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A INCOMPATIBILIDADE DA CONTRATAÇÃO DIRETA NO PRÉ-SAL COM OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NORTEADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

4 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O DEVER DE LICITAR

4.1 A INCOMPATIBILIDADE DA CONTRATAÇÃO DIRETA NO PRÉ-SAL COM OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NORTEADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A Constituição Federal estipula as balizas principiológicas em que se funda a atuação da Administração Pública no Brasil. O Constituinte, diante da relevância da atividade estatal na vida de todos os cidadãos, achou por bem delimitar de forma

118 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37 ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 675.

119 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 55-56.

120 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 147-148.

expressa o norte que o poder público deve mirar enquanto exerce suas funções administrativas, tendo como base primeira o interesse coletivo.

Assim, o caput do art. 37 da Constituição Federal121 estabelece que a

Administração Pública deverá obedecer aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Assevera, ainda, que tal observância se impõe à Administração Direta e à Administração Indireta de todos os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), nos Municípios, Estados e na União. O princípio da legalidade consagra a importância da lei como meio de proteção das liberdades individuais, característica essencial do Estado de Direito, em

completo contraponto ao Estado absoluto122, traduzido, na Constituição Federal de

1988, essencialmente na regra contida no art. 5º, inciso II123, a qual assegura que ninguém poderá ser obrigado a fazer algo se não houver lei (norma integrante do

ordenamento jurídico124) que preveja tal situação.

Desse modo, a Constituição estabelece uma relação direta e intrínseca entre a liberdade e a lei, sendo este último o meio de garantir aquele valor. Ou seja, a liberdade dos cidadãos lato sensu, no Estado de Direito Brasileiro, garantida constitucionalmente, apenas poderá ser mitigada em virtude de determinação legal em contrário, observando, por obvio, os limites impostos pelas normas constitucionais.

Contudo, assentada tal premissa, há de se destacar que é caro ao presente trabalho mais especificamente a influência que exerce o princípio da legalidade ao agir estatal, à forma como deve se portar a Administração Pública em relação aos demais agentes presentes na sociedade, sobretudo, com relação a sua atuação no meio econômico.

Então, deve restar consignado que o princípio da legalidade estabelece a lei como limite de atuação do Estado com relação a todos os aspectos atinentes ao seu funcionamento. A esse respeito, é pacífico o entendimento doutrinário que ensina sobre a necessidade de respeito à lei pela atividade administrativa como condição para a sua eficácia.

121 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...].

122 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Versão digital.

123 Art. 5º. [omissis] [...] II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

124 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Versão digital.

Assim, ao contrário do que ocorre nos negócios particulares, em que ao administrador é facultado fazer tudo aquilo que não seja proibido pela lei, na Administração Pública as amarras legais ao agir estatal são impostas de maneira que

ao agente público só é permitido adotar as condutas autorizadas pela lei em vigor125.

Com isso, quis o Constituinte que a atividade administrativa, por estar submetida à vontade legal, exprimisse os anseios da sociedade, sem distanciar-se do intuito para o qual foi criada pelo Poder Legislativo, representante das vontades

sociais, através do regular processo legislativo126.

Preocupação esta, aliás, expressa por Montesquieu quando discorria sobre o espírito das leis e já detectava a distância que algumas leis guardam da realidade

social que ensejou a sua criação127, daí porque a Constituição Federal de 1988

manteve o princípio da legalidade como uma obrigação de observância à Administração, no seu papel de expedição de comandos complementares à lei, e uma garantia fundamental a todos.

Portanto, pode-se concluir que o princípio da legalidade determina a vinculação da Administração Pública a um bloco de constitucionalidade formado por todo o ordenamento jurídico na atividade de expedição de atos administrativos e de

regulamentos, como também na prática de atos de execução material128, do qual não

lhe é facultado afastar-se, sob pena de nulidade e ineficácia.

Todas essas condições também se aplicam às contratações realizadas pela Administração Pública, de modo que o procedimento de contratação deve seguir estritamente os ditames normativos, notadamente com relação àquilo que dispõe a constituição e a legislação infraconstitucional.

De tal sorte, é verídica a afirmação de que toda a contratação realizada pela Administração Pública que não observe o princípio da legalidade, ou seja, que não esteja em conformidade com o bloco de constitucionalidade ou, ainda, em conformidade com o ordenamento jurídico em vigência, não deve ter validade por notória infração à norma constitucional.

125 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 90-91.

126 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 103.

127 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 608.

128 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 140 e 143.

