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1.1 Contexto da Tese

1.1.4 Indicadores fitológicos da qualidade do ar

O uso de biotestes na avaliação da toxicidade de uma amostra é muito importante, tanto do ponto de vista legal quanto ecológico, pois muitas vezes, a determinação química das substâncias encontradas em uma determinada amostra não é suficiente para dar as informações a respeito dos seus efeitos em organismos vivos (CALOW e SIBLY, 1990; PFLEEGER et al., 1991).

Os métodos envolvendo biotestes, combinados com metodologia química, permitem a identificação e avaliação dos efeitos tóxicos das substâncias químicas nos organismos vivos (CALOW, 1989; HOFFMAN, 2003), sendo que os efeitos dos contaminantes/poluentes na matéria viva se traduzem, mais cedo ou mais tarde, na variação da biomassa (CALOW e SIBLY, 1990). Assim, os sistemas vivos, respondem de forma integrada, com reações específicas a todas as intervenções e perturbações diretas ou indiretas causadas por substâncias nocivas que podem alterar suas biomassas (ENDRESS et al., 1980; GASPAR et al., 1982), o que tem por consequência possíveis mudanças na estrutura e no funcionamento dos ecossistemas (CALOW e SIBLY, 1990).

Um desafio permanente na área da Ecotoxicologia é o desenvolvimento de métodos que possam não só avaliar o impacto das substâncias químicas em uma grande variedade de ecossistemas complexos, como também predizer/estimar o efeito ecológico potencial destas substâncias em circunstâncias diversas, pois muitas vezes, não só substâncias químicas provocam respostas fisiológicas, visto que mudanças climáticas/meteorológicas também podem afetar a fisiologia dos organismos (ERNST e PETERSON, 1994; BAIRD e ALLEN BURTON Jr., 2001).

Existem várias estratégias para controlar a poluição atmosférica, mas a vegetação proporciona uma das melhores maneiras naturais de limpar a atmosfera, fornecendo uma área foliar enorme de interação, podendo ocorrer a absorção e acumulação de poluentes nas superfícies foliares (ESCOBEDO et al., 2008).

Para ilustrar a aplicabilidade do uso de vegetais em estudos ambientais, cita-se a seguir alguns estudos desenvolvidos recentemente no Brasil. Em São Paulo, estudos mostraram que a porcentagem da área da folha de Nicotiana tabacum ‘BelW3’ afetada pela necrose não foi estritamente relacionada com a concentração de contaminantes atmosféricos e que as condições meteorológicas também afetaram a fisiologia da espécie vegetal (SANT’ANNA et al., 2008), enquanto que outros estudos relacionam problemas de saúde pública (incluindo riscos genotóxicos) com a qualidade do ar (SANTOS et al., 2008; SAVÓIA et al., 2009).

Contudo, o compartimento atmosférico é pouco contemplado nos estudos ecotoxicológicos, mas já existe conhecimento bem detalhado de como os vegetais podem ajudar na avaliação do impacto ambiental causado pelos contaminantes/poluentes atmosféricos. Assim, de acordo com De Temmerman et al. (2015), os principais atributos que as plantas apresentam para serem usadas como organismos bioindicadores são:

- As plantas apresentam uma resposta integrada ao ambiente contaminado/poluído, fornecendo informações até sobre a potência de misturas poluentes complexas, reagindo apenas à parte efetiva de uma dada variação da situação de poluição.

- As plantas reagem a uma carga de poluição do ar ambiente (muitas vezes com um padrão fortemente flutuante) com uma reação verificável, enquanto a modelagem de efeitos de dose processa informações com um grau muito menor de confiança devido a distribuição aleatória de contaminantes/poluentes no tempo e no espaço.

- Diferentes níveis de organização da planta podem ser usados para biomonitoramento, desde a única planta (folha ou até mesmo célula vegetal) até a associação de plantas e o ecossistema.

- Alguns contaminantes/poluentes do ar têm concentrações ambientais muito baixas e são difíceis de medir de forma precisa com métodos físicos e químicos. As plantas podem acumular esses poluentes em um nível mais fácil de analisar.

- Os efeitos são expressos em espécies de plantas sensíveis como dano visível (lesão foliar ou mudanças no hábito) e em espécies menos sensíveis (até mesmo espécies tolerantes à poluição); ambos fornecem uma ferramenta importante para reconhecer os efeitos da contaminação/poluição do ar (tornando visível a invisibilidade).

