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5 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA E LIVRE CONCORRÊNCIA

5.1 O PAPEL INTERVENCIONISTA DO ESTADO BRASILEIRO NA ECONOMIA

A partir da década de 1990, o Estado brasileiro passou a adotar reformas estruturais para implementar um processo de desestatização da economia. Tratava- se da adesão do Brasil a um movimento já trilhado por muitos países na época no sentido de diminuir o tamanho da máquina pública e da participação estatal na economia.

Foi exatamente nesta época que a atuação do Estado passou a sofrer duras críticas de estudiosos e da própria polução, dado o alto grau de ineficiência, de desperdício do dinheiro público e de corrupção instalados em todos os seus âmbitos de atuação205.

Nesse momento, o que se passou a observar foi uma crescente inefetividade das políticas administrativas, normativas, operacionais e organizacionais postas pelo Estado intervencionista, levando ao grande anseio pela privatização e pela

desregulamentação da economia, com a diminuição dos gastos estatais.206

205 BARROSO, Luis Roberto. Constituição, ordem econômica e agências reguladoras. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. n. 1. fev/mar/abr 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-1-FEVEREIRO-2005-ROBERTO-BARROSO.pdf>. Acessado em: 30 set. 2016. p. 2.

206 FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 117- 120.

Nesse contexto, denominado pelos economistas de neoliberalismo, houve o realinhamento da posição de intervenção do Estado na economia e a privatização de diversas empresas estatais que atuavam explorando diversas atividades econômicas, como forma de diminuir a participação do Estado na economia e, consequentemente, abrir mais espaço para o desenvolvimento da livre iniciativa.

Assim, o art. 170, da Constituição Federal207, estabelece os princípios que devem ser perseguidos pela Administração Pública e pelos particulares com relação à ordem econômica vigente no país, que devem ser observados por todos os Poderes e esferas estatais208.

Tem-se, portanto, que a ordem econômica deve ser fundada em valores que privilegiem a soberania nacional, a propriedade privada, a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego.

A combinação desses princípios com outros valores consagrados no ordenamento constitucional tem por finalidade definir os objetivos a serem atingidos no âmbito econômico do país a partir da sua observância durante a atuação cotidiana dos agentes que participam dessa realidade socioeconômica, sejam eles públicos ou privados209.

Da análise desses princípios, percebe-se que houve uma preocupação do Constituinte em possibilitar o desenvolvimento da livre iniciativa, proibindo a criação despropositadas de amarras ao seu estabelecimento, com a proteção de valores como a propriedade privada e a livre concorrência.

207 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

208 FONTES, Grazielly dos Anjos. Novas fronteiras petrolíferas no Brasil: uma análise da necessidade de nova regulamentação da área do pré-sal sob a ótica constitucional. Natal: UFRN, 2010. 121f. Dissertação – Mestrado em Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2010. p. 42.

209 COMPARATO, Fábio Konder. Ordem econômica na constituição brasileira de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 264.

Contudo, não descuidou o legislador de também privilegiar os valores sociais, como a defesa do meio ambiente, só incluída no texto constitucional a partir da

Emenda Constitucional n.º 42, de 19 de dezembro de 2003210, a busca do pleno

emprego e a função social da propriedade.

A composição de forma harmônica desses valores, considerados antagônicos para parte da doutrina, já que representam preceitos de ordem tanto liberal quanto social, é tarefa necessária para evitar ou diminuir as desigualdades sociais muitas vezes geradas pelo sistema liberal mais ortodoxo, conforme já foi experimentado algumas vezes durante a história.

Essa sistemática estabelecida pela Constituição Federa de 1988 aproxima o Brasil de um projeto estatal que pode ser classificado como Estado social, de modo que o legislador infraconstitucional, ao editar normas aplicáveis ao cenário econômico, e a Administração Pública, na ordenação das atividades estatais, devem propiciar

condições para o desenvolvimento de uma ordem econômica justa211.

Assim, é certo afirmar que a ordem econômica estabelecida na Constituição

Federal de 1988 é comprometida com um Estado Democrático Social de Direito212, no

qual os valores econômicos devem caminhar em harmonia com os valores sociais, ambos detentores de igual proteção constitucional.

Dentre estes, importa para o presente estudo o princípio previsto no art. 170, inciso IV, da Constituição Federal, o qual determina que a ordem econômica no Brasil deve se pautar e assegurar a livre concorrência, com vistas a efetivar a valorização do trabalho humano e o desenvolvimento da livre iniciativa.

O princípio da livre concorrência assume papel fundamental na busca pela garantia de competição justa entre os agentes econômicos, sem a adoção de práticas abusivas. Assim, cabe ao Estado impor meios de concretização desse preceito, ao contrário do que ocorria no liberalismo clássico, em que não havia qualquer mecanismo estatal de promoção da boa concorrência e a competição poderia ser

praticada com todos os artifícios hoje execrados da ordem jurídica em vigência213.

210 Emenda Constitucional n.º 42, de 19 de dezembro de 2003. Altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências.

211 SCOTT, Paulo Henrique Rocha. Direito constitucional econômico: Estado e normalização da economia. Porto Alegre: Safe, 2000. p. 93.