Assim, pode-se assentar que a realização da contratação direta no Pré-sal, a despeito de encontrar esteio em norma infraconstitucional, no caso a Lei Federal n.º 12.351, de 22 de dezembro de 2010, a sua efetivação, caso venha a acontecer, irá carecer de respaldo por parte do princípio da legalidade.

Isso porque, embora se respalde em lei, tal modalidade de contratação não se coaduna com o bloco de constitucionalidade que envolve os princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública e aos procedimentos licitatórios, conforme será demonstrado a seguir.

Seguindo adiante, o princípio da impessoalidade, também constante do rol de princípios constitucionais de observância obrigatória pela Administração Pública trazidos pelo art. 37, da Constituição Federal, consagra na seara administrativa a

norma constitucional contida no princípio da igualdade, traduzida pelo art. 5º, caput129,

da Constituição Federal.

Desse modo, o Constituinte deixou expressa a necessidade de observância de critérios iguais e justificáveis no trato com a coisa pública, devendo tratar com igualdade aqueles administrados que se encontram em uma mesma situação jurídica130. Não é, então, facultado ao agente público utilizar-se de preferências individuais, opiniões pessoais ou interesses próprios no exercício regular de suas atividades131.

Sob a égide desse princípio também não pode o agente público impor ao administrado qualquer tipo de discriminação, seja ela de cunho político, ideológica ou pessoal, benéfica ou maléfica, como igualmente não deve defender ou prejudicar

interesses de pessoas ou grupos de pessoas por afinidade ou aversão particular132.

Com esse cuidado conferido pelo Constituinte, busca a Constituição dar especial sentido à atividade administrativa, para que ela se volte exclusivamente para a persecução do interesse público, de maneira que a indevida promoção pessoal do

129 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

130 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 21.

131 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Versão digital.

132 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 117.

administrador reste inviabilizada, como também o desvio da finalidade pública no ato praticado133.

Na realidade, o administrado pode ser tratado de forma desigual pela Administração Pública, mas quando tal tratamento for necessário e devidamente justificado, de modo que se busque um tratamento isonômico. Essa autorização deixa de existir quando o tratamento diferenciado impõe vantagem ou privilégio indevido, se

consubstanciando, portanto, em verdadeiro corolário do princípio da isonomia134.

Parte da doutrina também aponta que o princípio da impessoalidade impõe a despersonalização do servidor público, de modo que o ato por ele praticado é imputado ao órgão ou instituição pública que integra, não sendo considerado como

ato pessoal do agente, mas como ato da Administração135.

Esse viés traz repercussões em diversos outros aspectos da atividade administrativa, como, a título de exemplo, a responsabilização civil do Estado por danos, no qual o administrado potencialmente lesado deve voltar seus esforços de ressarcimento à Administração Pública e não ao servidor que praticou o ato lesivo.

O agente público poderá ser alvo de ações desse tipo apenas se direcionada pela própria administração para fins de correção do dano ou ressarcimento do

Erário136, obedecendo-se a uma sistemática própria, que permite a mitigação do

princípio da impessoalidade, dentro do funcionamento dos mecanismos de correição da própria administração, cujos detalhes não convém explicitar no presente trabalho. O princípio da impessoalidade está espraiado por vários dispositivos constitucionais, sendo exemplo claro o art. 37, II137, que exige a realização de concurso como meio de entrada no funcionalismo público, possibilitando a todos a mesma oportunidade de concorrência em igualdade.

Do mesmo modo, dentro do tema que estamos a estudar, o princípio da impessoalidade tem importância central, já que também se impõe aos procedimentos

133 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 95.

134 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 168-170.

135 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37 ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 676-677.

136 GORDILLO, Agustín A. Tratado de derecho administrativo y obras selectas: la defensa del usuario y del administrado. 8 ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2006. XX-2 e 3. 137 Art. 37. [omissis] [...] II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

de contratação que a Administração Pública desencadeia. Assim, devem ser observados todos os preceitos acima enumerados para que o processo de contratação se dê com lisura e permita a criação de um natural e benéfico ambiente de concorrência entre os interessados, sem a existência de privilégios.

Esses preceitos parecem não coadunar com a figura da contratação direta da Petrobras no Pré-sal. Essa modalidade de contratação introduzida no ordenamento jurídico pela Lei do Pré-sal cria verdadeiro privilégio em favor da empresa estatal com relação à competitividade com as demais empresas petrolíferas atuantes no país.

