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4 TECNOLOGIAS E SUBJETIVIDADE

4.1 Inovações Tecnológicas e suas Implicações Subjetivas

A atual relação simbiótica entre desenvolvimento tecnológico e capitalismo contemporâneo engendra uma verdadeira metamorfose na configuração mundial. Essas transformações não são apenas no âmbito econômico (mercado), mas também se referem ao modo como os sujeitos se constituem em suas práticas materiais. Desse modo, conforme Chiaretti (2016) presenciamos também uma nova economia da subjetividade, “marcada pela relação entre consumo e tecnologia, que inaugura maneiras inéditas de ser e estar no mundo” (p.3).

Graças a comunicação sem fio e aos dispositivos móveis, nos transformamos em seres híbridos, com ações mediadas por diversas plataformas digitais. Essa nova experiência ganhou até um nome: “cibridismo”, um termo novo, utilizado para representar o elo existente entre a vivência on e off-line.

De Andrade e Santos (2018), afirmam que essa nossa sociedade em rede não só afeta a forma como o sujeito se constitui e se relaciona, como também faz com que essas novas ferramentas passem a fazer parte do seu modo de ser. Além disso, esses autores acrescentam que a disseminação das novas tecnologias digitais casou perfeitamente com os propósitos do capitalismo à medida que potencializam o consumismo, a competitividade e a exposição.

McLuhan (1974), um dos primeiros a falar acerca da influência das novas tecnologias no comportamento humano, foi taxativo ao afirmar que qualquer artefato produzido pelo homem se transforma em extensão deste ao ser utilizado. Talvez, dessas ideias inovadoras tenha surgido a icônica frase atribuída a ele: “os homens criam as ferramentas, e as ferramentas recriam os homens”.

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Conforme este autor, visto que somos seres com certas limitações em nosso sistema sensorial e em nossas capacidades físicas, mas dotados com muita inventividade, fomos criando e incorporando ferramentas que nos aperfeiçoam. Desse modo, assim como podemos usar uma pinça para aumentar a extensão de nossas mãos, os meios de comunicação, computadores e internet podem ser considerados extensões dos nossos sentidos e do nosso cérebro.

Ainda segundo McLuhan (1974), todos os sujeitos são influenciados por suas extensões tecnológicas, sendo que alguns chegam até manter certa relação de dependência com estas. Os smartphones são um bom exemplo disso, basta observarmos o comportamento de algumas pessoas ao estarem impedidas de usufruírem das funções desse aparelho. Ao se depararem com tal impossibilidade, é muito comum apresentarem níveis bastante altos de estresse e ansiedade. Sobre isso, Santos et al. (2017, p.104), afirma que:

O vício em tecnologia pode ser detectado por meio de alguns problemas de saúde como a Nomofobia (No+Mo (bile) +Phobia, medo de não estar conectado ao celular), síndrome da vibração fantasma, síndrome do toque fantasma e outros distúrbios, que são cada vez mais frequentes na população”.

Retomando o assunto ao qual estávamos tratando anteriormente, Axt (2001), defende que no processo de subjetivação contemporânea:

Tecnologia e subjetividade se fundem, agenciando singulares e característicos modos de pensar, de aprender, de conhecer: livros, televisão, jogos eletrônicos ou internet produzem agenciamentos diversos. Aspectos como velocidade, linearidade, materialidade, sincronicidade, hipertextualidade ou interatividade, tem se mostrado importantes operadores na instauração desses novos modos de pensar, ler, escrever, conhecer, produzir (AXT, 2001. p.143).

Visto que nossa interação com o mundo está cada vez mais mediada por tecnologias digitais, fica evidente a radicalidade das transformações subjetivas que tais instrumentos produzem em nosso modo de ser e perceber a realidade.

Conforme Zuin e Gomes (2019, p. 378):

Na sociedade atual, as telas estão presentes em todas as esferas dos espaços público e privado, de tal maneira que se torna possível caracterizá- la como a sociedade da Idade Mídia. Esta onipresença das telas em todas as

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relações sociais determina transformações inéditas, tanto na dimensão objetiva, quanto na subjetiva. Em relação à dimensão objetiva, torna-se cada vez mais notório o fato de que praticamente todos os sistemas produtivos necessitam estar continuamente vinculados entre si, por meio das conexões mediadas pelas telas dos computadores de todos os tipos de formatos.

