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4. INFORMAÇÃO GOVERNAMENTAL E POLÍTICAS DE INFORMAÇÃO

4.1. Informação

Embora importante, a definição de informação não é tarefa fácil. Braman (2006) cita um survey de 1980 para afirmar que foram encontradas mais de 100 definições apenas no campo legal. McGARRY (1999) reforça a idéia ao afirmar que há uma enorme profusão de significados para o termo. O autor refere-se ao “Information Science Abstracts” – publicação que resume diversos artigos e relatórios de pesquisa no campo da ciência da informação – para ilustrar a controvérsia:

(...) um exame de relance dos cabeçalhos de assuntos ali empregados dará idéia dos vários usos e contextos do termo ‘informação’. Uma pequena amostra mostrará o que quero dizer. Os catálogos das universidades adoram utilizar os seguintes termos, e pense no que significam para você: informática, gerência da informação, informatologia, processamento da informação, recuperação da informação, teoria da informação, transferência de informação, uso da informação e vários outros vocábulos similares (McGARRY, 1999: 2).

Sem querer ser exaustivo, escolheu-se a abordagem de Sandra Braman (2006) para tratar o conceito de informação. De acordo com ela, é possível definir informações a partir de um conjunto de categorias: informação como recurso, como commodity ou mercadoria, como padrão percebido, como um agente e como uma força constitutiva da sociedade. Cada uma delas será descrita a seguir.

4.1.1. Informação como recurso

A informação é compreendida como um recurso no momento em que uma entidade, pessoa, organização ou comunidade precisa utilizá-la. Ou seja, ela é um recurso quando funciona como um input para uma decisão, processo produtivo ou atividade burocrática.

A visão de informação como recurso não é nova. Cronin (1990) já afirmara que existem grandes benefícios a serem auferidos com a alocação de tempo e energia ao uso mais eficiente e eficaz da informação, considerando-a um recurso valioso. Para o autor, informações são recursos porque: (a) possuem valor – permitem produtividade e competitividade; (b) custam dinheiro – para o processo de coleta, guarda, produção e disseminação; (c) são controláveis – pois podem ser computadas e gerenciadas.

Para Braman (2006), os economistas são um dos principais grupos profissionais que estabelecem modelos que permitem avaliar a informação como recurso.

Quando ela é vista como um bem secundário, é fundamental para permitir a existência de mecanismos de produção, posto que funciona como uma entrada de um sistema produtivo. Quando é um bem primário, é vista em si como um produto final para um comprador. No nível individual, as pesquisas da ciência da informação classificadas como “estudos de usuários” têm a tendência de fortalecer esse matiz conceitual à medida que buscam compreender as formas pelas quais se buscam informações para transpor uma lacuna de conhecimento ou entendimento.

As análises que consideram a informação um recurso geralmente são quantitativas e mensuram, por exemplo, número de ligações recebidas, quantidade de e-mails enviados, número de livros vendidos e redução de custos de um processo ou produto, entre outros (BRAMAN, 2006). Contudo, não focam atenção no conteúdo, nos usos, fins, efeitos, comportamentos e na construção de significado permitida pela informação. Assim sendo, metodologicamente a definição origina estudos cujo foco é a compreensão do uso feito dos recursos informacionais, e não dos efeitos que proporcionam. Tanto para economistas como para gestores de políticas públicas, a informação como recurso é um importante elemento no processo de policy making. Por meio dela é possível construir cenários e análises econômicas que funcionam como subsídio ao processo decisório.

4.1.2. Informação como commodity ou mercadoria

A visão de informação com commodity ou mercadoria compartilha grande parte dos elementos que a definem como recurso. Entretanto, incorpora elementos de uma “cadeia de valor informacional”, envolvendo compradores, vendedores e a estrutura necessária para a produção e distribuição da informação em um mercado (BRAMAN, 2006). Os passos da cadeia são: criação da informação, processamento cognitivo ou automatizado da informação, transmissão, distribuição, destruição e recuperação. (RIBEIRO e ANDRADE, 2004) Para melhor compreender a informação como mercadoria, é necessário defini-la como objeto ou serviço comercializável. Dessa forma, a informação é uma commodity quando é sujeita ao processo de compra e venda.

A sociedade da informação e a economia da informação, conceitos discutidos por Castells (1999), formam o cenário que incentivou a definição da informação como um serviço trocado no mercado. Para Braman (2006), essa visão trata a informação em seu valor intangível, definindo-a como “algo que pode ser vendido ou comprado” (BRAMAN, 2006: 14).

Obviamente grande parte das críticas a esse tipo de visão fundamenta-se no tratamento da informação apenas numa lógica mercadológica. A informação não precisa necessariamente de um valor de mercado. Ela pode, por exemplo, ser trocada como um presente para fortalecer vínculos sociais, assim como um direito que fortalece aspectos de cidadania. A visão da informação como mercadoria reforça a lógica de uma perspectiva industrial em que quem constrói as mensagens se torna “produtor”, e quem recebe se torna “consumidor”. No contexto de políticas públicas, a visão da informação como mercadoria solapa gravemente os conceitos de governança e accountability. Assim sendo, visualizá-la como commodity é no mínimo uma percepção incompleta e incapaz de lidar com diversos aspectos da dinâmica social.

4.1.3. Informação como um padrão percebido

Visões da informação como um padrão percebido ampliam o escopo do termo, posto que a posicionam num contexto temporal e social e numa estrutura cognitiva. De acordo com Braman (2006), por essa perspectiva a informação possui passado e futuro, além de ser afetada pelo contexto ambiental em que está envolvida.

A informação como padrão percebido atribui uma dimensão vertical de valor ao conceito, pois salienta a diferença entre dados, informação organizada e a forma como ela altera a percepção dos atores em dado contexto social.

“Matematicamente falando, essa teoria define a informação como uma ‘transformação’ dos dados, requerendo não somente o ‘fato’ em si, mas também o entendimento do contexto no qual a informação aparece”

(BRAMAN, 2006: 15).

Na ciência da informação e na teoria das organizações, trabalhos como os de Thomas Davenport e Chun Wei Choo discutem esse tipo de definição, notadamente no contexto organizacional. O primeiro afirma que informações são dados dotados de relevância e propósito. Corresponde, portanto, a dados que fazem diferença. Partindo do termo “dar forma”, o autor assevera que a informação traz uma diferenciação na perspectiva ou no insight pelo “modelamento” de quem a recebe.

O que há de comum nos estudos que assumem essa definição de informação é a percepção de que um bit não é um bit, mas parte da história de um contexto. O mesmo dado será interpretado de formas diversas a partir de contextos diversos. A definição de informação

como padrão percebido possui uma área relevante de interseção com a corrente do novo institucionalismo sociológico. Como já afirmamos, essa corrente de pensamento assume que os sistemas de símbolos, modelos cognitivos, valores e normas funcionam como filtro à interpretação dos indivíduos. (CORRÊA, 2006). Assim, as instituições são importantes na definição de informação, pois afetam nossa percepção e condicionam a “ascensão” vertical na cadeia de valor informacional.

4.1.4. Informação como um agente

Até aqui todas as definições consideram a informação utilizada por outras entidades como pessoas, organizações ou governos. Entretanto, a partir do recente desenvolvimento das tecnologias da informação, inclusive nos campos da inteligência artificial, ela por si só pode ser vista como um agente. Braman (2006) nos dá um exemplo simples da informação como agente a partir da operação de um termostato que mede a temperatura num ambiente e liga ou desliga o sistema de refrigeração.

No contexto da sociedade da informação, o que há de novo é que o papel da informação como um “conjunto de agentes inteligentes” cresceu exponencialmente e tende a continuar assim. Exemplos são os softwares utilizados em operações industriais, mercado de capitais e segurança, entre outros. Além do crescimento motivado pela difusão das novas tecnologias da informação e comunicação, o papel da informação como agente está crescendo por duas razões centrais: primeiramente, as possibilidades da computação geraram uma ferramenta importante para a tomada de decisões complexas. Dessa forma, algoritmos resolvem rapidamente problemas que demandariam muito esforço e tempo dos humanos. A informação é um agente importante na resolução de problemas dessa natureza. Ademais, desenvolvedores de software acreditam que sistemas informatizados resolvem problemas melhor que seres humanos, principalmente quando possuem funcionalidades que permitem o aprendizado em resposta a ocorrências ambientais. Provavelmente a inteligência artificial apenas fortalecerá esse processo.

