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Indústrias Criativas o lado economicista da criatividade

A origem do termo “indústrias criativas” é relativamente recente. Surgiu em 1994, na Austrália, com o lançamento do relatório Creative Nation. Neste relatório defendia-se a importância do trabalho criativo, a sua contribuição para a economia do país e o papel das tecnologias como aliadas da política cultural.

Mas foi em 1997 que o conceito ganhou maior visibilidade, quando passou a ser inserido nas políticas definidas pelo Departamento da Cultura, Média e Desporto, do Reino Unido (United Kingdom’s Department of Culture, Media and Sport - DCMS), com a criação do Creative Industries Task Force.

Segundo a definição do DCMS (1998), as indústrias criativas são as que têm a sua origem no talento e na aptidão criativa individual, e que têm um potencial para a criação de emprego e de riqueza, através da geração e exploração da propriedade intelectual117.

O DCMS identificou, inserido no contexto das indústrias criativas, 13 setores de grande potencial económico que incluem publicidade, arquitetura, design, mercados de arte e de antiguidades, artesanato, design de moda, cinema e vídeo, publicações, software, música, artes performativas (teatro, ópera, dança, música ao vivo, mímica e circo), jogos de computador e de vídeo, televisão e rádio (DCMS, 2001).

Outras definições abrangem ainda sectores que envolvem tecnologia de ponta - como a investigação em ciências da vida ou engenharia - o desporto e o turismo cultural.

117 A propriedade intelectual permite às pessoas serem detentoras dos produtos da sua criatividade e exercerem direitos morais e económicos sobre estes. Estes direitos geram incentivos para que as empresas assumam riscos de investimento, pois concedem-lhes o direito exclusivo de explorar e controlar os produtos culturais e criativos que produzem. O direito da propriedade intelectual divide-se em dois ramos principais: 1) Direito da propriedade industrial (marcas comercias, patentes, design, etc.); 2) Direitos de autor (obras arquitetónicas, programas de computador, obras literárias e artísticas, textos jornalísticos, etc.).

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Embora o termo, indústrias criativas, que procura agregar indústrias aparentemente díspares, expresse alguma imprecisão conceitual, com o seu reconhecimento, o governo britânico possibilitou o reordenamento das suas prioridades públicas, de modo a fomentar esses setores com enorme prospeção económica através de parcerias público-privadas, favorecendo, desta forma, uma abordagem economicista em relação à cultura.

Na definição da UNCTAD118, as indústrias criativas são: ciclos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que utilizam a criatividade e o capital intelectual como inputs primários; constituem um conjunto de atividades baseadas no conhecimento, com foco nas artes (mas não se limitando a estas), que potencialmente geram receitas a partir dos direitos de propriedade intelectual e do comércio; são constituídas por produtos tangíveis e por serviços intangíveis intelectuais ou artísticos com conteúdo criativo, valor económico e objetivos de mercado (UNCTAD, 2010).

Nicholas Garnham foi um dos autores a elucidar de que modo os bens culturais como o disco, o filme ou o livro, pelas peculiaridades dos respetivos conteúdos, estão na base da constituição de um campo distinto de análise económica que chega à definição destas indústrias criativas, de acordo com cinco critérios (GARNHAM, 2005):

 reprodutibilidade (há, na origem, um protótipo reproduzido ou difundido a uma escala massificada);

 incerteza (no sentido em que os produtores, por exemplo os editores de livros, têm dificuldade em prever a procura do bem produzido; desenvolvem- se estratégias para captar a atenção do consumidor);

 concentração (no fundo, sejam elas horizontais ou verticais, tratam-se de estratégias com o intuito de minorar a incerteza do mercado, e de conquistar ou reforçar aí a posição da empresa, resultando na criação de economias de escala);

 risco económico (dada a imprevisibilidade da procura, os investimentos iniciais implicam um inevitável risco económico, gerido à luz do seguinte princípio - o sucesso de um best-seller pode contudo colmatar as perdas derivadas de sucessivos fracassos editoriais);

 direitos (há proteção autoral e de reprodução, isto é, existem leis criadas para salvaguardar a propriedade intelectual, os conteúdos criativos).

118 UNCTAD - United Nations Conference on Trade and Development, traduzido, Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento.

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Pode concluir-se, das diversas definições, que a base das indústrias criativas são os indivíduos com capacidades artísticas e criativas que, aliados a gestores e profissionais da área tecnológica, criam e desenvolvem serviços e produtos comerciais cujo valor económico reside nas suas propriedades culturais e intelectuais.

