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Capítulo 4: Metodologia

4.4 Passos, Estratégia e Design de Pesquisa

Os passos por nós seguidos, no decurso da investigação, para a qual escolhemos uma abordagem interpretativa e entrevistas semi-directivas em Lisboa, foram os seguintes:

A) Planificação geral da pesquisa;

B) Contactos, no terreno, com a imigração nepalesa em Lisboa;

C) Observação participante (diários de campo), revisão bibliográfica e análise documental, complementadas pela recolha de dados secundários;

D) Quatro entrevistas exploratórias e revisão da planificação geral da pesquisa; E) Formulação de guiões de entrevista específicos e diferenciados, para empresários

e trabalhadores nepaleses em Lisboa;

F) Realização de seis entrevistas-piloto, a empresários e a trabalhadores nepaleses em Lisboa;

G) Reformulação dos guiões de entrevista;

H) Revisão da planificação da pesquisa e revisão bibliográfica/documental, recolha de dados secundários adicionais;

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J) Transcrição das entrevistas aos 36 empresários nepaleses, e sua codificação; K) Realização de entrevistas, de 1 hora, com 30 trabalhadores nepaleses em Lisboa; L) Transcrição das entrevistas aos 30 trabalhadores nepaleses, e sua codificação; M) Construção de grelhas de análise, para as entrevistas a empresários e

trabalhadores; análise de indicadores, cruzamento de variáveis, e construção de categorias agregadas para os resultados brutos obtidos;

N) Análise qualitativa e quantitativa dos resultados das entrevistas; O) Interpretação dos resultados;

P) Comparação e agregação da totalidade dos dados recolhidos: na revisão bibliográfica e análise documental, na observação participante e nas entrevistas; Q) Comparação dos resultados obtidos com dados de pesquisas respeitantes a outras

imigrações sul-asiáticas em Lisboa, e na Europa; R) Conclusões a partir dos resultados, e sua verificação; S) Implicações da pesquisa e vias de indagação futuras.

4.4.2 Estratégia de Pesquisa

A estratégia de pesquisa adoptada foi qualitativa e quantitativa (Krathwhol, 2004; Bryman, 2015), e o paradigma escolhido foi interpretativo104 - embora com algumas influências baseadas na teoria crítica associada à escola de Frankfurt105 e ao pensamento de Habermas106 (nomeadamente, à sua utopia de uma "situação discursiva ideal": onde todos têm acesso à informação e ao debate público). A teoria crítica em sociologia pode, no entanto, ser acusada de reducionismo socio-histórico, retirando-se para o domínio do meramente filosófico (Honneth, 1987). Assim, a nossa escolha teve que ver com o facto de o paradigma interpretativo abrir a janela do relativismo cultural, e compreender cada cultura nos seus próprios termos, considerando a realidade como socialmente construída e múltipla, tendo por objectivos a compreensão e o estabelecimento de predições fracas (Pizam e Mansfeld, 2006). Entre as assumpções subjacentes ao interpretativismo, contam-se, ainda, as seguintes: a) considera o significado e a acção como objectos

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Cf. Weber (1904-17), Schutz (1932), Gadamer (1960), Wilson (1970), Giddens (1984), Winch (1970, 1990). Apesar de o paradigma interpretativo enquadrar abordagens que podem ir, mais ou menos, além da própria interpretação do actor, e que podem ver a interpretação como, mais ou menos, problemática: desde o interaccionismo simbólico e a sociologia Weberiana (o significado é interpretado a um nível de senso-comum), até ao estruturalismo, à sociologia fenomenológica, à hermenêutica e à etnometodologia.

105 Cf. Adorno (1950), Horkeimer (1937, 1972), Marcuse (1955), Löwenthal (1926-68) ou Fromm (1922-

79) e Held (1980). Partindo do princípio de que uma sociedade que exclua grupos imigrantes da participação económica ou política mainstream é uma sociedade, em certa medida, "irracional".

