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Capítulo 3: Redes Sociais e Redes Migrantes

3.1 Redes Sociais e Capital Social

3.1.1 Redes Sociais

Um estudo sobre modelos de transnacionalismo exige uma contextualização prévia, acerca das redes sociais e do capital social envolvidos. Uma questão fundamental para os pesquisadores das migrações transnacionais é saber se as práticas e relações transnacionais são de natureza efémera ou duradoura, e também determinar se as redes que se estabelecem são reproduzidas - tornando-se, assim, "característica estrutural da organização social global" (Guarnizo e Peter Smith, 1998: 16). Para Tilly, "as redes migram":

«(...) as unidades efectivas de migração foram e são, não indivíduos nem famílias, mas grupos de pessoas ligadas por conhecimentos, amizade e experiência de trabalho» (Tilly, 1990: 84).

Vamos guiar-nos por esta ideia, que concebe as redes como grupos de pessoas ligados por laços de tipos variados. As redes podem, então, ser encaradas como "representações de relações sociais": algumas relações sociais serão fortes ou influentes, embora possam não abranger um grande leque de actores. A força dessas relações sociais variará (Granovetter, 1973), com:

a) a intensidade emocional; b) a confiança;

c) o tempo passado em conjunto; d) a reciprocidade.

Portes (1995) considera que:

«As redes sociais encontram-se entre os mais importantes tipos de estruturas, nas quais as transacções económicas estão contextualizadas. Elas são conjuntos de associações recorrentes, entre grupos de pessoas que estão ligadas por laços ocupacionais, familiares, culturais ou afectivos. As redes são importantes na vida económica, porque elas são fontes de aquisição de meios escassos, como capital e informação, e porque, simultaneamente, elas impõem constrangimentos eficazes à busca irrestrita de ganhos pessoais.» (Portes, 1995: 8)

Reconhece-se que algumas características das redes sociais, como o seu tamanho (número de participantes numa rede) e densidade (número de laços entre os participantes dessa rede), têm consequências directas no comportamento económico. Autores como Bossevain (1979) verificaram que, quanto maior uma rede, menor tende a ser a sua densidade (pois, nesse caso, é mais difícil que todos os seus membros estejam interconectados), muito embora redes amplas e densas se revelem mais eficazes, tanto na aquisição de meios, quanto na imposição de obrigações e reciprocidade (Portes,

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1995). Os modelos de redes sociais podem, portanto, ser baseados em várias das suas dimensões, como a densidade ou a centralidade (Portes, 1995). A Figura 3.1 ilustra a importância da centralidade relativa dos membros de uma rede social (a qual se correlaciona com questões de poder), e mostra como a violação de obrigações recíprocas tem menos custos associados - é mais atractiva -, em função do isolamento de um dado membro da rede, do que da sua conexão (Portes, 1995):

Figura 3.1 - Densidade e Centralidade nas Redes Sociais - A Fonte: Portes, 1995; Adaptado pela autora, 2018

No diagrama 1, podemos observar que A controla os fluxos de informação entre os outros membros da rede, e é objecto de pouco escrutínio social - também poderá violar as suas obrigações para com o sujeito B com menos custos e mais vantagens do que no diagrama 2, onde C se encontra mais interconectado com outros membros da rede. No diagrama 2, sendo a centralidade da rede muito menor, a sua eficácia é bem maior, ao corresponder a expectativas normativas dos membros, e ao impor obrigações e reciprocidade.

Segundo Portes, outros dois elementos fundamentais das redes são o seu clustering e a multiplexidade:

«O clustering diz respeito ao grau em que subsecções da rede têm mais densidade do que a rede, tomada como um todo. A estes subconjuntos chama-se, por vezes, cliques. A multiplexidade é o grau em que as relações entre participantes incluem esferas institucionais que se sobrepõem. Por exemplo, indivíduos que são colegas de trabalho também podem estar relacionados por laços familiares, afiliações políticas, ou pela pertença a clubes.» (Portes, 1995: 10)

