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Dado o carácter polissémico e abrangente dos dois conceitos, propomo-nos iniciar esta abordagem com um olhar pelos significados atribuídos a cada um deles, a fim de se tornar mais esclarecedor, sem ter, no entanto, a pretensão de esgotar o tema.

Na verdade, este tema e até a (potencial?) controvérsia acerca dos significados e da sua abrangência, tem sido alvo de inúmeras obras, tanto da especialidade como de carácter geral, destinadas ao grande público. Assim, e não sendo nosso propósito a análise aturada do tema, até porque sai do âmbito do nosso estudo, propomos deter a nossa atenção em duas definições nas quais nos revemos e que analisamos, seguidamente. De acordo com o citado por Flores e Flores, “Por mudança em educação entende-se, normalmente, uma modificação de algo, uma transformação de um aspecto da realidade, ligada à melhoria de um sistema ou de uma escola.” (Flores e Flores, 1998, p. 3)

Citando Estebaranz (1994), esclarecem ainda os mesmos autores que o termo inovação “integra um processo que introduz algo novo, isto é, uma mudança em estruturas já existentes ou no funcionamento de algo que já existe, pressupondo sempre uma modificação conceptual.” (idem, p. 4)

Porque aliado aos dois conceitos em análise, acresce ainda a necessidade de clarificar, tanto quanto possível, um outro conceito – reforma. Conforme Flores e Flores, “a reforma pressupõe uma mudança emanada da Administração Central afectando o sistema educativo na sua estrutura, fins ou funcionamento.” Esclarecem assim os autores que se trata de uma “mudança imposta” (…) (Flores e Flores, 1998, p. 3). A este

respeito considera-a Estebaranz como uma “mudança política que pretende dar resposta às necessidades sociais decorrentes de alterações no campo social.” (idem, p. 3) Ainda para Pacheco (1996), citado pelos autores já referenciados, “o termo reforma denota uma transformação da política educativa de um país ao nível de estratégias, objectivos e prioridades.” (Flores e Flores, 1998, p. 3)

Relativamente à temática em análise, defende Hargreaves que “a reforma educativa não pode ser construída nas costas dos docentes.” (Hargreaves, 2003, p. 215). Segundo o autor, qualquer mudança deverá passar inevitavelmente pela transformação da profissão docente “numa verdadeira profissão aprendente para todos os docentes.” Sendo certo a abrangência de todos estes conceitos e a sua plurisignificação, aliada ao nível económico e político a eles arreigados, começamos a poder delinear uma constatação: o papel do professor enquanto actor determinante é irrefutável.

No presente contexto, partilhamos também o defendido por vários autores de que a ideia de mudança estará sempre inevitavelmente aliada à ideia de paixão.

Conforme afirma Fried, no prefácio do livro “A Paixão pelo Ensino”,

a “paixão” foi convidada para a festa, onde apenas as palavras “eficiência”, “rigor” e “erudição”, ou termos associados às empresas, tais como “orientado para o sucesso” e “sucesso para todos”, costumavam prevalecer. Quer gostemos quer não, entrámos na Era da Paixão. (Day, 2004, pp. 11-12)

Apesar de todos os constrangimentos, decepções e controvérsias que têm sido apanágio do século anterior e também do limiar deste século, os professores da escola actual defrontam-se com um desafio: em simultâneo com o rigor, altos níveis de sucesso e uma aprendizagem consistente e promissora de níveis de eficácia para todos os aprendentes, conseguirem manter a paixão pela profissão.

De facto, e de acordo com Day,

Ser apaixonado pelo ensino não é unicamente demonstrar entusiasmo, mas também exercer a sua actividade de uma forma inteligente baseando-se em princípios e valores… A paixão relaciona-se com o entusiasmo, o cuidado, o comprometimento e a esperança que são, também eles, características-chave da eficácia no ensino. (Day, 2004, pp. 36-37)

Devemos estar conscientes da era da mudança que enfrentamos, numa sociedade que vê aliada e de mãos dadas um permanente desafio a nível económico, político e social.

