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Landry as cidades criativas e o seu índice

Charles Landry 128, considerado um dos investigadores urbanos mais importantes da atualidade e um dos principais teóricos das cidades criativas, argumenta que as cidades têm um recurso crucial: as pessoas. E que a inteligência, os desejos, as motivações, a imaginação e a criatividade estão a tornar-se recursos urbanos.

Landry (2000) afirma que: “Hoje, muitas das cidades do mundo enfrentam

períodos de transição em grande parte resultantes do impacto da globalização. Essas transições variam de região para região. Em áreas como a Ásia, as cidades estão a crescer, enquanto em outras, como a Europa, as velhas indústrias estão a desaparecer e o valor acrescentado nas cidades é criado menos através do que é fabricado e mais através de capital intelectual aplicado a produtos, processos e serviços".

Charles Landry referiu, simplificando, que o termo “cidade criativa” tem sido usado de quatro maneiras diferentes:129

 A cidade criativa como arte e infraestrutura cultural - Muitas das estratégias e planos das cidades estão preocupados com o fortalecimento das artes e do tecido cultural.

 A cidade criativa como economia criativa - Cada vez mais, existe um enfoque no fomento das indústrias criativas ou na economia criativa, que é visto como uma plataforma para o desenvolvimento da economia e inclusive da cidade (na sua essência, existem três domínios principais: as artes e o património cultural, as indústrias de média e de entretenimento e os serviços criativos).

 A cidade criativa como sinónimo de uma forte classe criativa - Richard Florida ao introduzir o termo "classe criativa" criou uma importante

128 O britânico Charles Landry (nascido em 1948) tornou-se uma das maiores autoridades no tema

“cidades criativas”. É formado em economia política e trabalha em projetos de urbanismo. É autor de livros mundialmente conhecidos como The Creative City: A Toolkit for Urban Innovators (2000), The Art of City Making (2006) e The Intellectual City (2007). Foi pioneiro ao fundar, em 1978, a empresa de consultoria Comedia, especializada em transformações urbanas, criatividade e cultura. Vários indivíduos como Ken Worpole, Franco Bianchini, Phil Wood, Peter Hall, Geoff Mulgan, Jude Bloomfield, Naseem Khan contribuíram para o Comedia. A perspetiva cultural é central no trabalho de Landry. O seu objetivo é ajudar as cidades a identificar e tirar o máximo partido dos seus recursos, e a alcançarem o seu potencial, despoletando a sua criatividade e o seu espírito de abertura. Já completou cerca de 200 trabalhos para uma variedade de clientes públicos e privados, trabalhou em centenas de projetos e deu palestras em quase 50 países em todos os continentes.

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mudança conceptual, ao se centrar no papel criativo das pessoas na “era

criativa”.

 A cidade criativa como um lugar que promove uma cultura de criatividade - a noção de cidade criativa é mais abrangente do que a de economia criativa e classe criativa. Esta noção encara a cidade como um sistema integrado de múltiplas organizações e uma amálgama de culturas nos sectores público, privado e comunitário.

No livro The Creative City, o autor afirma que existem uma série de pré- requisitos para que uma cidade se possa considerar verdadeiramente uma cidade criativa.

Identifica sete fatores: qualidades pessoais (indivíduos criativos); vontade e liderança; diversidade humana e acesso a talentos variados; cultura organizacional; identidade local; espaços e infraestruturas urbanas; e dinâmicas de networking. Uma cidade pode ser criativa se se verificarem apenas alguns destes fatores, no entanto a sua capacidade criativa só funcionará no seu melhor quando todos eles estiverem presentes. Para além disso, o autor defende que as cidades criativas são lugares que contêm as condições necessárias (em termos de infraestruturas de “hard” e “soft”) para gerar fluxos de ideias inovadoras: “A cidade criativa requer infraestruturas para além do

hardware - edifícios, estradas ou redes de esgoto. A infraestrutura criativa é uma combinação do “hard” e do “soft”, incluindo, também, a infraestrutura mental (…). A infraestrutura “soft” deve incluir: trabalhadores altamente qualificados e flexíveis; pensadores dinâmicos, criadores e executores; ligações de comunicação fortes, internamente e com o mundo exterior; e, no geral, uma cultura de empreendedorismo se esta é aplicada para fins sociais ou económicos” 130.