Neste sentido, ele apresentou diagramas nos moldes dos ilustrados na Figura 3.2, para representar uma rede uniplexa relativamente densa e parcialmente agregada - exº:

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escritórios corporativos66 (diagrama 1) -, e uma rede multiplexa densa e altamente agregada67 (diagrama 2):

Figura 3.2 - Densidade e Centralidade nas Redes Sociais - B Fonte: Portes, 1995; Adaptado pela autora, 2018

Vemos como, no diagrama 1, são formadas cliques horizontais (indivíduos com graus semelhantes de poder e centralidade) ou verticais (uma figura mais poderosa concede favores especiais a subordinados, em troca de deferência e colaboração), que "defendem interesses comuns ou perseguem agressivamente um maior controlo sobre os recursos" (Portes, 1995: 10). No diagrama 2, os clusters familiares são sobrepostos por laços de trabalho, familiares, religiosos e recreativos múltiplos:

«(…) as cliques familiares estão fortemente ligadas por proximidade residencial, interesses ocupacionais comuns e actividades religiosas. Nestas situações, onde "todos se conhecem", as normas comunitárias proliferam e a violação de obrigações de reciprocidade tem custos elevados. A solidariedade dentro de cada clique familiar é reforçada, como forma de diferenciação (e, por vezes, de protecção dos seus membros) relativamente a uma rede, já densa, de relações exteriores» (Portes, 1995: 12).

É assim que as redes sociais podem conectar indivíduos dentro e através de organizações e comunidades - embora elas estejam longe de constituir a única estrutura social na qual o comportamento económico é contextualizado (as redes são, com frequência, parte de agregados maiores). Porém, elas influenciam de modo mais imediato, em função das suas características e do posicionamento dos sujeitos dentro

66 Cf. Morrill (1992), Morrill e Fine (1997), Morrill e Smith (1998), Dalton e Daily (1994), Dalton e

Wilson (1998).

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delas, os objectivos, meios e constrangimentos com os quais esses indivíduos se deparam (Portes, 1995).

Existe, portanto, um conjunto de variáveis influentes nas redes e grupos de elementos, que auxilia à sua diferenciação. Em função das suas particularidades, poderemos diferenciar: redes sociais, redes laborais e redes pessoais, redes étnicas e redes familiares, redes imigrantes e redes comunitárias. Deveremos saber distinguir entre redes migrantes e redes autóctones, bem como analisar cruzamentos e sobreposições entre estas. Alguns autores propuseram uma atenção particular à espacialidade das redes, nas suas variações através do tempo, e às implicações desta espacialidade na coesão/dissolução, ou sustentabilidade, da rede respectiva (Bosco, 2001). As redes migrantes, em especial, se encaradas como "teias de laços sociais" entre indivíduos no país de origem e migrantes no país de destino, ajudam-nos a determinar a magnitude e a direcção de um determinado fluxo migratório, bem como os resultados adaptativos para os migrantes envolvidos (Garip e Asad, 2015).

Granovetter (1973, 1977, 1983) explorou a "força dos laços fracos", para demonstrar que estes são, com alguma regularidade, mais importantes do que os laços fortes, para explicar certos fenómenos (como as actividades económicas), que ocorrem nas redes sociais, e propôs as redes como base da nova sociologia económica (Granovetter, 1985). De acordo com este autor,

«(…) o conjunto de pessoas formado por qualquer indivíduo e os seus conhecidos abrange uma rede de baixa densidade (onde muitas das possíveis linhas relacionais estão ausentes), enquanto o conjunto formado pelo mesmo indivíduo e pelos seus amigos próximos estará estreitamente interligado (…) O laço fraco entre o indivíduo e o seu conhecido torna-se, então, não um laço de conhecimento trivial, mas uma ponte crucial entre dois emaranhados sociais densos de amigos próximos. Estando a asserção anterior correcta, de facto, estes dois agrupamentos não se conectariam de todo, um ao outro, se não fosse a existência de laços fracos.» (Granovetter, 1983: 201-202)

Assim, em termos de implicações macro dos laços fracos:

