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Capítulo 2: Transnacionalismo

2.2 Transnacionalismo Económico

2.2.1 Indústria da Migração

Dedicaremos este subponto à indústria da migração, detalhando o seu alcance, especificidades e características, além de procurarmos fornecer pistas sobre a relevância do seu estudo, no contexto de uma análise das actividades económicas desenvolvidas pela imigração nepalesa residente em Lisboa.

A comercialização da migração deve ser associada a transformações estruturais que, de algum modo, se conectam com modelos de governação global de natureza neoliberal. Verificamos, hoje, que até a própria "indústria da migração informal" está articulada, de forma mais ou menos próxima, com estruturas de natureza legal e política, tanto nos países de destino, quanto nos países de origem dos migrantes. A acumulação de remessas e empreendimentos transnacionais estimula iniciativas governamentais na origem, para captar e dirigir recursos adicionais remetidos pelos expatriados, bem como o investimento directo na origem, processos de reinstitucionalização de estruturas de desenvolvimento locais e fidelidades políticas. Por sua vez, estes investimentos e remessas alargam o mercado para negócios locais e multinacionais, que se poderão expandir às comunidades na diáspora (Portes, 2002). De forma a analisarmos com maior profundidade a chamada "indústria da migração", teremos de compreender, tanto a crescente comercialização da migração internacional, como um conjunto de "mercados para a gestão da migração" emergentes, nos quais essa "indústria da migração" opera (Gammeltoft-Hansen e Sorensen, 2013: 13). Entre os actores da "indústria da migração", distinguem-se cinco conjuntos que parcialmente se sobrepõem, definidos de acordo com o seu grau de organização e formalização, conforme o Quadro XIV (Anexo 2) detalha.

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Exº: captação e transformação de remessas migrantes por parte de instituições de microfinanciamento, ou reinstitucionalização de estruturas de desenvolvimento locais, por via dessas remessas.

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Zolberg (1999) mapeou as posições dos actores políticos em relação à imigração, tendo podido descrever alguns strange bedfellows da política imigratória americana: os actores que percepcionam efeitos económicos, culturais ou políticos positivos decorrentes da migração tendem a adoptar posições favoráveis ou "imigracionistas" (exº: coétnicos ou empregadores). Já os actores que vêem os imigrantes como fonte de competição económica ou ameaça cultural, adoptam posições de restrição. Aqueles que beneficiam economicamente da imigração aparecem juntos, permitindo-nos fazer inferências sobre relações económicas e alianças prováveis entre "indústria da migração", as partes interessadas e as políticas de imigração, segundo o autor (Zolberg, 1999). Além dos agentes tradicionais (contratadores, agentes de remessas, transportadores, outros) que beneficiam economicamente com a imigração, também actores "coétnicos" e "cosmopolitas" aparecem como susceptíveis de alterar posições e apoiar a imigração, por interesse económico próprio. Por outro lado, os facilitadores da imigração guiados pelo lucro e os empregadores aparecem como familiar bedfellows: "empreendedores da migração" formais e informais, legais e ilegais, fornecem trabalhadores imigrantes documentados e não-documentados às empresas. Contudo, um segmento importante da "indústria da migração" opera de modo informal ou clandestino, impedindo (tal como, frequentemente, o Estado, outros empreendedores legais, ou outras partes interessadas na imigração) os facilitadores de formarem "coligações imigracionistas legítimas" (Hernández-León, 2013: 36). O mapeamento traçado por Zolberg não contempla, porém, actividades de controlo e resgate presentes na "indústria da migração", além das actividades facilitadoras, nem grandes alterações no posicionamento dos mesmos indivíduos face à migração, ou formas de conexão não- antecipadas entre actores e infraestruturas da "indústria da migração" (Hernández-León, 2013: 32).