Assim, as plantas têm o potencial de servir como excelentes indicadores quantitativos e qualitativos de contaminação/poluição. Em 1983, os pesquisadores Singh e Rao elaboram um Índice de Tolerância à Poluição do Ar (em inglês “Air Pollution Tolerance Index (APTI)”) e de acordo com estes autores, um parâmetro sozinho pode não proporcionar uma imagem clara da situação. Por este motivo, após cuidadosa

consideração da fisiologia das plantas, a contribuição de ácido ascórbico, clorofila, teor relativo de água e o pH do extrato da folha poderiam ser levados em consideração no APTI. Assim, os autores computaram estes parâmetros juntos em uma formulação para obter um valor empírico (SINGH; RAO, 1983). Este índice foi calculado usando a equação:

APTI = [𝐴 𝑇 + 𝑃) + 𝑅 10 onde A: ácido ascórbico (mg g-1 FW),

T: clorofila total (mg g-1 FW),

P: pH do extrato foliar,

R: teor relativo de água das folhas (%).

Todos estes parâmetros bioquímicos que são analisados para o APTI desempenham papel significativo para determinar a resistividade e susceptibilidade das espécies vegetais frente à contaminação/poluição (SINGH et al., 1991). Entretanto, foi um índice elaborado com espécies vegetais comuns naquele país (Índia), adaptadas àquelas condições ambientais.

Desta forma, com relação às espécies de plantas que podem ser usadas para fins de monitoramento da qualidade do ar, o presente projeto focou na sensibilidade de algumas plantas comuns das regiões brasileiras, pois as respostas podem ser diferenciadas em cada espécie vegetal, tanto no aspecto temporal, quanto fisiológico (ESTEVES, 1998). Assim, a resposta bioquímica antecipada das plantas frente aos contaminantes/poluentes pode ser usada para a avaliação da qualidade do ar, sendo que estas respostas podem ser diferenciadas para cada espécie de planta e para cada tipo de contaminante da atmosfera (DE TEMMERMAN et al., 2004).

Dentre os parâmetros que podem ser testados como indicadores do estado fisiológico das plantas estão a biomassa, o conteúdo de proteínas e enzimas, o pH e a hidratação das folhas (KLUMPP et al., 2000; JOSHI et al., 2007). Cita-se como exemplo de enzima passível de ser usada como agente de monitoramento de exposição aos contaminantes do ar a Peroxidase. As Peroxidases (POD - E.C. 1.11.1.7) são um grupo de enzimas capazes de catalisar a transferência do hidrogênio de um doador para H20.

Em plantas, a ação constitui numa proteção antioxidativa. Estas enzimas têm sido quantificadas durante a germinação de sementes, assim como nos estágios de crescimento (GASPAR et al., 1982). As atividades das POD durante o crescimento e

desenvolvimento se relacionam com alterações na atividade em resposta à estresse físico, químico e biológico (LIMA et al., 1997).

Com relação aos outros parâmetros, todos estão relacionados, direta ou indiretamente, com a função dos estômatos, os quais são os primeiros sítios a serem afetados pelos gases, perturbando assim, o controle hídrico das folhas que acabam por perturbar todo o funcionamento celular (GASPAR et al., 1982).

Nas plantas, a poluição atmosférica pode ser responsável por sérias injúrias, causando-lhes alterações estruturais e funcionais. A remoção das espécies reativas do oxigênio (EROs) é realizada por diversos antioxidantes moleculares e enzimáticos, os quais podem atuar em conjunto, num ciclo conhecido como sistema antioxidante. Este ciclo é iniciado pela remoção da ER ânion superóxido (O2*-) pela

classe de isoenzimas superóxido dismutase (SOD) antes que o radical livre cause danos severos às estruturas celulares. A SOD é uma família de metaloproteínas que, em vegetais, estão inseridas em diversas organelas e compartimentos celulares: manganês SOD (MnSOD), ferroSOD (FeSOD) e cobre/zincoSOD (Cu/ZnSOD). Por sua ação e abrangência, sua atividade é considerada um importante fator de tolerância ao estresse oxidativo. A Catalase e a Peroxidase têm a função de decompor o peróxido de hidrogênio, espécie precursora na formação de muitos radicais livres. O sistema antioxidante não enzimático está também sempre atuante e envolve várias vitaminas e moléculas com alto grau de insaturações (e.g., carotenoides e licopenos). Assim, o acompanhamento regular de certos parâmetros da fisiologia e/ou da bioquímica das plantas pode indicar a poluição do ar (SUBRAMANI e DEVAANANDAN, 2015).