«(…) O lado macroscópico deste argumento comunicacional é que os sistemas sociais com poucos laços fracos serão fragmentados e incoerentes. Novas ideias espalhar-se-ão lentamente, empreendimentos científicos serão amputados e subgrupos separados por raça, grupo étnico, geografia e outras características, terão dificuldade em alcançar um modus vivendi.» (Granovetter, 1983: 201-202)

A força de um laço estaria relacionada com a quantidade de tempo, intensidade emocional, intimidade (confidências) e serviços recíprocos que caracterizariam esse laço (Granovetter, 1973). Para este autor, que demonstrou a validade do seu argumento

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para uma variedade de fenómenos e relações entre grupos sociais68, enquanto os laços fortes se apresentam como mais eficazes na promoção de fluxos de informação sobre actividades dentro de um determinado grupo (fornecendo informação mais redundante, e ligando sujeitos mais semelhantes entre si); os laços fracos são relevantes, na medida em que promovem fluxos de informação sobre actividades fora do grupo ou, mais provavelmente, nova informação, vinda de partes diferentes do sistema social - e podem ser instrumentais, ao assegurar novas oportunidades económicas. Já Levin e Cross (2004), sublinharam que a confiança tem um papel mediador na "força dos laços fracos" - ou, no caso da sua pesquisa particular, na eficácia da transferência de conhecimentos.

E Krackhardt, Nohria e Eccles (2003), ao investigarem o papel das redes na economia

do conhecimento, falaram-nos da "força dos laços fortes". Notando que a intimidade e intensidade relacional são variáveis afectivas difíceis de medir, tal como os serviços recíprocos, enquanto o peso relativo das quatro variáveis referidas por Granovetter para

a força dos laços também foi pouco estudado, propuseram o nome de philos69 para uma

forma de laços fortes (compreendendo interacção, afecto e tempo), e sugeriram que a componente afectiva dos laços fortes dentro de uma organização é importante para compreender a dinâmica das crises e mudanças, nessa mesma organização. O próprio Granovetter (1982) sublinhara anteriormente a importância dos laços fortes - por exemplo, em termos de protecção e redução da incerteza para os sujeitos.

Explorando ainda a contextualização do comportamento económico (ao sugerir as redes sociais como fundamento da nova sociologia económica), Granovetter (1985) propôs uma divergência em relação a duas escolas de pensamento, criticando visões "sobre e subsocializadas da acção humana" (ou substantivistas e formalistas), "paradoxalmente semelhantes" na sua negligência relativamente às estruturas de relações sociais onde o comportamento económico é contextualizado, defendendo que: «o nível de contextualização do comportamento económico é menor em sociedades que não a moderna sociedade de mercado, menor do que acreditam os substantivistas e os teóricos do desenvolvimento, e mudou menos com a "modernização" do que eles acreditam; mas argumento, também, que este nível sempre foi, e continua a ser, mais substancial do que o admitido por formalistas e economistas.» (Granovetter, 1985: 482-483).

Depois de analisar concepções sobre e subsocializadas da acção humana (na economia, sociologia, antropologia, ciência política e história), bem como a relação entre contextualização, confiança e prevaricação na vida económica e o problema dos

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Sendo que grande parte das pesquisas posteriores reafirmaram as suas perspectivas.

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mercados e das hierarquias, este autor ilustrou a importância do conceito de contextualização [do comportamento económico], ao atender ao debate sobre a questão de saber que transacções são levadas a cabo na sociedade capitalista moderna, e que transacções são levadas a efeito no interior de firmas organizadas hierarquicamente: defendeu que a maior parte do comportamento está estreitamente contextualizado em redes de relações interpessoais, focou-se em causas proximais, criticou a interpretação da actividade económica à luz de teorias atomizadas da acção humana e da economia neoclássica, propôs que todos os processos do mercado são sujeitáveis a uma crucial análise sociológica e que as redes intrafirmas permitem verificar, por exemplo, que "o comportamento dos gestores é não só racional e instrumental, movendo-se por objectivos económicos, mas também sociais: como a aprovação, o estatuto ou o poder" (Granovetter, 1985: 506).