Acresce ainda a este cenário o desafio permanente de uma sociedade em permanente turbilhão no que às novas tecnologias diz respeito; de facto, encontramo-nos em pleno período da nova era da sociedade da informação e comunicação – neste século XXI. Assim, é neste cenário que a educação e o ensino se têm de (re)adaptar, de forma a que possam responder, de forma coerente e sustentada, dando respostas eficazes a todo um público discente, de todas as idades, que se propõe a realizar, encetar ou (re)começar uma aprendizagem ao longo da vida.

Fazendo referência a várias investigações sobre a temática dos “professores inovadores: uma outra relação com a profissão”, evidencia Canário que “no âmbito de contextos muito diversificados, os profissionais se formam na acção, numa lógica de resolução de problemas, através de uma forte interacção com os pares e com os destinatários da acção educativa.” (Canário, 2005, p. 143)

Prossegue ainda o mesmo autor que

para lá da diversidade de modos de ser e construir a profissão, devolvem-nos a imagem de profissionais que vivem positivamente a profissão e não reproduzem o discurso generalizado da queixa, do temor e da ideologia defensiva. Como se a produção de uma identidade profissional positiva aparecesse indissoluvelmente ligada a uma actividade que, implicando a totalidade da pessoa, aparece como um trabalho de autor.” (idem, p. 143)

Como tal, importa que os professores deste século sejam capazes de trabalhar de outras (novas?) formas, por ventura, aumentando o trabalho colaborativo, partilhando práticas e experiências. O desafio passa assim por uma constante actualização, não só dos conhecimentos mas também da própria prática pedagógica de cada docente.

A partilha e a troca de experiências passar-se-á não só dentro das fronteiras da própria escola, com os colegas do seu grupo de recrutamento bem como com os restantes colegas de outras disciplinas, afins ou não necessariamente, como também por uma troca alargada às restantes escolas e estabelecimentos de ensino.

Qualquer mudança que seja realizada no sistema de ensino terá que passar e contar, inequívoca e invariavelmente com a adesão e comprometimento dos professores; de facto, sem eles, não poderá vingar uma única alteração, quer ela seja implementada pelos órgãos de gestão da própria escola ou decretada pela tutela. A este propósito, defendem Bullough e Baughamn, (1977)

para que uma mudança tenha alguma adesão, tem de encontrar um espaço no pensamento dos professores, no seu sistema de crenças, assim como nas suas formas habituais de agir e interagir nas suas salas de aula ou até de se desenvolver no seu… (próprio)… pensamento (Day, 2004, p. 25).

Importa assim fomentar a motivação dos professores por novos desafios e incentivar, a todo o momento, a paixão por ensinar, fim último a que cada um se propôs quando abraçou esta profissão, já que

Os que têm uma paixão pelo ensino não se sentem satisfeitos por ensinar o currículo aos alunos. Para eles, a prestação profissional de contas vai muito para além da satisfação das exigências burocráticas que são impostas externamente ou das metas a alcançar determinadas anualmente e que estão ligadas ao Governo e às apostas de melhoria das escolas. (Day, 2004, p. 52)

O risco da adopção de rotinas afigura-se como uma ameaça perturbadora da mudança, em qualquer contexto, e na profissionalidade docente, em particular. De facto, é importante mas por vezes muito difícil romper com a estabilidade já alcançada, com um trabalho adquirido e testado ao longo do tempo. Não queremos questionar, aqui, o valor científico nem tão pouca a validade qualitativa do trabalho desenvolvido; porém, é necessário ser arrojado, romper com o adquirido, inovar e responder de forma afirmativa a novos desafios.

A este propósito, refira-se Day, ao citar Bottery e Wright, quando afirmam “Ser um professor activista apaixonado é afastar-se do ensino isolado e demasiado individualista…”. (Day, 2004, p. 90)

Também Judity Sachs citada por Day, enfatiza a necessidade de “profissionais que possam resistir à tentação de aceitar uma ‘rotina monótona’ e uma ‘homogeneidade da prática’”. (Day, 2004, p. 90)

Ao defender a sua teoria do “professor activista”, Sachs não apresenta como ideia central a paixão, embora reconhecendo que este ensino seria difícil de manter sem a presença da referida paixão. Para tal, enumera nove princípios:

