estar submetidos os procedimentos licitatórios. Além dos princípios constitucionais atinentes à Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), já tratados em tópico anterior, que foram meramente repetidos, a Lei de Licitações traz em seu bojo outros princípios expressos.

A inobservância desses princípios em qualquer que seja o procedimento licitatório desencadeado pela Administração Pública poderá levar à sua invalidade por atuação do próprio órgão responsável pelo certame ou por via judicial caso venha a ser acionado191.

Assim, como novidade em relação aos princípios constitucionais já tratados, pode-se destacar a necessidade de observância pela Administração Pública dos princípios da igualdade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo, em todos os procedimentos licitatórios por ela deflagrados.

Dessa forma, por serem princípios eminentemente inerentes ao processo licitatório, o simples fato de a contratação direta da Petrobras não estar submetida a um certame desse tipo já evidencia que esse procedimento não obedece aos preceitos principiológicos ora citados.

Contudo, a análise do instituto da contratação direta da Petrobras no Pré-sal diante dos princípios específicos da licitação, no que couber, se faz necessário para explicitar de forma ainda mais contundente a incompatibilidade dessa exceção ao regime de licitações criada pelo art. 12, da Lei Federal n.º 12.351, de 22 de dezembro de 2010.

190 Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos

191 FRANÇA, Vladimir da Rocha. A licitação e seus princípios. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. n. 8. nov/dez 2006 – jan 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-8-NOVEMBRO-2006-WLADIMIR%20ROCHA.pdf>. Acessado em: 30 set. 2016. p. 8.

Acerca do princípio da igualdade, também chamado de princípio da isonomia, consiste na imposição de a administração dispensar, no procedimento licitatório, igualdade de tratamento e condições a todos os concorrentes que se encontram em idêntica situação jurídica, sendo expressamente proibida a concessão de qualquer

espécie de vantagem não extensiva aos demais administrados192.

Trata-se de princípio decorrente de forma direta do já referido princípio da impessoalidade, dado que igualmente obriga a Administração Pública a não conceder privilégios, benefícios ou impor situação de prejudicialidade a qualquer das pessoas interessadas em contratar com o Poder Público, independente do motivo que venha a ser alegado para tanto193.

O tratamento isonômico que deve ser dado aos interessados no procedimento licitatório decorre, originariamente, da norma constitucional expressa no art. 5º, inciso

I, da Constituição Federal194, segundo a qual se depreende que é garantia

fundamental extensiva a todos o recebimento de tratamento igual quanto aos direitos e obrigações.

Ademais, importante frisar que o princípio da igualdade, para além do tratamento isonômico entre os participantes dos certames licitatórios, também impõe à Administração Pública o dever de oportunizar a participação de qualquer que seja o interessado em contratar com o Estado, desde que apresente as condições de

garantia exigidos legalmente195.

Nesse caso, o princípio da isonomia representa, na verdade, a expectativa de igualdade que as partes interessadas em contratar com a Administração Pública manifestam diante dessa possibilidade. A concretização dessa igualdade só poderá ser aferida, portanto, após a publicação do edital, quando se terá acesso aos termos postos para a concorrência entre as partes, ou, ainda, quando a licitação for dispensa

sem fundamento jurídico cabível196.

192 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 249.

193 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 11.

194 Art. 5º [omissis] I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

195 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 542.

196 NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 3 ed. Belo Horizonte: Forum, 2013. p. 60.

Assim, em existindo uma diversidade de interessados em prestar o bem ou serviço à Administração Pública que ela almeja para a adequada preservação do interesse público, havendo possibilidade de disputa para alcançar a celebração do contrato, a Administração deverá trata-los de forma isonômica, possibilitando a apresentação de propostas vantajosas, de acordo com a demanda e o lucro desejado197.

A inobservância desse princípio, com a quebra da isonomia entre os licitantes ou entre aqueles que pretendem participar da licitação, representa repugnável forma de desvio de finalidade do procedimento administrativo, na medida em que se afasta do objetivo da persecução dos interesses públicos para privilegiar determinada

empresa privada198.