As indústrias criativas são ainda catalisadoras de outros sectores económicos119 e por isso são:

 Transectoriais, porque são moldadas pela ligação entre as indústrias dos média e informação e os sectores cultural e das artes.

 Transprofissionais, porque resultam da união de diversos domínios de empenho ou esforço criativo (artes visuais, ofícios, vídeos, música, entre outros), o que permite o desenvolvimento de bens e serviços através do aproveitamento de novas oportunidades para o uso de novos meios e tecnologias.

 Transgovernamentais, uma vez que este campo de políticas e ações a vários níveis junta uma complexa rede de participantes interessados ou stakeholders – provenientes da cultura, do comércio, da indústria e da educação, só para citar alguns – para a criação e implementação de políticas conjuntas.

O “Relatório sobre Economia Criativa” 120 das Nações Unidas, de 2010, fornece evidência empírica de que as indústrias criativas estão entre os sectores emergentes mais dinâmicos no comércio mundial. O estudo confirma que a recuperação de economias ligadas à criatividade e à cultura é mais rápida que a da tradicional. Embora o comércio global tenha sofrido uma queda de 12% em 2008, o comércio internacional de produtos ligados à economia criativa registou, entre 2002 e 2008, um crescimento médio anual de 14,4%. Os serviços criativos tiveram um crescimento ainda maior no mesmo período, tendo registado uma taxa de crescimento anual de 17,1%, em comparação com 13,5% das exportações dos serviços mundiais. Em 2008 o comércio mundial das indústrias criativas chegou aos 592 biliões de dólares, mais do dobro do registado em 2002.

119 Indústrias criativas - Documento de Trabalho nº 8, Unidade de Coordenação do Plano Tecnológico, 2005.

120 O Relatório de Economia Criativa (“Creative Economy Report 2010 - Creative Economy: A Feasible Development Option”), lançado a 15 de Dezembro de 2010, foi fruto de uma colaboração entre o UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development) e o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). O relatório apresenta um estudo sobre o comércio de produtos e serviços criativos no mundo. É o segundo estudo em profundidade sobre este tópico realizado pelas Nações Unidas, o primeiro foi publicado em 2008.

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O mesmo estudo refere que a exportação de bens criativos dos países em desenvolvimento para o mundo representou 43% do comércio total de indústrias criativas, com uma taxa de crescimento anual de 13,5%, no período de 2002 a 2008. Este facto confirma que as indústrias criativas são importantes e que têm potencial para desenvolver países que pretendem diversificar as suas economias.

Segundo o estudo, os segmentos que compõem as indústrias criativas são geralmente formados por pequenas unidades de negócio, mais ligadas à economia informal e concentradas nos segmentos mais pobres. O que possibilita que estas indústrias se transformem num veículo mais efetivo para iniciativas cujo foco é a erradicação da pobreza, ajudando a diminuir as desigualdades sociais.

O reconhecimento da relação entre o capital criativo, a competitividade e a qualidade de vida, levou a que as indústrias criativas fossem consideradas fatores económicos relevantes, que devem ser ponderados na viabilidade das cidades.

Estas indústrias contribuem para a regeneração social e económica, e para a própria identidade das cidades. A produção e distribuição de bens criativos e as atividades culturais podem gerar oportunidades de negócio e de emprego e fomentar a coesão social e a interação da comunidade.

Richard Florida e Charles Landry consideram que as cidades criativas e as indústrias criativas se relacionam de forma simbiótica. As indústrias criativas geram, normalmente, um ambiente estimulante e de abertura, que atrai outras atividades e classes ligadas ao conhecimento, que por sua vez são exigentes ao nível da qualidade de vida.

Assim, as indústrias criativas contribuem para o tecido social de uma cidade, para a diversidade cultural e para melhorar a qualidade de vida, e também reforça o sentido de comunidade e ajuda a definir uma identidade comum.

Um número crescente de cidades em todo o mundo tem vindo a adotar este conceito com o intuito de revitalizar o crescimento socioeconómico, incentivando a utilização das capacidades criativas e atraindo trabalhadores criativos.

Generalizou-se a regeneração urbana associada ao conceito de cidades criativas, principalmente nas cidades pós-industriais. De facto, um dos objetivos das estratégias de desenvolvimento baseadas na criatividade tem sido a revitalização de zonas industriais degradadas, transformando-as em pólos culturais e criativos.

Como resultado, assiste-se a uma proliferação das chamadas cidades criativas, principalmente na Europa, na América do Norte e na Ásia Oriental.

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As Cidades Criativas