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2 DIREITO AO ESQUECIMENTO: A COLISÃO ENTRE A LIBERDADE DE

2.2 Previsão no ordenamento jurídico brasileiro

2.2.2 Inovações legislativas: Marco Civil da Internet e Lei Geral de Proteção de

Embora também não prevejam de forma explícita o direito ao esquecimento, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) são importantes instrumentos de proteção dos usuários da internet, ainda que a abordagem dos assuntos relacionados à rede tenha sido feita de forma superficial. Por óbvio que os avanços legislativos ocorridos devem ser vistos com bons olhos e ser motivo de comemoração, sendo que algumas normas estabelecidas podem ser vinculadas ao assunto abordado no presente trabalho.

O enfoque central do Marco Civil da Internet é nortear o uso da rede no Brasil. Em sua ementa consta que a lei é responsável por estabelecer princípios e garantias para o uso da internet, além de gerar direitos e deveres.

De fato, dispositivos preveem regras de proteção para o uso de dados pessoais, possibilitando sua exclusão de forma permanente, além de garantir a privacidade dos usuários do serviço de internet em nosso país. Não se trata, como já mencionado, de uma previsão do direito ao esquecimento, mas de proteções que garantem que princípios que servem de fundamento a esse direito sejam garantidos.

O art. 7º, X, do Marco Civil da Internet dispõe acerca da proteção dos dados pessoais:

Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

X - exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei; [...] ( BRASIL, 2014)

São de extrema importância, também, as previsões feitas no art. 8º, responsável por garantir o direito à privacidade dos usuários da internet. No mesmo sentido são as disposições dos artigos 10, 11 e 16 que focam na proteção de dados como forma de concretizar a privacidade na rede.

Antes do Marco Civil da Internet, o Superior Tribunal de Justiça adotava predominante entendimento de que os provedores de conteúdo deveriam ser responsabilizados após serem formalmente comunicados da informação danosa ao indivíduo divulgada online. O conteúdo deveria ser excluído, no prazo de 24 horas, sob pena de responsabilização dos provedores, sendo que a notificação poderia ser feita de forma extrajudicial (LUCENA, 2019, p. 59).

Referida situação não se mantém em razão das previsões do art. 19, caput, do Marco Civil da Internet:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário (BRASIL, 2014).

Agora, a questão da retirada de notícias danosas ao indivíduo foi judicializada, de modo que apenas por ordem judicial o provedor será obrigado a remover as notícias. Assim, antes da retirada das informações deverá discutir-se em processo judicial, que envolverá o direito ao esquecimento, se o conteúdo divulgado viola os direitos de personalidade.

Para Consalter (2017, p. 285) “a responsabilização do provedor de conteúdo somente ocorrerá de forma subsidiária e se, após ter sido devidamente intimado a indisponibilizar o conteúdo, não o fizer dentro de seus limites técnicos”. Na visão de Lucena (2019, p. 61) “[...] essa medida privilegia a liberdade de expressão, podendo causar danos intensos ao indivíduo que tem dados divulgados, causando-lhe violações graves”.

O Marco Civil da Internet traz, portanto, mecanismos que visam enfrentar violações aos direitos de personalidade, com a retirada de conteúdo mediante apreciação judicial. Caracteriza-se, da forma como está disposta, como uma forma de defesa e tutela das garantias já estabelecidas pela Constituição Federal, estendendo-se aos usuários da internet.

Direito ao esquecimento não se trata de uma expressão que se esgota dentro dos direitos de personalidade, uma vez que abrange a proteção de dados pessoais. É nesse norte que as previsões de direitos e garantias relacionadas à proteção do indivíduo no uso da internet estão ligadas ao direito ao esquecimento, mesmo que sem menção direta.

Muito embora a ligação da proteção de dados pessoais tenha se conectado ao direito ao esquecimento pelo Marco Civil da Internet, a conexão existente amplia- se com a aprovação e sanção da Lei Geral de Proteção de Dados, que abrange de forma mais detalhada todos os dados pessoais dos usuários da rede de internet. Com sua promulgação em 2018, a Lei Geral de Proteção de Dados, em razão da Medida Provisória nº 689, de 2018, possui previsão de entrada em vigor no mês de agosto de 2020, na forma de seu art. 65, II.

Não é possível, no momento, entender de forma concreta os desdobramentos e a aplicação da lei em nosso país. Contudo, é inegável que traz importantes previsões para que os titulares realizem o efetivo controle dos seus dados pessoais, por meio de maior transparência do Estado e de entes privados no armazenamento de dados pessoais que contenham.

A principal relação da Lei Geral de Proteção de Dados com o direito ao esquecimento é a previsão da possibilidade de que dados sejam apagados em determinadas situações.

Especificamente, existe a previsão de conceitos chamados tratamento e eliminação de dados que relacionam-se ao conteúdo abordado no presente trabalho, os quais são conceituados no art. 5º, X e XIV:

Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:

X - tratamento: toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração;

XIV - eliminação: exclusão de dado ou de conjunto de dados armazenados em banco de dados, independentemente do procedimento empregado; [...] (BRASIL, 2018).

O art. 18, em seus incisos IV e VI, por sua vez, adota os referidos conceitos para concretizar a possibilidade de que dados sejam indisponibilidades, por meio de controle por parte de seu titular.

Art. 18. O titular dos dados pessoais tem direito a obter do controlador, em relação aos dados do titular por ele tratados, a qualquer momento e mediante requisição:

IV - anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários, excessivos ou tratados em desconformidade com o disposto nesta Lei; VI - eliminação dos dados pessoais tratados com o consentimento do titular, exceto nas hipóteses previstas no art. 16 desta Lei (BRASIL, 2018).

Há preocupação, portanto, do legislador com a privacidade e a proteção dos dados pessoais disponíveis na rede, de modo que se possibilita a exclusão de dados e a anonimação, trazendo forma de responsabilidade objetiva que diverge daquele prevista no Marco Civil da Internet, anteriormente exposta. A previsão da eliminação de dados, ainda que não seja sinônimo, é um instrumento útil para a aplicação e consolidação do direito ao esquecimento.

2.3 Análise das decisões proferidas pelos Tribunais brasileiros: