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2. A PERSPECTIVA INSTITUCIONAl

2.2. O institucionalismo histórico

O institucionalismo histórico9 pode ser visto como uma reação à análise da vida política com base numa visão estrutural-funcionalista10, com foco na ação dos grupos sociais, vertente dominante da ciência política nos anos de 1960 e 1970. Não que os teóricos da corrente histórica desvalorizassem o papel central e o poder de influência dos grupos sociais na apropriação de recursos escassos na vida política. Buscavam, sim, explicações mais amplas que conseguissem elucidar melhor a formação das políticas nacionais, considerando a realidade da distribuição desigual de poderes e os recursos dos atores no jogo político. Para os institucionalistas históricos, a explicação deveria ser buscada na ação de grupos e na estrutura institucional da comunidade política e da economia que acabam por privilegiar determinados interesses em detrimento de outros. Para a corrente do institucionalismo histórico, as ações individuais e dos grupos não são estáveis e precisavam ser vistas mais como resultado do que como predecessores ou determinantes das escolhas (SCOTT, 2001).

A corrente histórica enfatiza a importância dos arranjos institucionais e estabelece a idéia de que as instituições políticas não são totalmente derivadas de outras estruturas, como classes sociais, mas atuam independentemente na construção dos fenômenos sociais. Diferentemente da lógica estrutural-funcionalista, os arranjos sociais são compreendidos como conseqüências não antecipadas do efeito das instituições políticas e não como a agregação de ações e escolhas individuais, nem tampouco como um conjunto de resultados planejados (SCOTT, 2001). Dessa forma, as decisões dos atores não são sempre racionais e eficientes, elas guardam um alto grau de indeterminação e de dependência do contexto histórico.

A concepção básica dos estruturo-funcionalistas afirmava que a comunidade política é formada por um conjunto de partes que interagem na busca dos resultados políticos, segundo uma lógica de escolhas racionais. A corrente do institucionalismo histórico concorda com tal afirmação, mas critica a tendência estrutural-funcionalista de considerar as características sociais, psicológicas e culturais dos indivíduos determinantes dos parâmetros responsáveis pelo funcionamento do sistema político. Essa corrente considera que o fator mais

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Emprestamos o termo institucionalismo histórico do trabalho de Hall e Taylor, 1996, Political Science and the Three New Institutionalisms.

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Aqui, por necessidade, faz-se uma exposição excessivamente sintética de desenvolvimentos múltiplos e complexos. Para mais detalhes sobre o sobre o pensamento estrutural-funcional e a visão do neo institucionalismo histórico ver Hall e Taylor, 1996, Political Science and the Three New Institutionalisms.

importante a ser observado é a organização institucional da comunidade política e as formas como ela afeta o comportamento individual e coletivo dos atores.

Atenção especial dos institucionalistas históricos foi dada ao papel do Estado. Numa perspectiva estrutural-funcional, ele é um agente neutro que não influencia as preferências e os comportamentos dos atores. Ao contrário, atua como mediador de interesses divergentes. Já para o neo institucionalismo histórico, o Estado é formado por um conjunto de arranjos institucionais capaz de estruturar a natureza e os resultados dos conflitos de grupos (HALL e TAYLOR, 2003). Além dos arranjos institucionais nele presentes, o institucionalismo histórico também apresentou diversos trabalhos11 que mostram o impacto de instituições sociais e políticas como associações de classe, sindicados e associações ligadas ao capital no engendramento de situações políticas e econômicas específicas em cada contexto da vida política. Vários desses trabalhos trazem comparações transnacionais.

Dessa forma, Hall e Taylor (2003) afirmam que os teóricos do institucionalismo histórico atribuem importância às instituições e aos arranjos institucionais como elementos que condicionam as estruturas políticas e econômicas de tal forma que determinados interesses são privilegiados em detrimento de outros.

Como os teóricos da visão histórica do institucionalismo definem instituições? Hall e Taylor (1996) apontam que na vertente histórica as instituições são:

(...) procedimentos, protocolos, normas e convenções oficiais e oficiosas inerentes à estrutura organizacional da comunidade política ou da economia política. Isso estende-se das regras de uma ordem constitucional ou dos procedimentos habituais de funcionamento de uma organização até às convenções que governam o comportamento dos sindicatos ou as relações entre bancos e empresas. Em geral, esses teóricos têm a tendência a associar as instituições às organizações e às regras ou convenções editadas pelas organizações formais (HALL E TAYLOR, 2003: 196)

Eles ainda observam que um elemento central em toda a teoria neo institucional é explicar como as instituições afetam o comportamento dos indivíduos. Assim, asseveram que nessa perspectiva as instituições compreendem estruturas, normas, rotinas, hábitos — formais e informais — que governam e constrangem a conduta dos atores.

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Para mais detalhes ver o trabalho de Hall e Taylor, 1996, Political Science and the Three New Institutionalisms.

