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L ISTA DE S IGLAS E A CRÓNIMOS

2.2 A DESÃO À T ERAPÊUTICA

2.3.2 S EGURANÇA DOS A NTIDIABÉTICOS O RAIS

2.3.2.5 Incretinomiméticos e Inibidores da DPP-4

A primeira década do século XXI viu chegar ao mercado novas classes de medicamentos para o tratamento da DM2, os análogos do glucagon-like peptide-1 (GLP-1) e os inibidores da enzima dipeptidil-peptidase-4 (DPP-4). Os fármacos mais conhecidos e usados na prática clínica são: a vidagliptina, a sitagliptina, a saxagliptina e a linagliptina. Os mecanismos de ação destes medicamentos baseiam-se nos mecanismos das hormonas incretinas, em especial das incretinas GLP-1 e GIP (do inglês, glucose-dependent insulinotropic polypeptide), produzidas

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por células endócrinas intestinais em resposta à ingestão de alimentos. Sabe-se que o efeito incretina está afetado nos doentes diabéticos e por isso os medicamentos baseados nas incretinas passaram a fazer parte do arsenal terapêutico da diabetes. A GLP-1 é segregada principalmente nas células-L no íleo e no cólon mas também nas células alfa pancreáticas e em neurónios de diferentes áreas cerebrais, enquanto a GIP é sintetizada pelas células K presentes no duodeno e na primeira porção do jejuno. A GLP-1 tem várias ações, sendo de especial relevo a ação glicoreguladora, aumentando a libertação de insulina endógena e suprimindo a secreção de glucagon de uma forma dependente da glicose. Por conseguinte, estes efeitos do GLP-1 ocorrem apenas quando as concentrações de glicose são elevadas, minimizando desse modo o risco de hipoglicémia. O GLP-1 retarda o esvaziamento gástrico, o que atrasa a absorção dos alimentos e pode ter um efeito sobre o apetite, aumentando a saciedade e diminui a ingestão de alimentos por meio de um mecanismo central, conduzindo à perda de peso (Figura 8) (Blonde, 2009; Philippe & Raccah, 2009).

Figura 8: Tecidos-alvo e efeitos produzidos pela ação dos agonistas do recetor de GLP-1

Adaptado de (Lovshin & Drucker, 2009).

Estas hormonas naturais (GLP-1 e GIP) são rapidamente degradadas pela enzima DPP-4 nos seus metabolitos inativos. Este conhecimento permitiu duas novas abordagens terapêuticas: uma, a inibição da enzima DPP-4 que resulta num aumento da ação da GLP-1 endógeno, a outra, envolve o desenvolvimento de miméticos do GLP-1 resistentes à degradação por DPP-4 (Figura 9) (Philippe & Raccah, 2009).

Figura 9: Mecanismo de ação dos inibidores da DPP-4

Legenda: Os inibidores da enzima DPP-4 evitam a inativação enzimática do GLP-1 e GIP. A ligação do GLP-1 e GIP ativa a incretina recetora da célula beta pancreática potenciando a secreção de insulina e inibindo a secreção de glucagon. DPP-4- dipeptidil-peptidase 4; GIP- polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose; GLP-1- péptido semelhante ao glucagon 1. Adaptado de (Lovshin & Drucker, 2009).

Relativamente ao perfil de segurança destes medicamentos, parece não haver associação com episódios de hipoglicémia ou alteração do peso dos doentes. Dado que o GLP-1 aumenta a saciedade e, por conseguinte, diminui a ingestão de alimentos, promovendo a redução de peso, o que traz benefícios a nível cardiovascular. Todavia, os análogos do GLP-1 apresentam vários eventos adversos a nível gastrointestinal, tais como: náuseas, vómitos ou diarreia (Philippe & Raccah, 2009; Fonseca, 2014).

Até à presente data, a maior parte dos inibidores da DPP-4 possuem bons perfis de segurança e tolerabilidade com baixa incidência de eventos adversos. Sabe-se, no entanto, que eles podem interferir com o sistema imunológico e os efeitos adversos podem ser as infeções do trato respiratório superior (Philippe & Raccah, 2009; Fonseca, 2014).

Embora o mecanismo de ação destes fármacos seja suficientemente conhecido, os processos metabólicos com os quais a sua ação pode interferir não estão ainda completamente estabelecidos. Continua por estabelecer de modo definitivo a segurança e os resultados clínicos a longo prazo destes novos agentes, os inibidores da DPP-4 e os agonistas GLP-1. Os diversos estudos publicados são sobretudo estudos de curto prazo e tinham poucos comparadores comuns (Philippe & Raccah, 2009; Bennett et al., 2011; Fonseca, 2014).

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Neste sentido, os resultados do estudo EDGE (Effectiveness of Diabetes control with

vildaGliptin and vildagliptin/mEtformin) prospetivo, observacional com mais de 45.000

doentes monitorizados na prática clínica normal durante um ano, realizado em 2957 centros de 27 países a partir da Europa, América Latina, Ásia e Médio e Central Oriente, foram importantes para confirmar a relevância clínica desta classe terapêutica. Os resultados demonstraram que a vildagliptina foi eficaz e bem tolerada na prática clínica real, confirmando-se como uma excelente opção terapêutica de segunda linha em caso de fracasso da monoterapia de primeira linha no controlo glicémico (Mathieu et al., 2013).