106 Cf. Knowledge and Human Interests (1968), Legitimation Crisis (1973) e Communication and the

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primordiais da sociologia; b) o foco de interesse situa-se naquilo que é específico, único e desviante; c) o conhecimento gerado é relativo (ao tempo, contexto, cultura, valor associado); d) baseia-se em significados; e) a relação sujeito/investigador é interactiva, participativa, cooperativa; e f) a informação desejada centra-se naquilo que os indivíduos pensam e fazem, no tipo de problemas com que são confrontados e nas formas de lidar com eles (Pizam e Mansfeld, 2006). Já a teoria crítica, encara a realidade como interactiva, comparticipada e histórica, e coloca ênfase na relação dialéctica entre teoria e prática, emergindo as suas construções teóricas de forma cooperativa, e sendo a recolha de dados feita em co-gestão. O Quadro XXIV (Anexo 2) sintetiza, em termos metodológicos, as diferenças fundamentais entre interpretativismo, paradigma crítico e positivismo107.

Seleccionado o paradigma com os critérios mais apropriados e um sistema descritivo de registo de observações (Evertson e Green, 1986: 169-171; Lessard-Hebert et al., 1990: 144-145), procedemos a um afunilamento progressivo do objecto da pesquisa, focando-nos, concretamente, em questões ligadas ao empresarialismo da imigração nepalesa em Lisboa. Após pesquisa bibliográfica orientada e documental (incluindo notícias nos mídia sobre imigração nepalesa em Portugal), recolha de dados secundários (junto de fontes como INE, SEF, ACIDI/ACM, MAI, OCDE, Censos em Portugal e no Nepal, CBS-Nepal, CNSUK-Reino Unido, COMPAS-Reino Unido, Banco Mundial, ou EUROSTAT108), e trabalho etnográfico desenvolvido nos bairros lisboetas com mais imigração nepalesa, foram delineados os primeiros guiões de entrevista, e realizadas entrevistas exploratórias. Afinados os guiões e feitas as entrevistas-piloto, começámos por efectuar as entrevistas semi-estruturadas definitivas, de uma hora, a 36 empresários nepaleses em Lisboa, sua transcrição e codificação. Prosseguimos com 30 entrevistas semi-estruturadas, de uma hora, a trabalhadores nepaleses. Após transcrição e codificação destas últimas, houve análise indutiva e dedutiva dos indicadores recolhidos, cruzamento de variáveis, análise de dimensões, e alguma pesquisa de correlações. Por fim, procedeu-se à interpretação de resultados e verificaram-se as conclusões retiradas. Os dados recolhidos permitiram apresentar um modelo próprio para o empresarialismo nepalês em Lisboa, que ponderasse os recursos étnicos

107 Vemos que o positivismo, por seu turno, é empírico-analítico, objectivista e racionalista, vê a teoria

como norma para a prática, é interventivo, hipotético-dedutivo e gera conhecimento baseado em leis nomotéticas.

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envolvidos na criação e desenvolvimento dos negócios nepaleses, e igualmente para as redes sociais migrantes envolvidas.

4.4.3 Design de Pesquisa

Tivemos em conta a complementaridade de métodos no desenho da pesquisa, tendo realizado:

 Pesquisa bibliográfica e documental. Sobre questões de sociologia económica, migrações e transnacionalismo, e sobre outras imigrações sul-asiáticas e nepalesas, na Europa e no mundo; recolha de notícias nos mídia, em Portugal e no Nepal, por meio de pesquisa arquivística e online109, relacionadas com a imigração nepalesa em Portugal; assim como recolha de relatórios sobre imigrações, produzidos por entidades estatais, e dados secundários (estatísticos).

 Observação participante e diários de campo. A observação participante foi activa, no sentido de Evertson e Green (1986), com registo dos dados após o período de observação, e não passiva/durante a observação, excepto nos casos das fotos e vídeos, realizados em eventos comunitários (Lessard-Hebert et al., 1990: 151).

 Entrevistas exploratórias (quatro): com dois trabalhadores e dois empresários nepaleses em Lisboa.

 Entrevistas-piloto (seis): com três trabalhadores e três empresários nepaleses em Lisboa.