Como visto, essa situação não se justifica, pois cabe à Administração tratar com igualdade as pessoas que se encontrem em mesma situação jurídica. No caso, a Petrobras, pessoa jurídica com personalidade de direito privado, atua na indústria do petróleo, operando atividade econômica, nas mesmas condições das demais empresas privadas, não sendo justificável qualquer diferenciação de tratamento para a contratação.

Ao Poder Público não é permitido criar regras que venham a beneficiar interesses particulares, já que a essência da atividade administrativa é a perseguição pelo interesse público. O tratamento desigual é permitido apenas quando este for essencial para a criação de um ambiente isonômico entre os particulares.

Contudo, não é este o cenário que se observa com relação à possibilidade de contratação direta no Pré-sal. Tal norma não visa o estabelecimento de igualdade de forças entre os competidores nesse setor econômico. Ao contrário, cria exceção à regra constitucional de licitação para promover privilégio a determinada empresa, no caso, a Petrobras.

Assim, mesmo que a possibilidade de contratação direta no Pré-sal tenha sido estabelecida sob o argumento de preservação do interesse nacional, o caminho encontrado pelo legislador para a persecução deste fim não se adequa ao princípio da impessoalidade.

Com isso, deve ser defendida a tomada de medidas que promovam a competitividade no setor, com o estabelecimento de normas que garantam a igualdade de condições entre as empresas petrolíferas, como forma de estímulo aos investimentos e a uma maior participação de empresas interessadas e com potencial para investir.

A moralidade administrativa, outro princípio consagrado constitucionalmente, é bastante amplo em seu conteúdo, motivo pelo qual a doutrina enfrenta maior

dificuldade em estabelecer uma definição teórica mais concreta e densa. Contudo, esse princípio merece lugar central no agir da Administração Pública, pois a sua inobservância leva diretamente à nulidade do ato praticado, conforme preceitua o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal138.

Desse modo, deve-se atentar que o ato administrativo, além de respeitar à legalidade, para ser considerado em consonância com a moralidade administrativa, deve, ainda, estar de acordo com as regras e princípios estabelecidos pela

Administração. Com isso, afasta-se a possibilidade de o ato ser legal, mas imoral139.

De outra forma, é dizer que o princípio da moralidade serve como parâmetro jurídico de controle à atuação da Administração Pública, em conjunto com a legislação em vigência, os princípios fundamentais e as normas constitucionais, de modo que todos os atos praticados devem se conformar com a dimensão ética formada por esse

conjunto de diretrizes normativas140.

Com o objetivo de dar maior clareza ao seu conteúdo, parte da doutrina exprime o grau de proximidade que o princípio da moralidade administrativa guarda com os princípios da lealdade e da boa-fé. Com isso se demonstra que a Administração deverá proceder com clareza e honestidade para com o administrado, evitando a todo custo a adoção de postura tendente a desviar a finalidade do ato de

forma ardil com vistas a reduzir o exercício de direitos pelo cidadão141.

Assim, percebe-se que, na prática, a análise do princípio da moralidade não está atrelada à averiguação da conduta administrativa simplesmente do ponto de vista da moral comum, do erro ou acerto do ato administrativo. Deve-se atentar, decerto, a possíveis afrontas a valores morais protegidos por normas jurídicas, de forma que restará violado o referido princípio se houver transgressão a uma norma de moral

social com reflexos negativos a um bem jurídico tutelado142.

138 Art. 5º [omissis] [...] LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

139 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37 ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 677-678.

140 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Versão digital.

141 PEREZ, Jesús Gonzales. El Principio General de la Buena Fe en el Derecho Administrativo. Madri, 1983. In: MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 122-123.

142 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 123.

Com efeito, o princípio da moralidade está diretamente relacionado à boa administração, à probidade administrativa. O administrador, no exercício de suas funções, deve atentar à finalidade institucional do órgão que ocupa, pois qualquer desvio nesse fim poderá caracterizar afronta à moralidade, com a consequente nulidade do ato143.

O mesmo, por óbvio, deve ser obedecido nos procedimentos que implique em contratação por parte do Poder Público. Portanto, nos atos de instrumentalização do certame licitatório, o agir estatal deverá estar pautado com os ditames da moralidade administrativa, observando-se as determinações legais específicas, com orientação nos princípios constitucionais, de modo que o procedimento não se afaste de sua finalidade.

Nesse cenário, embora não seja possível apontar afronta direta ao princípio da moralidade pela adoção da contratação direta no Pré-sal, pode-se identificar a existência de conflito desta norma com alguns valores ligados diretamente ao princípio constitucional ora em comento.