Numa entrevista 131, Landry afirma que “a revitalização de uma cidade é uma

arte” e considera que para que isso aconteça com êxito muito depende das forças

individuais de um lugar e da vontade das lideranças locais para promover mudanças. Declara que “o objetivo deve ser o estabelecimento de uma infraestrutura

cultural”, mas alerta que a criatividade também é necessária na administração.

Quando questionado sobre qual a cidade europeia que tira melhor partido dos seus recursos humanos referiu a cidade de Barcelona, pois “esta cidade combina de

130 Texto de Charles Landry in UNCTAD, Creative Economy Report 2010, pág.14.

131 Entrevista a Charles Landry concedida a Erich Follath, para a Revista Spiegel, publicada originalmente em http://www.spiegel.de/international/europe/0,1518,503211,00.html, edição de 31/08/2007, intitulada "A revitalização de uma cidade é uma arte".

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uma maneira quase perfeita as suas vantagens naturais com atracões culturais, parques tecnológicos e oportunidades educacionais de excelência”; e Dublin, “que consegue alcançar uma combinação de complexidade, tolerância e talento artístico, e faz questão de não dedicar todas as partes da cidade à indústria do turismo. Às vezes, a criatividade também significa abrir mão de lucros de curto prazo e simplesmente dizer não”.

Ainda na mesma entrevista, ao referir-se ao multiculturalismo nas cidades menciona Londres, onde “as diferentes culturas convivem e interagem entre si,

estimulando-se mutuamente”, e Amesterdão, em que a “variedade de culturas contribui para o alto nível de “loucura” da cidade”.

Ao ser questionado acerca das cidades alemãs, Landry destaca Hamburgo e o projeto arquitetónico “Elbe Philharmonic Concert Hall”, dizendo que este será o novo

“símbolo” da cidade. Na sua opinião este edifício, “arquitetonicamente tão impressionante”, será uma nova e importante atração que fará com que Hamburgo se

distinga de outras cidades. No entanto, Landry afirma que o mais importante é que as atividades que se desenvolverem posteriormente não devem limitar-se ao edifício, o

“Elbe Philharmonic Concert Hall” deve simbolizar um “estado de espírito” geral no

sentido do rejuvenescimento criativo.

Charles Landry considera que a regeneração de uma cidade e a renovação da cidadania passa pela atividade cultural, melhorando a imagem local, reforçando a coesão social e potenciando a criação de parcerias público-privadas. A construção do lugar, tendo por base projetos interativos e colaborativos através da cultura, converte-se no elemento estratégico de desenvolvimento da identidade e da dinâmica da cidade. Para Landry, nas cidades criativas existe: uma cultura desenvolvida e diversificada, criatividade, identidade, comunitarismo urbano e inovação arquitetónica.

Landry e o seu colega Jonathan Hyams desenvolveram, em 2012, o Índice da Cidade Criativa 132, no qual se destacam dez dos sectores que foram analisados, que são definidos como os sectores de maior intervenção e implementação para o desenvolvimento de uma cidade criativa:

 Sistema de educação e formação: a primária, o secundário, a universidade, o desenvolvimento profissional e a aprendizagem ao longo da vida;

132 Landry, Charles and Hyams, Jonathan, The Creative City Index: measuring the pulse of the city, Comedia, London, 2012

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 Indústria e negócios: as pequenas e médias empresas, as grandes empresas e os grandes grupos económicos, sector industrial e comercial alternativo, start

up’s e clusters;

 Administração pública e seus órgãos;  Profissionais nas comunidades do design;  Saúde e serviços sociais;

 Transporte e mobilidade;

 Sector comunitário e voluntário: sociedades locais e associações de ação social;

 Cultura, artes e gastronomia;

 Lazer, desporto, indústria de alojamento e instituições de turismo;  Indústria de média e comunicação

Cada um destes sectores é avaliado conforme dez indicadores-chave ou critérios- base de avaliação de um lugar criativo:

 Quadro político e público: numa cidade criativa estas instituições deveriam ser proactivas, transparentes e éticas, as suas estruturas horizontais e linhas orientadoras a nível cooperativo e departamental, remetendo as burocracias para o mínimo possível. Isto traduz-se também num impulso a uma sociedade mais saudável pela grande interação entre o sector público e privado;

