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Capítulo 2: Transnacionalismo

2.1 Transnacionalismo, Desterritorialização e Novas Formas de Transnacionalismo Migrante

2.1.2 Novas Formas de Transnacionalismo Migrante

Neste subponto, abordaremos alguns tópicos-chave distintivos das novas formas de transnacionalismo migrante, e iniciaremos uma discussão sobre as características dessas novas formas, em particular em comunidades imigrantes asiáticas, ou nepalesas. À luz das análises prévias, facilmente perceberemos que a globalização proporcionou alterações nos processos de transnacionalismo migrante, com consequências de amplo alcance, a nível político, social e económico-financeiro. Neste sentido, a amplitude ou extensão, forma, grau e tipo de transnacionalismo verificado sofreu modificações (em parte, porque os ambientes de origem e de destino se alteraram, igualmente), e terá

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resultado numa maior heterogeneidade, pelo menos dentro de uma fatia das imigrações possuindo um mesmo país como ponto de partida. Basch, Glick Schiller e Szanton Blanc (1994) demonstraram que muitos imigrantes, mesmo se investindo nos EUA, continuavam a participar na vida quotidiana da sociedade de origem: os migrantes transnacionais eram, assim, "pessoas com os pés em duas sociedades" em simultâneo (Chaney, 1979). Estas trocas recíprocas originam influências bidireccionais. Novas e velhas gerações de imigrantes continuavam a manter laços através de fronteiras, fossem eles estabelecidos por via de remessas, negócios e investimentos, comunicações de vária ordem, migração de retorno ou laboral/sazonal, entre outros múltiplos contactos (Foner, 2000; Morawska, 2001). Não obstante, as novas formas de acumulação do capital, desenvolvimentos tecnológicos e comunicacionais, terão proporcionado uma diferenciação - no mínimo, ao nível da escala - dos laços transnacionais estabelecidos pelas gerações mais recentes (Glick Schiller, 1999; Portes, Guarnizo, Landolt, 1999). Glick Schiller (1999) propôs encarar a migração transnacional e suas configurações, como roteiro para a pesquisa da migração, atravessando as fronteiras dos Estados-Nação - ao considerar, precisamente, que os transmigrantes desenvolvem redes de relações ligadas, simultaneamente, a dois ou mais Estados.

Uma dessas novas formas de transnacionalismo migrante tem um carácter mais acentuadamente económico: surge associada às novas maneiras de remeter capital e à amplitude das remessas enviadas, ao tipo e grau de empreendedorismo inovador e à extensão verificável, bem como às formas indagáveis, de modificação dos arranjos institucionais na origem e no destino. Estas novas formas de transnacionalismo económico migrante são operacionalizadas, quer por meio de empresas étnicas transnacionais híbridas, quer por via de negócios que ligam comunidades étnicas transnacionais umas às outras, e ao país de origem. Os processos de aculturação, por exemplo, geram crenças, normas e comportamentos híbridos que são transportados para as instituições - na origem, como no destino; como, até, em países terceiros. Ainda reportando-nos às novas formas de transnacionalismo migrante económico, deveremos considerar os estilos correntes de inserção dos migrantes no mercado global e na classe trabalhadora mundial.

Adicionalmente, distinguem-se novas formas de transnacionalismo migrante de natureza política e de cariz sociocultural. As novas formas de transnacionalismo sociocultural caracterizam-se pela amplitude e extensão do envio de remessas sociais, e pela construção faseada de campos sociais transnacionais, mais ou menos vastos, e teias