Assim, tem-se que a dispensa do procedimento licitatório previsto para a contratação de exploração e produção de blocos do Pré-sal, em determinados casos, pode levar à existência de impactos econômicos, afetando diretamente a arrecadação do Poder Público sobre esses empreendimentos.

Isso ocorre, pois, a retirada do elemento de competitividade na contratação de blocos do Pré-sal, pode levar a redução no percentual ofertado à União como participação no excedente em óleo, bem como com relação às expectativas de valores relativos ao bônus de assinatura do contrato.

É inegável que o estabelecimento de um ambiente de concorrência entre empresas interessadas, que detenham as mesmas condições de competitividade, aliado ao potencial produtivo do bem ofertado na licitação, tende a elevar o valor dos lances ofertados, em consonância com o interesse demonstrado na contratação. Portanto, a inexistência desses elementos leva a resultado diametralmente oposto.

A falta de zelo na análise do potencial econômico de arrecadação de um bloco do Pré-sal, levando a não realização do procedimento licitatório e, consequentemente, ao auferimento de valores de menor monta se comparado com aqueles que poderiam ser percebidos com a realização do certame, sem dúvidas, configura caso de afronta

143 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. Versão digital.

à boa administração, à probidade administrativa e, portanto, ao princípio da moralidade.

Esse problema, inclusive, já foi identificado, na prática, pelo TCU no já comentado caso em que o CNPE autorizou a contratação direta da Petrobras para operar no regime de partilha de produção para a extração de volumes excedentes em área anteriormente concedida em regime de cessão onerosa.

Naquela oportunidade, o TCU foi taxativo ao afirmar que a pressa em realizar a contratação direta da Petrobras, sem a realização de procedimento licitatório, representou prejuízo à capacidade de arrecadação da União com a exploração do bloco. Na verdade, a União utilizou-se do instituto da contratação direta para tentar adiantar a entrada de receitas, que, no caso de realização do leilão, viriam a ser percebidas após um lapso temporal maior.

O uso desse artifício, relatou o TCU, ignorou a necessidade do levantamento de informações técnicas acerca do empreendimento e minimizou o potencial de arrecadação do projeto. Tal manobra pode ser caracterizada, indiscutivelmente, como ato de má gestão da coisa pública, com desvio na finalidade e no interesse público,

logo, em desconformidade com o princípio da moralidade144.

Demonstração prática do quão danoso pode ser aos cofres públicos a retirada do procedimento de licitação e do ambiente de competitividade no Pré-sal pode ser auferido da análise comparativa dos valores pactuados no contrato do campo de Libra, quando houve licitação para a contratação, e do único caso de contratação direta da Petrobras efetivado até o momento, citado acima.

No campo de Libra, o valor estabelecido no contrato e pago pelo consórcio vencedor da licitação a título de bônus de assinatura, por exemplo, foi de 15 bilhões

de reais145, já no segundo caso as cifras dessa cláusula contratual ficaram

estabelecidas em apenas 2 bilhões de reais, conforme consta da Resolução CNPE

n.º 1, de 24 de junho de 2014146.

144 Íntegra do acórdão do TCU disponível em:

<http://portal3.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/imprensa/noticias/noticias_arquivos/024.607.pdf>. 145 Extrato do Contrato assinado na oportunidade disponível em: <http://www.brasil- rounds.gov.br/arquivos/Avisos_P1/Extrato_Contrato_Assinado_DOU_06122013.pdf>. Acessado em: 18 nov. 2016.

146 Resolução CNPE n.º 1, de 24 de junho de 2014 disponível em: <http://www.mme.gov.br/documents/10584/1819973/CNPE_Memoria_28_Reuniao_24062014_Final.p df/bb840f3b-878d-448a-a51a-bd1a7a13445a>. Acessado em: 08 jul. 2016.

Essa enorme diferença nos valores estabelecidos para o pagamento do bônus de assinatura se justifica notadamente pela ausência do leilão prévio à celebração do contrato. Isso porque o volume de petróleo estimado nos dois casos são compatíveis, sendo entre 8 e 12 bilhões de barris de petróleo no campo de Libra147 e entre 9,8

bilhões a 15,2 bilhões no segundo caso148, não justificando tamanha diferença no

tratamento contratual como restou se verificando na prática.

A ausência de competitividade leva à diminuição do valor, porque a União, tendo certeza que o contrato será assinado pela Petrobras por força legal, opta por reduzir a quantia para não sobrecarregar a empresa estatal. Num ambiente de competitividade, como a licitação, isso não ocorreria.

Por tais motivos, revela-se que o instituto da contratação direta da Petrobras