As lesões visíveis nas folhas (e.g., clorose e necrose) são bastante específicas para alguns poluentes e, em muitos casos, a intensidade do efeito pode ser medida. No entanto, deve-se ter cautela, pois em alguns casos, poluentes diferentes produzem sintomas similares (e.g., SO2 e NO2) (TAYLOR et al., 1987). O

dano visível facilita o biomonitoramento, o qual pode ser integrado como fator avaliador em projetos de pesquisa sobre a qualidade do ar, como o EuroBionet (KLUMPP, 2002; KLUMPP et al. 2002). Outros estudos também usaram parâmetros dos vegetais para avaliar a qualidade do ar. Assim, Carneiro (2004) usou 115 espécies vegetais bioindicadoras da qualidade do ar, sendo 75 vegetais vasculares (angiospermas), 22 líquens e 15 musgos. A análise do ar indicou a presença de PTS (Partículas Totais em Suspensão), metais pesados, hidrocarbonetos, SO2 , NO2, CO,

HF e demais fluoretos gasosos, VOCs (Compostos Orgânicos Voláteis) e MP10

(Material Particulado com Diâmetro Inferior a 10 nm). O autor observou características nas plantas como danos visíveis à olho nu nos caules, folhas, flores e frutos e também as modificações invisíveis a olho nu, tais como alterações metabólicas, fisiológicas e genéticas.

Em outro estudo, Klumpp et al. (2001) usaram o tabaco, o choupo, a Tradescantia, o azevém e a couve como bioindicadores para analisar o impacto da poluição atmosférica tanto no solo quanto no ar do ambiente estudado. Através da observação da necrose foliar, taxa de crescimento, mutações nas células-mãe de grãos de pólen e o acúmulo de metais pesados e de hidrocarbonetos puderam ter resultados concretos sobre os efeitos do ozônio, metais traço (Cd, Cr, Cu, Pb, Ni, Zn), substâncias genotóxicas e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos nos vegetais testados.

Em termos de contaminação/poluição atmosférica, os contaminantes são variados, mas os que aparecem em maiores concentrações geralmente são os óxidos ácidos provenientes da combustão de compostos orgânicos (e.g., SO2 e NO2)

e o ozônio (O3) proveniente de reações radicalares entre poluentes e oxigênio

molecular promovidas pelos raios Ultravioletas (FELLENBERG, 1980).

Assim, do conhecimento da literatura, a responsabilidade dos efeitos fitotóxicos no presente estudo deve ser dos gases SO2 e NO2, os quais são

apresentados brevemente a seguir.

Altas concentrações de dióxido de enxofre podem causar danos agudos na forma de necrose foliar, mesmo após uma exposição de duração relativamente curta (LINZON, 1972; PUCKETT et al., 1973). No entanto, tais efeitos são muito menos importantes do que as lesões crônicas, as quais resultam da exposição por longo prazo a concentrações muito mais baixas do gás e é essencialmente de natureza cumulativa, assumindo a forma de crescimento e rendimento reduzidos e aumento da senescência, muitas vezes sem sintomas visíveis claros ou somente com algum grau de clorose (LINZON, 1972). Os efeitos de uma determinada dose de dióxido de enxofre podem ser modificados de acordo com as condições ambientais. Por outro lado, o dióxido de enxofre também pode modificar a resposta das plantas a outros estresses ambientais, tanto bióticos como abióticos, muitas vezes exacerbando seus impactos adversos (WHO, 2006; AHMED, 2007).

Com relação ao NO2, a fitotoxicidade dos óxidos nítricos está mais

provavelmente relacionada com a ineficiência na redução do nitrato (NO3-), o qual é

muito importante para as plantas (WHO, 2006) . A interrupção do metabolismo celular ocorre como um efeito do pH mais baixo do citoplasma, acarretando distúrbios ou rupturas no transporte de íons. Os ácidos nitroso (HNO2) e nítrico

(HNO3) são formados no interior da célula a partir de óxido nítrico (NO) absorvido e

metabolizado (HU e SUN, 2010). Estas espécies químicas podem danificar membranas biológicas e cloroplastos, bem como causar degradação da clorofila. A influência indireta de óxidos nítricos inclui a acidificação da água, resultando no desequilíbrio da absorção de nutrientes pelas plantas, causando vários tipos de danos.

Condições de luz solar favoráveis causam abertura maior dos estômatos foliares, o que aumenta a intensidade de penetração dos óxidos no interior das folhas. Este processo intensifica nas condições de alta umidade, pois a abertura dos estômatos é maior e também porque os óxidos ácidos vão gerar mais ácidos HNO3 e

HNO2. De um lado, a presença do Nitrogênio na planta pode aumentar eficiência

fotossintética e, portanto, impulsionar o crescimento da biomassa vegetal. Do outro lado, alta deposição de Nitrogênio reduz a taxa de respiração, acelera a saturação de Nitrogênio em áreas que já possuem grandes quantidades de Nitrogênio no solo, como também diminui a absorção de Nitrogênio em raízes pequenas (WHO, 2006).

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