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L ISTA DE S IGLAS E A CRÓNIMOS

2.2 A DESÃO À T ERAPÊUTICA

2.4.2. Q UALIDADE DE V IDA R ELACIONADA COM A S AÚDE

Na segunda metade do século XX, a evolução das perspetivas médicas e governamentais no que respeita aos cuidados de saúde encorajou uma otimização da abordagem do doente que permitisse ultrapassar as variáveis médicas prognósticas convencionais. Esses indicadores tradicionais de gravidade da doença, apesar de ajudarem a clarificar a sua fisiopatologia e efeitos terapêuticos, não proporcionavam informação completa sobre a forma como um determinado tratamento auxiliava o doente, na sua própria perspetiva (Coelho, 2002).

O crescente desenvolvimento tecnológico, especialmente nas áreas médicas, trouxe também como consequência negativa a progressiva desumanização, o que levou à necessidade de um conceito que valorizasse parâmetros mais amplos do que o controlo de sintomas, a diminuição da mortalidade ou o aumento da esperança de vida. Indo ao encontro dessa necessidade, surgiu, no interior das ciências humanas e biológicas, o conceito de qualidade de vida relacionada com a saúde (Ermida, 2003; Kaplan, 2003).

A Oncologia foi a especialidade médica em que, inicialmente, a qualidade de vida suscitou maior interesse devido ao crescente grau de insatisfação para com os tratamentos

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médicos e com o progressivo esforço feito pelos profissionais de saúde para prolongar a vida do doente, subvalorizando, muitas vezes, necessidades humanas básicas como o bem-estar e a autonomia (Fleck et al., 1999; Coelho, 2002).

Entretanto, a dimensão da qualidade de vida foi também acrescentada aos ensaios clínicos, como uma terceira dimensão a ser avaliada, além da eficácia e da segurança. A indústria farmacêutica passa a ter que provar que as alegações e revindicações que atribui aos medicamentos e dispositivos médicos que desenvolvem trazem mais-valias à qualidade de vida dos seus utilizadores. Para isso a avaliação do impacto destes produtos na qualidade de vida exige evidências com base em pesquisa com metodologia, instrumentação, análise estatística e interpretação específicas (Leidy, Revicki, & Genesté, 1999).

A qualidade de vida, tornou-se assim, de forma crescente, um objetivo prioritário dos serviços de saúde, paralelamente à prevenção de doenças, efetivação da cura e alívio dos sintomas ou prolongamento da vida humana (Santos & Ribeiro, 2001).

Contudo, as ligações entre saúde e qualidade de vida não são recentes. Campbel et al., em 1976, elaborou um questionário sobre qualidade de vida, cujos resultados evidenciaram que o domínio “saúde”, um dos 12 domínios avaliados pelo questionário, foi o que apresentou maior correlação com o resultado do questionário (Albuquerque & Oliveira, 2002).

Alguns autores, como Bargner (1989) e Fries & Spitz (1990), utilizaram os termos qualidade de vida e estado de saúde como sinónimos, enquanto outros os consideram bastante diferentes (Morais, 2000).

Ware, um dos autores mais significativos no estabelecimento de medidas de saúde, em 1987, defendia que a qualidade de vida é um conceito muito mais abrangente do que o de saúde, sendo este último, a par de outros, um dos indicadores utilizados para medir o primeiro (Albuquerque & Oliveira, 2002).

Lhor (1992) e Ferreira (1996), citados por Gil (1998), defendem que a maioria dos autores concordam com a opinião de que o conceito de qualidade de vida é muito mais abrangente do que o estado de saúde, envolvendo vários fatores, encarados como externos à prática de cuidados, talvez para além do indivíduo e relevantes, principalmente, numa noção

mais alargada da existência humana. Desta forma, muitos investigadores de saúde consideraram que a definição de qualidade de vida foi tão longe que perdeu algum sentido de utilidade para a medição do estado de saúde e necessidades em saúde (Gil, 1998).

Nesta perspetiva, surgiu um conceito de âmbito mais restrito designado por Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde (QVRS), que, embora também baseada nas perceções do indivíduo, é extremamente orientada e focada no impacto do estado de saúde percebido sobre o potencial individual para viver a sua vida, subjetivamente satisfatória (Santos & Ribeiro, 2001; Kaplan & Ries, 2007).

Este conceito inclui uma variedade potencialmente alargada de condições que podem afetar a perceção individual, sentimentos e comportamentos relacionados com o funcionamento diário, incluindo, mas não limitado ao estado de saúde e intervenções médicas (Santos & Ribeiro, 2001; Kaplan & Ries, 2007).

Autores como Jette (1980), Bergner (1989), Ware (1986, 1992), Stewart (1992), utilizam, para caracterizar e avaliar a QVRS, conceitos como, estado de saúde, função cognitiva, saúde física, saúde mental, funcionamento social e de desempenho, estado emocional, bem-estar subjetivo, satisfação com a vida e suporte social (Gil, 1998).

Patrick e Deyo (1989) explicam que o conceito de QVRS incorpora cinco dimensões, nomeadamente, duração da vida, invalidez, estados funcionais, perceções da saúde e oportunidades sociais (Albuquerque & Oliveira, 2002).

Segundo Schipper et al. (1990), a QVRS é um conceito pragmático que representa o nível funcional individual, medido a partir da perceção do doente, em vez de a partir da perceção do clínico, incluindo, não só o funcionamento físico e ocupacional, o estado psicológico e a interação social, mas também as sensações somáticas, em particular a dor (Morais, 2000; Albuquerque & Oliveira, 2002).

Para Bowling (1995), a QVRS cobre um vasto leque de componentes, tais como, a capacidade funcional, que inclui o funcionamento de desempenho, passando pelo grau e qualidade das interações sociais, até ao bem-estar psicológico, sensações somáticas, incluindo

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a dor, sintomas, harmonia, capacidade de lidar com as situações de stress e satisfação com a vida (Gil, 1998).

Wilson e Cleary (1995) propuseram para avaliação da QVRS dimensões do funcionamento físico, social, funções de desempenho, saúde mental e perceções sobre a saúde geral, e estabeleceram relações específicas entre elas, associando variáveis clínicas como vitalidade (energia/fadiga), dor e funcionamento cognitivo, às dimensões da QVRS (Gil, 1998).

Ainda que a unanimidade de uma definição exata e exclusiva da QVRS pareça não existir e se verifique na literatura sobre medidas ou escalas de medidas que a pretendem avaliar, raramente estão contempladas quaisquer tentativas de definição do conceito. Patrick e Erickson (1993), citado por Gil (1998), definem-na como: “O valor atribuído à duração da vida enquanto modificado por deficiências, estados funcionais, perceções e oportunidades sociais,

que são influenciadas pela doença, lesão, tratamento ou políticas”. Uma outra definição foi

apresentada por Bowling, em 1995, em que QVRS “é o nível ótimo de funcionamento físico, mental, social e de desempenho, incluindo as relações (sociais), perceções da saúde, bom nível de codificação física, satisfação com a vida e bem-estar.”

Embora não pareça haver um perfeito consenso na definição e componentes de QVRS, o que parece ser relevante é o facto de se assumir que estes autores se baseiam na definição de saúde da OMS para definir os quatro grandes domínios que contribuem para a QVRS, nomeadamente, funcionamento ocupacional e físico, estado psicológico, interação social e sensações somáticas (Albuquerque & Oliveira, 2002).