Ou seja, as mídias (no sentido amplo) e a indústria da publicidade possuem grande influência sobre a sociedade atual. Nesse sentido, antes mesmo do advento dos smartphones e disseminação da internet, Guy Debord, ao escrever o livro A

Sociedade do Espetáculo (1997), já anunciava uma mudança radical nas relações

sociais advinda de um novo contexto sociocultural fundamentado no capitalismo. Segundo ele, a sociedade transformou-se em uma sociedade do espetáculo onde “ter” ou “ser” perdeu sua importância para o “parecer” e este tornou-se agente de dominação e instaurou no consumo os critérios de exclusão/segregação cultural e social.

Conforme Oliveira e Carneiro (2018), o espetáculo descrito por Debord, entendido como um conjunto de relações sociais mediadas por imagens, transformou- se na própria realidade cotidiana de nossa sociedade. Dessa forma, no sentido colocado por Debord,

o espetáculo não é apenas a produção de um conjunto de imagens, mas uma relação social entre as pessoas, mediatizada pelos produtos que as imagens sustentam, ou seja, a produção de imagens torna-se relevante na sociedade, pois é um símbolo de ostentação e a fabricação de uma aparência desejada (OLIVEIRA; CARNEIRO, 2018, p.2).

Na cena social contemporânea, a aparência do sujeito é sustentada pela exacerbação do consumo, em um processo descrito por Baudrillard (2007, p. 15) como sendo a “multiplicação dos objetos, dos serviços, dos bens materiais, originando uma categoria de mutação na ecologia da espécie humana”. Assim, o consumo e a forma que os outros nos percebem, camuflam uma espécie de servidão voluntária que impele o consumidor contemporâneo a tornasse um “sujeito universal” que acredita gozar de certa liberdade de escolha, mas, na verdade, tem sua autonomia limitada ao que lhe é apresentado e estimulado a desejar (BAUDRILLARD, 2007).

Nesse mesmo sentido, Fonsêca (2017), aponta o sujeito contemporâneo constitui sua subjetividade a partir de uma tríplice tirania composta pela impressionante quantidade de tecnologias disponíveis, pela valorização da lógica do

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consumo e pelo excesso de informações que nos chegam a todo momento. Nas palavras do autor, “esta tríplice tirania fornece as bases do sistema ideológico que legitima as ações características da nossa época e, ao mesmo tempo, busca conformar, segundo um novo ethos, as relações sociais e inter-humanas, transformando tudo e imprimindo um novo ritmo à sociedade” (FONSÊCA, 2017, p. 18).

De acordo com Chiaretti (2016, p.11, grifo do autor):

O discurso capitalista efetivamente não promove o laço social entre os seres humanos: ele propõe ao sujeito a relação com um gadget, um objeto de consumo curto e rápido. Esse discurso promove um autismo induzido e um empuxo-ao-onanismo fazendo a economia do desejo do Outro e estimulando a ilusão de completude não mais com a constituição de um par, e sim com um parceiro conectável e desconectável ao alcance da mão.

Diante de todos esses aspectos, podemos dizer que estamos experimentando uma espécie de ditadura da imagem, onde somos estimulados a consumir e nos mostrar sempre que possível. E, caso não sigamos essas regras, há o risco de sermos condenados ao “ostracismo social”.

De acordo com Marques (2019, on-line), a expressão ostracismo vem da Grécia Antiga, e era utilizado para designar uma espécie de punição àqueles que subvertessem as regras estabelecidas ou cometessem atos considerados inaceitáveis pela comunidade. Diante disso, o processo de julgamento acontecia da seguinte maneira: cada cidadão escrevia em um pedaço de cerâmica, chamado óstraco (daí surgiu a palavra ostracismo), o nome daquele que deveria ser banido da cidade. Desse modo, o que recebesse mais indicações era punido com o exílio.

Hoje em dia o termo ostracismo é empregado, principalmente, para falar sobre alguém que teve em algum momento certa visibilidade ou fama e, com o passar do tempo, acabou sendo esquecido pela mídia e pelo público. Contudo, dada conjuntura midiática da qual já mencionamos anteriormente, que nos impele a sermos todos participantes “interessantes” de uma espécie de Reality Show global, podemos aplicar a expressão “ostracismo social” ao fenômeno onde o sujeito passa a ser esquecido e se sente isolado por conta de não conseguir administrar muito bem sua performance nas mídias ou mesmo por preferir não participar desse “jogo.

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A seguir, falaremos um pouco mais sobre fenômeno da exposição de si como

modus operandi para a sociedade atual.