Para esclarecer a definição de instituições na corrente histórica, Théret (2001) faz um paralelo com outras duas abordagens do institucionalismo ainda a serem tratadas nesta tese: a primeira delas, chamada de institucionalismo da escolha racional, a segunda institucionalismo sociológico. A vertente da escolha racional preconiza que as instituições são expressões intencionais, quase contratuais, de estratégias de otimização de ganho por parte de um grupo de atores. Já a abordagem sociológica privilegia uma visão das instituições como práticas culturais específicas, adotadas não por serem mais eficientes ou estratégicas, mas como resultado de processos culturais (CORRÊA, 2006). Ou ainda como estruturas rotineiras de comportamento que criam esquemas cognitivos de referência por meio dos quais os atores interpretam uma dada situação.

A partir da explicação das duas abordagens transcritas no parágrafo anterior, Théret (2001) observa que a vertente histórica se distingue por apresentar uma visão eclética, misturando as abordagens da escolha racional e sociológica, isto é: os atores exercem, em certa medida, preferência com base no cálculo de seus interesses. Ao mesmo tempo, porém, as preferências estão embutidas em um contexto histórico e cultural específico (THÉRET, 2001). Ao tratar da característica eclética do institucionalismo histórico, Hall e Taylor (1996) afirmam que nessa corrente os indivíduos são capazes de fazer escolhas estratégicas, mas o contexto instrucional forma visões de mundo distintas em diversos grupos sociais, moldando o que é considerado racional.

Os teóricos do novo institucionalismo histórico defendem tenazmente a visão de uma causalidade provocada pela trajetória percorrida (path dependence). Dessa forma, rejeitam pressupostos de que as regras são exógenas ao processo político — visão típica de uma abordagem calculista da escolha racional — e afirmam que os atores são fortemente influenciados e constrangidos pelas escolhas passadas. As mesmas forças ativas produzem resultados diferentes em contextos distintos, pois são modificadas pelas propriedades herdadas do passado em cada situação específica (HALL e TAYLOR, 2003). Em cada ambiente, as instituições estão entre os mais fortes elementos contextuais que compõem a paisagem histórica e serão condicionantes para atuação dos agentes no jogo político. Assim sendo, as políticas herdadas estruturarão e condicionarão as decisões posteriores. No caso do governo eletrônico, isso significa dizer que as decisões sobre políticas de tecnologia da informação em governos dependem fortemente dos resultados e da trajetória de atividades passadas. Dessa forma, mudanças bruscas seriam difíceis de ocorrer, por enfrentarem a resistência da causalidade da trajetória percorrida.

Como isso acontece? As políticas adotadas no passado condicionam as forças sociais a adotarem um conjunto de arranjos institucionais e desenvolverem identidades particulares. Uma das principais consequências dos distintos arranjos passa a ser a distribuição assimétrica de poder. Assim, a corrente histórica do institucionalismo postula que, em função de um contexto histórico, certos grupos de interesse terão acesso privilegiado ao processo de decisão, fato que afetará as decisões ulteriores.

Para Scott (2001), as instituições na vertente histórica destacam que os sistemas sociais e políticos não são arenas neutras onde diversos interesses competem, mas arranjos complexos de regras e procedimentos que constrangem e empoderam o comportamento dos agentes. Assim, a análise da vida política deve considerar o poder dos diversos desenhos e arranjos institucionais no comportamento de indivíduos, na estruturação de agendas, na definição de preferências, no direcionamento da atenção e dos modos de agir dos atores de um dado contexto.

Talvez a grande virtude do novo institucionalismo histórico seja a pesquisa nos arquivos históricos na busca de fatos, indícios e razões pelas quais os atores se comportaram de determinado modo. Esse tipo de estratégia metodológica permite um “mergulho” nas situações que deixam de ser explicadas por uma lógica simples e passam a contar com uma análise mais realista sobre os motivos do comportamento dos atores. Em conseqüência, promovem conclusões importantes sobre o surgimento e a organização de certas instituições, regras, convenções.

Entretanto, o que é uma força também é uma fraqueza. De acordo com Hall e Taylor (2003), a grande limitação da perspectiva histórica do novo institucionalismo está nas explicações que fornece para a mudança institucional. Se existe uma profunda dependência da trajetória percorrida (path dependence) para explicar os eventos do presente, a transformação ou mudança institucional seria resultado de situações críticas que ocorrem em um momento histórico. Crises econômicas e conflitos militares seriam exemplos de eventos históricos que motivariam a mudança institucional. Contudo, se há uma dependência de trajetória, como as situações críticas acontecem? Hall e Taylor (1996) apontam que os neo institucionalistas da vertente histórica não oferecem explicações robustas, deixando assim uma lacuna no entendimento dos fatores e motivos que provocam a transformação institucional.