212 MOREIRA, Egon Bockmann. Os princípios constitucionais da atividade econômica. Disponível em: <http://revistas.ufpr.br/direito/article/download/8751/6577>. Acessado em: 29 out. 2016. p. 106. 213 BAGNOLI, Vicente. Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 66.

Na Constituição Federal de 1988 o Estado assumiu papel essencial na promoção da concorrência leal e benéfica para a economia. É que a atual ordem constitucional entregou ao Estado as funções de agente normativo e regulador da economia, por meios das quais deverá fiscalizar, incentivar e planejar as atividades

econômicas, conforme estabelecido no art. 174, da Carta Magna214.

A partir desse movimento, o Estado deixou de exercer um controle regulatório e operacional das atividades econômicas que julgava serem importantes e passou a

concentrar apenas o poder regulatório normativo215, abandonando o papel de agente

econômico para assumir a função de agente regulador.

Nesse diapasão, convém frisar que apenas o viés normativo do papel do Estado na economia é caro ao presente trabalho, uma vez que está em análise a regra criada no exercício dessa função, que estabeleceu a possibilidade de contratação direta da Petrobras no Pré-sal, consubstanciada pelo art. 12, da Lei Federal n.º 12.351, de 22 de dezembro de 2010.

Com isso, deve-se atentar à atuação do Estado como agente normativo atuante na ordem econômica, especificamente com vistas à criação de normas que obstem o cumprimento do princípio da livre concorrência. Nesse caso, trata-se de atuação esquizofrênica do próprio Estado, pois cria regramento legal que inviabiliza a concretização de preceito constitucional que ele próprio deveria zelar.

Isso porque, cabe ao Estado intervir no mercado apenas em situações de exceção, de modo que se busque estabelecer um ambiente propício para a competição entre os agentes econômicos. Somente se esse cenário for contrariado é que o Poder Público deverá impor ações disciplinadoras e punitivas para fazer valer a

efetividade do princípio da livre concorrência216.

Sob esse viés é importante notar que o princípio da livre concorrência deve atuar como contraponto ao princípio da livre iniciativa, de forma que o exercício irregular deste último por algum agente econômico não crie obstáculos indevidos a liberdade de empreendimento de outros agentes. Assim, a inobservância desse

214 Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

215 AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 226.

216 BARROSO, Luis Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. n. 14. Maio/jun/jul 2008. Disponível em: < http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-14-MAIO-2008- LUIS%20ROBERTO%20BARROSO.pdf>. Acessado em: 30 set. 2016. p. 9-10.

postulado demanda a imediata intervenção do Estado com o objetivo de desfazer tal

embaraço concorrencial217.

Desse modo, verifica-se que o Estado estará autorizado a intervir no domínio econômico, em nome do princípio da livre concorrência, apenas quando o ambiente de competitividade deixar de ser leal ou reste prejudicado por qualquer dos agentes envolvidos. Nisso, deve-se ressaltar, também se inclui a atuação regulatória de cunho normativo.

Logo, não se olvida da possibilidade de invalidação judicial de norma infraconstitucional que, em contraposição aos ditames constitucionais em apreço, imponha restrição ao princípio da livre concorrência, caso não ocorra a iniciativa de retirada de tal norma do ordenamento jurídico pelo Legislativo ou pelo Executivo.

Essa possibilidade é patente em casos de restrição legislativa à concorrência na regulação de atividade econômica em sentido estrito, pois a observância do princípio da livre concorrência se estende também ao legislador, que deverá, no processo legislativo, analisar se a medida proposta não será maléfica e contraditória

aos preceitos concorrenciais contidos na constituição218.

Nesse espeque-se resta evidente que o legislador, ao se propor a editar a regra que criou a possibilidade de contratação direta da Petrobras no Pré-sal, tinha por obrigação averiguar o texto da proposta sob o viés do princípio constitucional da livre concorrência, de modo que restasse resguardada qualquer chance de infringência a ele.

Atento a isto, durante a tramitação do Projeto de Lei n.º 16, de 2010, no Senado, que resultou na aprovação da Lei do Pré-sal, o Senador Adelmir Santana propôs emenda ao texto proposto originalmente, com vistas a eliminar a possibilidade de contratação direta da Petrobras para operação nos campos dessa região geológica.

Para tanto, o Senador justificou que a proposta normativa criava óbice legal à efetivação do princípio da livre concorrência, já que, em sendo aprovada, a matéria estabeleceria privilégio à Petrobras, colocando-a em condição de vantagem, não

217 AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 265.

218 JORDÃO, Eduardo Ferreira. Limites constitucionais às restrições legislativas da concorrência. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. n. 23. ago/set/out 2010. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-23-AGOSTO-2010-EDUARDO-JORDAO.pdf>. Acessado em: 30 set. 2016. p. 32.

albergada pelo ordenamento constitucional, em relação aos demais agentes

econômicos do setor219.

Contudo, embora juridicamente correta, a emenda não foi aceita e a propositura original foi incluída no ordenamento jurídico pátrio, caracterizando-se como evidente obstáculo normativo à concretização do princípio constitucional da livre concorrência no setor do Pré-sal, com impactos econômicos incalculáveis, conforme será demonstrado adiante.

5.2 IMPACTOS DA CONTRATAÇÃO DIRETA À CONCRETIZAÇÃO DA LIVRE