1) A inclusão em vez da exclusão. Enfatiza a necessidade da formação de redes e de parcerias; 2) A acção colectiva e colaborativa. As interacções, a partilha de ideias e a discussão de questões ajudam a manter o interesse e diminuem as possibilidades de haver desilusões; 3) O reconhecimento eficaz dos objectivos e das expectativas. As pessoas precisam de saber o que é que se espera deles, quais poderão ser os riscos e os

custos pessoais; 4) O reconhecimento do conhecimento profissional de todas as partes envolvidas; 5) A criação de um ambiente de confiança e respeito mútuo. O activismo requer uma confiança nas pessoas e nos processos. A confiança em momentos de paixão e os esforços combinados estimulam as pessoas; 6) A prática ética. Identifica as necessidades, os interesses e as sensibilidades das várias partes, reconhece que ninguém é culturalmente neutro; 7) Ser compreensivo e responsável. Evita melhor o oportunismo para a autopromoção; 8) Agir com paixão. O activismo requer um comprometimento, coragem e determinação… envolve níveis elevados de energia emocional, exige que os participantes acreditem firmemente nas suas convicções e tenham claramente em mente os melhores interesses do grupo; 9) Deleitar-se e divertir-se. A importância dos problemas deve ser encarada de forma séria, mas a camaradagem do grupo é essencial. A identidade do professor urge assim que seja construída e reconstruída. Vários autores dedicaram-se ao tema, tendo Giddens (1991), Coldron e Smith (1997) defendido que “a experiência do ensino é uma forma de construir, de modo contínuo, uma identidade como professor”. (Day, 2004, p. 93)

Ainda acerca do tema e conforme Day e Hadfield, “as identidades não são estáveis, mas descontínuas, fragmentadas e sujeitas à mudança”. Também Stronach et al., “descrevem o profissional de hoje (…) como alguém que mobiliza um conjunto de identidades ocasionais para responder a contextos em mudança” (Day, 2004, p. 93).

Será assim necessário que os professores “revisitem as suas próprias identidades” (Day, 2004, p. 94) a fim de se adequarem às suas próprias mudanças, “do conhecimento do que se ensina, (…) do conhecimento daqueles a quem se ensina” (Day, 2004, p. 94), e ainda das mudanças na sociedade e na vida, tanto sua como dos seus alunos.

A motivação surge aqui como um factor preponderante e imprescindível. De facto, mais do que em qualquer profissão, a classe docente para atingir e operacionalizar qualquer novo desafio e objectivo deverá estar motivada. Não podemos esquecer que “Ensinar bem é um trabalho complexo, que exige muito tanto do coração e da alma como da mente, sendo poucos os trabalhos que têm tais níveis de exigência.” (Day, 2004, p. 95) Neste ponto acresce referir que persiste ainda por explicar a razão pela qual “vários professores experientes conseguem manter o seu comprometimento ao longo dos anos.” (Day, 2004, p. 110)

O conceito de “comprometimento” é definido por Nias como “um termo utilizado para distinguir os que se preocupavam, os que eram dedicados e que levavam o seu trabalho a sério, dos que colocavam os seus próprios interesses em primeiro lugar.” (Day, 2004, p. 99)

Ainda segundo Day,

Apesar de o comprometimento ser essencial para a paixão no ensino, há um bom argumento para evitar que este tome o controlo da sua vida, levando-o a comer, respirar e dormir a profissão.” (Day, 2004, p. 111)

Num estudo de Rosenholtz (1989) sobre as condições do local de trabalho dos professores que provocavam elevados níveis de cansaço nos principiantes, foi permitido à autora reconhecer e corroborar as investigações levadas a efeito acerca da eficácia dos professores, argumentando que “as pessoas só enfrentarão novos desafios se acreditarem que têm uma possibilidade razoável de serem bem-sucedidas na obtenção dos resultados que procuram.” (Day, 2004, p. 112)

Do exposto se infere que comprometimento, paixão e eficácia estão intrinsecamente ligados, e que serão vectores cruciais para todos os docentes, indiferentemente da sua idade e tempo de serviço.

É assim importante e primordial que os docentes reconheçam tanto o seu valor como que o seu desempenho é crucial para si próprios, para a comunidade escolar em que se inserem e para os outros, já que esta profissão se destina ao serviço da Educação e do desenvolvimento de uma sociedade que se apresenta como um desafio em permanente mudança.