Os facilitadores da migração motivados pelo lucro valorizam a "indústria das remessas" como objectivo primordial da própria migração - e como estratégia de financiamento de migrações futuras. Esta "indústria das remessas" abarca mecanismos formais (relacionando os migrantes com instituições financeiras no seu contexto de chegada) e um conjunto diversificado de negócios formais e informais, mais ou menos complexos e mais ou menos validados social, cultural e politicamente, que funcionam como intermediários das transferências monetárias ocorridas. Estes facilitadores guiados pelo lucro da "indústria das remessas" estão conectados a outras partes interessadas na migração - exº: organizações migrantes, representantes consulares dos países de origem

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no destino, que procuram aumentar o fluxo de remessas, entre outros (Hernández-León, 2013: 37). De forma sumária, este autor introduz, portanto, na "indústria da migração" quatro tipos de intermediários, com objectivos distintos, conforme o Quadro XV (Anexo 2) especifica. Todos estes actores mantêm relações diferenciadas com as partes interessadas mais importantes na migração, como as "instituições estatais, empregadores, organizações pró e anti-imigração", e com os próprios imigrantes (Hernández-León, 2013: 39). Betts (2013a) argumenta que a "indústria da migração" e os mercados migratórios não operam só dentro e entre Estados-Nação, mas têm igualmente um impacto na governança migratória a um nível mais global. Baseando-se numa tipologia própria, este pesquisador demonstra que os actores envolvidos na "indústria migratória" impactam, de modo fulcral, a governança global - em domínios tais como a migração irregular, a migração laboral ou a protecção aos refugiados. Betts toma "governança", como:

«As normas, regras, princípios e procedimentos de tomada de decisão, que regulam o comportamento dos Estados (e de outros actores transnacionais).» (Betts, 2013a: 47)

Os Estados desenvolveram uma cooperação institucionalizada para o desenvolvimento de políticas ligadas aos movimentos transfronteiriços (exº: ao nível do comércio, trocas e finanças internacionais); contudo, a migração internacional, tendo um carácter transfronteiriço, não é regulada por protocolos multilaterais coerentes. O Quadro XVI (Anexo 2) ilustra o papel de diversos actores privados, associados à "indústria da migração" na governança global da migração, segundo Betts (2013b)51. Para este autor, portanto, não podemos sustentar que, simplesmente, não existe governança global da migração - apenas pelo facto de ela permanecer muito limitada, ao nível das instituições formais multilaterais (como é o caso das Nações Unidas). Essa governança global da migração assumirá "formas distintas e, eventualmente, mais complexas, a cinco níveis (multilateralismo, governança contextualizada, regionalismo, bilateralismo e unilateralismo de alcance extra-territorial)", nos quais os actores privados ligados à "indústria da migração" desempenham diversos papéis (Betts, 2013a: 47).

51 Verificamos que a governança multilateral, característica de instituições como a Organização

Internacional para as Migrações ou o Alto-Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas, aparece ligada a actores privados com papéis de financiamento e parceiros de implementação. A governança contextualizada, apoia-se no lobbying e no desenvolvimento de padrões. A governança regional participa em discussões sobre padrões técnicos e formula contratos. O bilateralismo envolvido na gestão de fronteiras procura gerir a migração irregular através de contratos privados. Enfim, no unilateralismo característico das políticas imigratórias e emigratórias, actores privados como os grupos na diáspora ou grupos de lobbying e implementação, desempenham o seu papel.

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Em síntese, neste subponto, detalhámos o alcance e características da "indústria da migração", procurando apresentá-la no âmbito de uma análise dos facilitadores e das actividades económicas levadas a efeito pelas comunidades migrantes, nomeadamente pelos seus empreendedores, negociantes, trabalhadores e firmas intermediárias. Distinguimos cinco grandes conjuntos de actores da "indústria da migração", em função do seu grau de organização e formalização. Mencionámos quatro tipos de intermediários, com objectivos distintos e mantendo relações diferenciadas com as partes interessadas na migração. Verificámos que a "indústria da migração" envolve actividades de controle e resgate, além de actividades facilitadoras. Enfim, analisámos o papel de diversos actores privados, associados à "indústria da migração" na governança global da migração. Podemos, assim, afirmar que a inexistência de acordos formais multilaterais, de amplo alcance, dedicados à governança global da migração não impede a existência de uma governança com cinco níveis de articulação distintos, onde uma variedade de actores privados desempenham papéis fundamentais. No âmbito da análise dos nossos dados, procuraremos diferenciar os actores operando na "indústria da migração nepalesa", tipos de intermediários envolvidos, actividades facilitadoras promovidas, e a interacção dessa "indústria" com os actores privados associados à governança global da migração (segundo Betts), aos níveis unilateral, bilateral, regional, contextual e multilateral.