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complexas de laços fortes e fracos, que atravessam fronteiras. Aqui, a multiplicação de associações e organizações étnicas desempenha um papel muito relevante, assim como a localização da rede de segurança pessoal dos migrantes, e a retoma e modificação dos seus laços, através do tempo e do espaço. Estes campos sociais transnacionais envolvidos, como dissemos antes, nas novas formas de transnacionalismo migrante sociocultural, efectivam-se através de uma troca de ideias, símbolos, práticas, rituais, significantes e significados - troca, essa, que pode variar em extensão, amplitude, modo, grau e tipo. É assim que, campos sociais transnacionais com trocas mais intensas e frequentes, gerarão formas originais de transnacionalismo migrante sociocultural. As novas formas de transnacionalismo migrante político, por seu turno, aparecem associadas à dispersão alargada de ideologias, às diversas modalidades de intervenção possível (nas esferas públicas administrativa, legislativa, executiva ou governamental - mesmo que à distância), e aos tipos, graus e conformações de pertença a partidos políticos, organizações, think tanks e outros grupos activistas na diáspora, ou ligando a diáspora entre si, e a diáspora à origem. Estas novas formas de transnacionalismo migrante político dizem respeito, não esqueçamos, ao modo, extensão e amplitude pelos quais o aparelho de Estado e as elites migrantes, de uma dada origem, operam a sua própria transnacionalização. Autores diversos descreveram novas formas de transnacionalismo em comunidades migrantes asiáticas, incluindo empresas étnicas transnacionais híbridas e campos sociais transnacionais ligando continentes, politizações do processo migratório e misturas religiosas na diáspora, o surgimento de instituições híbridas ou nichos profissionais, o transporte de entendimentos, comportamentos, sistemas de castas e sistemas patriarcais através de fronteiras, o desenvolvimento de profissões "etnicizadas", ethnoscapes e fenómenos de activismo civil transnacional grassroots - descreveremos estes processos em detalhe mais adiante, nos Capítulo 5 a 8.

De forma sintética, finalizaremos este ponto 2.1 sublinhando que o transnacionalismo migrante está ligado a reconfigurações dos processos de globalização e a transmutações na construção dos Estados-Nação. As relações globais intensas e complexificadas que enquadram actividades transnacionais coexistem com relações e estruturas trans-Estatistas regionais, e com ondas periódicas de sentimentos nacionalistas aumentados, ou de vigores proteccionistas renovados. Os processos de desterritorialização surgem associados aos fenómenos de globalização (que testam as fronteiras e legitimidade dos Estados-Nação) e ao transnacionalismo - muito embora as

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práticas enquadradas deste, e as conexões entre os níveis local-regional-global que ele promove, questionem a desterritorialização como um conceito absoluto. Quanto às novas formas de transnacionalismo migrante (ponto 2.1.2), podemos concluir que elas se diferenciam, grosso-modo, em novas formas de transnacionalismo político48, económico e sociocultural.

O ponto 2.1 deu-nos ideia de diversos aspectos a ter em consideração, ao analisarmos a imigração nepalesa em Lisboa e os laços por ela estabelecidos: tipo de actividades transfronteiriças desenvolvidas, sua qualidade e amplitude, forma e grau, saber se o transnacionalismo ocorre from above e/ou from below, se há copresença de nacionalismo de longa-distância, villageness de longa-distância e "trans-Estatismo", além de se registar, ou não, transnacionalismo. Esperamos poder examinar os campos sociais transnacionais nepaleses, bem como as relações entre os processos de transnacionalismo nepalês, os Estados-Nação envolvidos (Portugal/Nepal) e os processos de capitalismo global. Deveremos adoptar, como referência, o quadro analítico para o transnacionalismo proposto por Szanton Blanc, Basch e Glick Schiller (1995b). Descreveremos a heterogeneidade dentro da comunidade nepalesa em Lisboa, a frequência dos engajamentos registados nas actividades transnacionais nepalesas, e poderemos destrinçar entre actividades transfronteiriças nepalesas multinacionais, internacionais, globais e transnacionais. Questionaremos o papel da long-distance

villageness e de uma integração de identidade multilocalizada na imigração de Lisboa.

Finalmente, poderemos comparar como é que os modelos de transnacionalismo verificados na imigração de Lisboa se diferenciam de modelos de transnacionalismo na mesma imigração (no passado), e de modelos verificados noutras imigrações nepalesas espalhadas pelo mundo.