 Entrevistas individuais, presenciais e semi-directivas, de uma hora, com 36 empresários e 30 trabalhadores nepaleses em Lisboa (realizadas em inglês, e com consentimento informado). Todas as entrevistas tiveram duração média de uma hora, e foram realizadas até à saturação dos dados recolhidos - parámos de colocar questões quando conseguimos entrevistar, tanto grandes, quanto pequenos empresários, e as informações recolhidas se repetiam; ou quando conseguimos entrevistar um número equivalente de mulheres e homens trabalhadores, em Lisboa. E quando sentimos que os dados fornecidos pelos entrevistados eram redundantes, ou já não acrescentavam informações novas relevantes, ao nosso estudo. As entrevistas também servem para

109 Além de existirem muitos jornais online da diáspora nepalesa, publicados em inglês ou nepalês e com

sedes em vários países da Europa, foi-nos possível pesquisar as publicações diárias dos principais jornais nepaleses, na sua versão online, em versões inglesas, ou com software e browsers de tradução automática a partir do nepalês. São exemplos o NepaliPatra, The Kathmandu Post, Kathmandu Tribune, Nepali Times, The Himalayan Times, Kantipur, Annapurna Post, Republica, entre outros. Para publicações portuguesas, consultámos a Hemeroteca e arquivos digitais online, construindo pastas em Mendeley com os dados recolhidos.

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contrariar alguns enviesamentos da observação participante, como o maior ou menor etnocentrismo do observador (Werner e Schoepfle, 1987: 78, cit. por Lessard-Hebert et al., 1990: 155).

 A amostragem foi não-probabilística, usando o sistema bola-de-neve. As amostras de empresários e trabalhadores nepaleses utilizadas foram amostras por conveniência, aproximadas (não eram representativas, porque não eram aleatórias), onde os primeiros entrevistados indicavam outros imigrantes a serem ouvidos. Apesar disso, foram amostras diversificadas em termos étnico-linguísticos, religiosos, nas origens geográficas-regionais dos entrevistados, no número de anos vividos em Portugal (desde 1, até 24 anos), nos estados civis e idades (indivíduos de nacionalidade nepalesa, com mais de 18 anos e menos de 65 anos), nos níveis educativos (desde o ensino secundário incompleto até ao pós-doutoramento, embora com sobrerrepresentação de trabalhadores e empresários nepaleses que frequentaram a universidade, ou cursos técnico- profissionais de nível superior); nos sectores de actividade (embora com clara prevalência do sector terciário), e nas trajectórias migratórias seguidas (desde sujeitos vindos directamente do Nepal; até outros, vindos dos países do Golfo Pérsico; ou de certos países na Europa, onde haviam morado anteriormente). A amostra de trabalhadores nepaleses foi equitativa, em termos de distribuição por sexos, o que não sucedeu com a amostra de empresários nepaleses (onde, em 36 entrevistados, só três eram mulheres). Isto deveu-se a uma certa dificuldade em encontrar mulheres nepalesas empreendedoras em Lisboa - a maior parte das mulheres imigrantes exerciam empregos subordinados, sendo que as empresárias estavam, comparativamente, há mais tempo em Portugal, eram fluentes em português, possuíam boas redes de suporte, eram mais qualificadas, e tinham estabelecido família nuclear no país. A amostragem não- probabilística por conveniência tem algumas vantagens, e desvantagens: mesmo não permitindo fazer inferências para a população (devido às fontes de possível enviesamento e à sua não-representatividade para a população), as unidades amostrais são, em geral, acessíveis e cooperantes, além de que ela consome menos tempo e é menos dispendiosa.

 Gravação, reprodução e transcrição das entrevistas, com tradução simultânea inglês-português.

 Codificação dos dados, seguindo o enquadramento analítico previamente delineado: características sociodemográficas gerais de trabalhadores e empresários entrevistados, fontes de financiamento, investimento, fornecedores e clientes dos

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empresários, condições de trabalho e ambiente de trabalho dos trabalhadores, colegas e supervisores dos trabalhadores, modos de recrutamento dos empresários, trajectos migratórios de empresários e trabalhadores, sectores de actividade de empresários e trabalhadores, redes de sociabilidade de empresários e trabalhadores, relações de género e adaptação no destino dos trabalhadores, relações com o Nepal e com outros países europeus dos empresários e trabalhadores, e ajuda ao desenvolvimento do Nepal pelos empresários.

 A análise de conteúdo foi auxiliada com recurso a software MAXQDA - Versão 2018. O método das entrevistas foi complementado pelo uso de software, para análise qualitativa e quantitativa, das características dos entrevistados e conteúdo geral das entrevistas (códigos, temas, dimensões, categorias, variáveis, e estatísticas em análise).