Apesar de a vildagliptina ter sido bem tolerada, 5,3% dos doentes relataram eventos adversos em qualquer SOC (do inglês System Organ Classes), sendo as categorias mais afetadas por consultas MedDRA (do inglês Medical Dictionary for Regulatory Activities) padronizadas, a inflamação gastrointestinal não-específica e condições disfuncionais (1,3%), hiperglicemia (0,53%) e pancreatite aguda (0,65%). Alguns casos mais graves registados, como distúrbios cardíacos (0,14%), transtorno hepatobiliar (colecistite ou colelitíase) (0,06%) e hipoglicemia foram relatados por 72 doentes (0,3%) dos quais dez doentes necessitaram de assistência de terceiros (Mathieu et al., 2013).

No geral, esta classe de medicamentos inibidores da DPP-4 são utilizados preferencialmente associados às sulfonilureias em doentes que não conseguem um controlo com metformina em monoterapia e em quem é importante evitar a hipoglicémia. Apesar das vantagens que constituem a facilidade de administração através da via oral, a boa tolerabilidade e uma ausência de associação com o ganho de peso ou hipoglicémia, vários estudos referem eventos cardiovasculares associados aos agentes incretinas (Fonseca, 2014).

Face às incertezas sobre os riscos cardiovasculares da utilização de alguns destes hipoglicemiantes orais, foi realizado um estudo de grande dimensão, iniciado em 2010, designado SAVOR-TIMI 53 (Saxagliptin Assessment of Vascular Outcomes Recorded in Patients

with Diabetes Mellitus–Thrombolysis in Myocardial Infarction 53). Tratou-se de um ensaio

clínico multicêntrico, randomizado, controlado com placebo, que avaliou a segurança e eficácia da saxagliptina em 16.492 doentes diabéticos tipo 2 com doença cardiovascular estabelecida ou fatores de risco cardiovasculares. O endpoint primário foi composto por

mortalidade cardiovascular, enfarte agudo do miocárdio ou acidente vascular cerebral. Como

endpoint secundário tinha sido definido a hospitalização por insuficiência cardíaca. Os

primeiros resultados publicados mostram que o tratamento com a saxagliptina é seguro e reduz eventos cardiovasculares em doentes de alto risco com DM2 (Scirica et al., 2011).

No seguimento deste estudo, resultados posteriores mostravam que a saxagliptina melhorava o controlo glicémico, apresentando um perfil de segurança semelhante ao placebo em relação ao endpoint primário (mortalidade e eventos isquémicos). No entanto, a saxagliptina aparece associada a um risco aumentado de hospitalização por insuficiência cardíaca (3,5% vs. 2,8%; HR 1,27; p=0,007) (Scirica et al., 2013, 2014).

Como a DPP-4 está presente em muitos tecidos do corpo, tem, por isso, um grande número de alvos potenciais, o que pode afetar muitos processos metabólicos que podem conduzir a múltiplos efeitos secundários. Ultimamente têm sido demonstrados os efeitos pleiotrópicos a nível vascular, cardíaco e extra-cardiovascular dos inibidores da DPP-4, como a Figura 10 muito bem documenta.

Figura 10: Efeitos pleiotrópicos dos inibidores da DDP-4 sobre o sistema cardiovascular

Adaptado de (Aroor et al., 2014).

Os efeitos pleiotrópicos dos inibidores de DPP-(4i) exibem vários efeitos protetores que contribuem conjuntamente para a melhoria da função vascular, o que pode reduzir o risco de

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desenvolvimento de doença vascular, insuficiência cardíaca e doença renal crónica. A evidência sugere que os inibidores da DPP-4, para além dos efeitos independentes ligados à melhoria da glicémia, têm propriedades vasculoprotetoras, contribuindo, assim, para reduzir o risco do desenvolvimento das múltiplas comorbilidades associadas à obesidade e à diabetes mellitus tipo 2, especialmente a hipertensão e a doença cardíaca e renal. A eficácia da inibição da DPP-4 inclui um aumento da libertação e atividade do óxido nítrico (NO), fundamental para a funcionalidade do endotélio, redução de stresse oxidativo e resposta inflamatória e aumento do recrutamento de fatores de crescimento endotelial. Estes efeitos no seu conjunto têm capacidade para reparar o endotélio lesionado e melhorar a função endotelial (Aroor et al., 2014).

No entanto, são necessários estudos de longo prazo para avaliar melhor os benefícios específicos da terapêutica com inibidores da DPP-4, quer ao nível da função endotelial de modo a reduzir o risco de doenças cardiovasculares quer na mortalidade da DM2. É necessário, também, esclarecer e elucidar sobre os seus efeitos adversos, em particular os menos comentados, como são as infeções respiratórias, as pancreatites, a insuficiência cardíaca e a insuficiência renal (Akiyode & Adesoye, 2015).