Não obstante a tendência de crescimento, Braman (2006) adverte que a utilização da informação como agente tem implicações sociais complexas. Há uma lacuna de regulação nessa seara, e as políticas de informação precisam cada vez mais incorporar os meios pelos quais “a informação e as tecnologias da informação estão suplementando, suplantando e tomando o lugar das pessoas nos processos decisórios” (BRAMAN, 2006: 17) estruturados.

4.1.5. Informação como uma força constitutiva da sociedade

A definição da informação como força constitutiva da sociedade a insere num universo capaz de formatar e transformar o contexto. Dessa forma, a informação não somente é afetada pelo o ambiente, mas também o modela e transforma. No dizer de Ribeiro e Andrade (2004), “as definições dessa categoria concedem à informação um papel ativo e amalgamador do contexto. Nessa concepção a informação não é afetada pelo ambiente, e sim afeta o ambiente. Não está contida na estrutura social, mas cria a estrutura” (RIBEIRO e ANDRADE, 2005: 10).

Braman (2006) adiciona que as definições que tratam a informação como uma força constitutiva da sociedade devem ser vistas como o topo de uma hierarquia de conceitos. Isso porque compreendem todo o escopo dos fenômenos nos quais a informação está envolvida, podem ser aplicadas a qualquer estrutura social e atribuem um papel fundamental à informação como elemento que constrói a realidade na qual um conjunto de atores está envolvido.

A autora adiciona que os diversos tipos de definição não devem ser vistos necessariamente como excludentes. Qualquer processo decisório ou de construção de políticas é formado por diversos estágios e, provavelmente, utiliza de diversas definições diferentes para informação. Aqui não há o certo e o errado, mas o mais apropriado para os estágios de construção de políticas. Como exemplo, pode-se dizer que não parece razoável desconsiderar a informação como um recurso a ser trabalhado para fornecer um conjunto de insumos gerenciais aos gestores de uma organização. Entretanto, essa mesma organização utilizará a informação como elemento constitutivo da sociedade numa discussão sobre poluição ambiental na qual enfrente resistência da comunidade e de órgãos ambientais do governo.

Para Braman (2006), o importante é não estabelecer conceitos fechados como se fossem mutuamente excludentes. A aceitação de um conjunto de definições pluralistas não somente enriquece o debate e encoraja a cooperação. Também facilita enormemente a compreensão e elaboração de políticas nacionais e internacionais de informação. Ainda assim a autora afirma que, no contexto das políticas públicas, a informação como força constitutiva da sociedade deve formar o pano de fundo para qualquer outro uso do termo. “Embora a informação tenha muitas faces, seu papel como força constitutiva da sociedade é central no processo de policy-making” (BRAMAN, 2006).

Os conceitos que tratam a informação como elemento constitutivo da sociedade são os mais próximos da realidade requerida pelas políticas de informação. Em processos de tomada de decisão de interesse coletivo, essa definição deveria prevalecer sobre as demais.Partindo do pressuposto de que a informação é um elemento constitutivo da sociedade, as decisões e a formatação das políticas de informação dizem respeito à própria forma como a sociedade está estruturada.

No caso da tese, a informação para a construção das políticas de governo eletrônico deve ser vista prioritariamente como uma força constitutiva da sociedade (RUEDIEGER, 2002). Isso porque, na esfera política, as TIC têm o potencial de produzir soluções inovadoras no processamento e uso da informação para reduzir os déficits de governança e accountability da administração pública. A informação presente nas políticas de e-governo deve ser vista como força constitutiva da sociedade na medida em que permite a criação de novas redes cívicas que democratizam o acesso eletrônico às informações e aos serviços públicos e permitem a criação de mecanismos deliberativos e consultivos por meio da TIC.

Por sua vez, a constituição das políticas de governo eletrônico está atrelada à existência de sólidas políticas de informação voltadas à produção, ao desenvolvimento e à disseminação da informação pública governamental. Sem essas políticas, não há que se falar em redução dos déficits de governança e accountability, que acabam por minar a credibilidade e legitimidade da administração pública (EISENBERG e CEPIK, 2002).

Após discutirmos os diversos conceitos e usos do termo informação, o próximo item se ocupa do debate sobre as políticas de informação governamental. O propósito é fornecer ao leitor a noção clara do alicerce sobre o qual as ações de governo eletrônico precisam ser estruturadas.