No entanto, é ainda imperativo que cada profissional docente se auto-consciencialize que deverá também acompanhar este desafio, não estagnando quer nos seus conhecimentos quer na sua prática pedagógica, mostrando e demonstrando abertura a novas e evolutivas formas de operacionalização.

Porém, pensamos que, tão mais importantes do que os anteriores surgem outros factores relacionados com as condições organizacionais e influências externas. A este propósito, Ashton e Webb apontam, entre outros, a “falta de reconhecimento e isolamento profissional” (Day, 2004, p. 114).

Importa, no entanto, não esquecer que concomitantemente com a própria predisposição do sujeito, não poderemos desvalorizar os outros factores atrás referidos; de facto, em

Portugal, atravessa-se presentemente uma convulsão e época de turbulência no ensino. A par de novas ofertas educativas, nomeadamente no que diz respeito ao público discente adulto – o nosso objecto de estudo – atravessa-se um período particularmente “rico” em alterações legislativas relativamente à carreira docente: o novo Estatuto da Carreira Docente, aprovado recentemente, originou na classe docente algum clima de insatisfação e instabilidade que poderá pôr em causa a razão de persistir na profissão bem como o incentivo e reconhecimento por parte de cada professor. A esses factores, na presente conjuntura, não podem estar alheios os objectivos centrais por que se pautam os professores e que poderão pôr em causa e originar o questionamento do interesse na mudança e/ou resistência a ela.

De igual forma, este fenómeno pode ser observado noutros países europeus. Atente-se, como exemplo, ao citado por Day

Na Inglaterra, as mudanças rápidas nas condições internas e externas das escolas e a natureza do ensino estão a produzir condições de extrema incerteza e de crises de identidade no seio daquela que foi, historicamente, para muitos professores, uma profissão estável. (Day, 2004, p. 115)

Relativamente à temática da motivação e realização pessoal, muitos estudos têm sido realizados. Mormente, poderemos citar as investigações de Fraser, Draper e Taylor, 1998; Huberman, 1993, que apontam para que “o comprometimento e a auto-eficácia de alguns professores tende a diminuir progressivamente ao longo das suas carreiras de ensino.” (Day, 2004, p. 116)

No entanto e ainda de acordo com Huberman, 1993, Helsby e McCulloch, 1996, conforme referido por Day, “os professores que mudam de papéis regularmente, que trabalham em culturas de apoio e que são reflexivos e capazes de participar em tomadas de decisões significativas nas escolas mantêm a sua motivação e satisfação (…)” (Day, 2004, p. 116).

Poderá do exposto assim inferir-se a importância do ciclo de vida dos professores. Huberman citado por Day refere que

depois de uma fase inicial de comprometimento em relação ao ensino, da escolha de uma identidade profissional, seguida por uma fase de experimentação e de procura de novos desafios, uma minoria significativa de professores viva, frequentemente, uma fase de incerteza e de autodúvida, seguida por fases de distanciamento, conservadorismo e abandono da profissão. (Day, 2004, p. 117)

Acrescenta ainda Day, citando Raudenbush et. al., 1992, Vandenberghe e Huberman, 1999, que

alguns professores com 45 anos ou mais acham o comprometimento contínuo no ensino na sala de aula problemático, em parte por motivos de tempo, energia e saúde, mas também porque estão emocionalmente exaustos ou simplesmente “desencantados” (Day, 2004, p. 117).

Porém, e como consequência “de um ambiente cada vez mais alienante”, (Day, p. 117), as investigações revelam que o desencanto pode surgir também nos professores mais jovens. Como tal, poder-se-á afirmar que o referido “desencanto”, propulsor de consequências adversas à inovação e mudança, poderá ocorrer não só devido a condições externas (como as atrás citadas), como devido a outros factores, nomeadamente à liderança, gestão e relacionamentos com os colegas. De facto, a partir de investigações efectuadas em escolas americanas, foi possível provar “a importância que as culturas e as lideranças das escolas que encorajam a reflexão e a colaboração têm para a satisfação dos professores.” (Day, 2004, p. 118)

Será assim, a fim de proporcionar uma inovação e mudança eficaz na escola, que conforme referido por Day (2004, p. 120) o comprometimento “seja alimentado, apoiado e desafiado”, tendo como base um desenvolvimento profissional contínuo aliado à sustentabilidade da paixão.