Tal conduta, evidentemente, deve ser totalmente repudiada pela Administração, visto que se encontra em total desacordo com o arcabouço jurídico em vigência no país. Ademais disso, outra não é a principal função do Estado enquanto agente administrativo senão a concretização dos anseios da coletividade.

Com efeito, vê-se que há completa incompatibilidade entre o conteúdo normativo extraído do princípio da igualdade aplicável às licitações e o instituto da contratação direta da Petrobras para a exploração e a operação de blocos do Pré-sal no Brasil, estudado no presente trabalho.

Isso porque a norma de exceção criada pelo legislador infraconstitucional estabelece um obstáculo para a participação das demais companhias no procedimento que visa à contratação para a lavra das jazidas localizadas nessa área geológica. É dizer que a possibilidade de contratação direta retira a igualdade de competitividade entre as empresas interessadas, ao passo em que privilegia a contratação da Petrobras.

Com isso, a Administração Pública, ao dispensar o procedimento licitatório com base no permissivo legal da contratação direta, infringe o princípio da igualdade, de modo que resta maculado qualquer procedimento nesse sentido, já que a sua observância é obrigatória.

197 FRANÇA, Vladimir da Rocha. A licitação e seus princípios. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. n. 8. nov/dez 2006 – jan 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-8-NOVEMBRO-2006-WLADIMIR%20ROCHA.pdf>. Acessado em: 30 set. 2016. p. 3.

198 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 296.

Forçoso destacar que, sob a égide do princípio da impessoalidade, do qual decorre o princípio ora em análise, o Poder Público não pode privilegiar determinadas pessoas em detrimento de outras que se encontrem em mesma situação jurídica, mesmo que haja pretenso motivo para tanto.

Por isso, o procedimento de contratação direta no Pré-sal, estabelecido pela lei, mesmo que seja defendido sob a ótica da preservação dos interesses nacionais, não pode se sustentar diante da inobservância de outros preceitos normativos cuja relevância é singular para o funcionamento adequado da atividade administrativa.

Ato contínuo, no que concerne ao princípio da probidade administrativa, pode- se afirmar que a sua inclusão no rol dos princípios aplicáveis às licitações é, na verdade, uma reiteração do princípio da moralidade, também integrante desse

grupo199. Essa preocupação do legislador, em reiterar tais preceitos, demonstra a

importância do enunciado para o tema e representa uma advertência aos

administradores sobre a relevância do seu conteúdo200.

Esse princípio impõe à Administração o dever de conduzir os trabalhos do procedimento licitatório dentro dos preceitos legais em vigência, mas também

observando a honestidade e a boa-fé no trato com os participantes201. Essa conduta

é essencial para que os administrados detenham confiança em relação aos atos

praticados pelo Poder Público e à destinação dada à coisa pública202.

Desse modo, pode-se concluir que, de acordo com o princípio da probidade administrativa, é dever do administrador público atuar com honestidade para com os licitantes e com a própria Administração Pública. No exercício desse papel, deve sempre ter em vista a preservação do interesse público, sob pena ser passível de sofrer as reprimendas previstas legalmente nos âmbitos penal, civil e administrativo.

Em vista disso, no tocante ao procedimento de contratação direta da Petrobras no Pré-sal, há de se notar que, conforme já exposto anteriormente, o afastamento da realização do procedimento licitatório, com base na norma prevista no art. 12, da Lei do Pré-sal, atenta contra a probidade administrativa.

199 Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. p. 547.

200 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 299.

201 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 12.

202 MENDES, Raul Armando. Comentários ao Estatuto das licitações e contratos administrativos. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 11.

Isso porque a adoção dessa prática pela Administração Pública, por meio do CNPE, acarreta em descumprimento de diversos princípios constitucionais e infraconstitucionais atinentes ao agir estatal e, especificamente, aos procedimentos licitatórios, bem como a regramentos contidos na legislação federal já referenciados.

Esse fato, por si só, já representa infringência ao citado princípio, uma vez que o direcionamento da atividade administrativa para favorecer determinada pessoa, sem atentar ao ordenamento jurídico de forma ampla e ao bloco de constitucionalidade em vigência, ainda mais para fins diversos do melhor interesse público, é ato que atenta à boa administração.

Afora isso, restou explicitado no presente trabalho, especificamente no item 3.1 deste capítulo, que a realização da contratação direta da Petrobras no Pré-sal tende a ser uma medida deficitária para os cofres públicas, vez que a retirada do procedimento concorrencial diminui as expectativas de arrecadação com a celebração do contrato.

Esse artifício legal, utilizado pela União apenas uma vez até o presente momento, serve como meio de antecipação de receitas, já que o procedimento é mais célere se comparado ao certame licitatório. Mas, em contrapartida, sem a competitividade imposta pela licitação, a tendência é que a contrapartida da empresa contratada seja menor do que seria em caso de licitação.

Ou seja, com a contratação direta tem-se um procedimento mais célere, que permite a antecipação de receitas, mas, como efeito colateral, tem-se a diminuição dessas receitas em prol do Estado, exatamente por causa da exclusão do processo licitatório.

Esse posicionamento não se encontra apenas no campo das conjecturas doutrinárias. Ele se comprova factualmente a partir da análise comparativa, realizada com maiores detalhes no item 3.1 deste capítulo, das receitas obtidas com a assinatura do contrato de exploração e produção do campo de Libra, quando houve regular procedimento licitatório, e das receitas previstas para o caso de contratação direta da Petrobras aprovada pelo CNPE em junho de 2014.

O bônus de assinatura no primeiro caso foi superior em 13 bilhões de reais ao valor estipulado para a mesma cláusula contratual no segundo caso, mesmo em se tratando de blocos com reservas estimadas em volumes equivalentes de petróleo.

Portanto, resta claro que o caminho da contratação direta no Pré-sal não coaduna com o princípio da probidade administrativa, pois é utilizado para fins

distantes do interesse público, já que não se pode imaginar que as melhores práticas da administração pública passem pela abdicação de receitas superiores. Há, no caso, má administração do Erário, frustração indevida de receitas, conduta incompatível com a moralidade administrativa.

Por fim, quantos aos outros dois princípios aplicáveis à licitação citados, o da vinculação ao instrumento convocatório e o julgamento objetivo, tem-se a afirmar que, embora igualmente relevantes, não guardam pertinência temática direta com tema tratado no presente trabalho.

Por esse motivo, apenas a título de informação, destaque-se que o princípio da vinculação ao instrumento convocatório estabelece que todos aqueles envolvidos na licitação, sejam administradores ou administrados, ficam vinculados e devem obediência às normas estipuladas no edital do certame, inclusive quanto aos critérios de julgamento203.

Destaque-se que a é través da adequada concretização deste princípio que os participantes do certame têm acesso a todas as informações do procedimento, tais como a forma de atuação da Administração, a ordem de realização das etapas e os critérios de julgamento por ela estabelecidos. É, em suma, este preceito que confere segurança jurídica ao processo de licitação.

Já no que pertine ao princípio do julgamento objetivo, a Administração para dar integral cumprimento a este preceito precisa estabelecer de forma clara e objetiva quais critérios serão admitidos e avaliados para a escolha do vencedor do certame licitatório. Em virtude disso, não se admitem mudanças posteriores ao início do procedimento, como também que sejam estabelecidos critérios de cunho

eminentemente subjetivo ou cujo objetivo seja o favorecimento pessoal204.

Por fim, o que se verifica a partir da análise exposta acima é que o instituto da contratação direta da Petrobras no Pré-sal, inaugurado pela Lei Federal n.º 12.351, de 22 de dezembro de 2010, é incompatível com a sistemática jurídico-constitucional em vigor no Brasil no que tange ao funcionamento da Administração Pública.

Daí porque, pode-se concluir como premente a necessidade de modificação na referida legislação para que seja efetivada a retirada dessa possibilidade de

203 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 28 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 251.

204 DE MELLO, Celso Antônio Bandeira, Curso de Direito Administrativo, 30 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. p. 565.

contratação sem a realização de certame licitatório, tamanha a ofensa ao ordenamento jurídico e o potencial de lesividade ao patrimônio público, nos termos aqui delineados.