 Distinção, diversidade, vitalidade e expressão: num ambiente criativo verifica-se uma demarcada identidade e dinamismo entre os cidadãos, sendo estes mais auto conscientes e orgulhosos e ao mesmo tempo com uma mentalidade mais aberta no que diz respeito a influências quer internas quer externas. A expressão das ideias e os debates são encorajados nestes meios;  Abertura, confiança, tolerância e acessibilidade: de modo a ser considerada

criativa, a cidade deve ter uma mentalidade aberta, abraçando/acolhendo pessoas de muitas outras partes do mundo. A abertura traduz-se na forma como as instituições e entidades se organizam de modo a facultar a criação de um ambiente em que as oportunidades surgem mais facilmente. A sua abordagem multicultural foca-se na partilha de experiências entre as pessoas enriquecendo ainda mais a própria cultura da cidade;

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 Empreendedorismo, exploração e inovação: este tipo de ambiente favorece o empreendedorismo, pois existem incentivos e prémios que distinguem a inovação. Mesmo a nível académico há grande investimento na pesquisa de novas ideias e a sua concretização em serviços e produtos úteis aos habitantes;

 Liderança estratégica, agilidade e visão: existem profissionais qualificados e dinâmicos em cada sector, o que se traduz num grande sentido de visão para o local. A liderança é inspiradora, as pessoas identificam-se com as ideias e projetos dos seus líderes, havendo uma grande parceria entre o sector público e privado na tomada de decisões;

Desenvolvimento do talento e learning landscape: grande valorização do conhecimento e aprendizagem, havendo incentivo e reconhecimento dos talentos individuais. As próprias pessoas, independentemente da sua idade, apreciam o desafio de aprender cada vez mais e de se auto melhorarem;  Comunicação, conectividade e networking: locais bem conectados interna e

externamente de forma física ou virtual. Baixa disparidade social, elevada qualidade dos sistemas de transporte e infraestruturas tecnológicas. Grande investimento dos habitantes para aprender outros idiomas de modo a facilitar a sua interação;

 O lugar e a construção do lugar: os lugares criativos usam as suas ferramentas principais para se tornarem especiais, através das suas capacidades coletivas, tecnológicas e particularidades. O ambiente criado é centrado nos seus habitantes tendo sido sensivelmente concebido e aplicado, impulsionando a interação humana pela remoção de barreiras físicas;

 Habitabilidade e bem-estar: estas cidades caraterizam-se por uma elevada qualidade de vida. São proporcionadas boas condições de saúde, habitação e sociais, verificando-se um grande espírito de comunidade que se traduz num grande respeito e confiança na liderança;

Profissionalismo e eficácia: nestes locais existe um grande orgulho no profissionalismo e na realização de qualquer atividade com elevada qualidade, desta forma os locais criativos funcionam bem, as coisas acontecem e os objetivos são atingidos. Os padrões são bastante elevados

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mas os trabalhadores são frequentemente reconhecidos pelo seu bom desempenho.

“A cidade criativa”, defende Landry que “necessita de perceber as ferramentas

da competitividade urbana, tais como a capacidade das suas redes, a sua riqueza e profundidade cultural, a qualidade da sua administração, a consciência do design e a compreensão de como utilizar o seu conhecimento simbólico e percetivo e consciência ambiental” (LANDRY, 2006).

No limite, como adverte o próprio Charles Landry (2005), a inflação a que se vem assistindo no uso do termo “cidade criativa”, sobretudo quando esse uso se reduz a efeitos de propaganda e marketing, arrisca-se a esvaziar de sentido a própria noção e o potencial de intervenção transformadora que ela pode encerrar no plano prático, transformando-a num mero slogan, descartável e substituível a qualquer momento por um outro mais apelativo. O mesmo, de resto, poderá dizer-se relativamente à fórmula mais geral da utilização instrumental da cultura como motor da regeneração urbana, de que a retórica da cidade criativa parece ser apenas uma nova, e ampliada, versão.

A questão essencial parece na verdade residir nos equívocos e nos efeitos de ilusão gerados pela generalização do reconhecimento de que a cultura é hoje um ingrediente fundamental da competitividade e do desenvolvimento económico e social dos territórios.

Retomando a advertência de Charles Landry, o risco é que, no quadro destas políticas, a cultura se torne mais num slogan do que num objetivo a promover efetivamente, pervertendo-se com isso quer o desenvolvimento cultural dos territórios e das comunidades, quer o desenvolvimento mais amplo de que estes carecem, seja por via da cultura ou por outra via qualquer.

UNESCO