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3 A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: O INÍCIO DE UMA NOVA ESTRUTURA

3.3 Substituição do Trabalho

A sofisticação das recentes tecnologias e suas capacidades de realização de tarefas cada vez mais complexas e precisas, alimenta a ideia de que as máquinas irão substituir o trabalho humano. Realmente várias profissões estão sendo substituídas em parte ou integralmente pelas novas ferramentas e isso nunca aconteceu de forma tão ampla e veloz, mas será que corremos mesmo o risco de uma substituição total do trabalho humano por máquinas?

A fim de contextualizarmos esse fenômeno, devemos entender que desde a primeira revolução industrial uma série de transformações sociais, culturais e econômicas estão ocorrendo em consequência do desenvolvimento das tecnologias que potencializaram a produção no setor industrial. Durante esse processo, “a mão de obra humana vem sendo substituída pelas máquinas, seja para aumentar a produtividade, baixar os custos ou melhorar a qualidade da produção” (LYRA, 2018). Portanto, a substituição do trabalho humano por máquinas não é algo novo.

Sendo assim, o que diferencia o processo de automação atual? Para Lee et al. (2018), as tecnologias estão se disseminado em um ritmo muito acelerado, penetrando por todos os setores e podem provocar uma série de novas problemáticas das quais, talvez, ainda não estejamos preparados. Desse modo, é mister compreender em que níveis isso está ocorrendo a fim de desenvolvermos uma nova lógica para lidarmos com as emergentes questões sociais relacionadas ao trabalho, a produtividade e a qualidade de vida das pessoas. Nesse contexto, Lee et al. (2018), esclarece que as novas tecnologias podem desempenhar os seguintes papéis:

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(a) substituta – a tecnologia pode substituir totalmente às pessoas, realizando suas atividades de maneira mais eficiente e produtiva, sem comprometer a qualidade ou as características dos resultados das atividades; (b) integradora - no qual a tecnologia faz parte das atividades de trabalho das pessoas, ampliando capacidade e aprimorando a precisão e a qualidade da ação humana, mas sem substituir a presença; (c) mediadora - em que a tecnologia é plataforma para mediar a vida humana, de questões pessoais a relações sociais, ou seja, é o meio através do qual as pessoas interagem com outras pessoas ou com máquinas e objetos físicos (LEE et al., 2018, p.14, tradução nossa).

De acordo Castells (1999b), a tecnologia por si só não pode ser culpabilizada pela geração de desemprego em massa. Para ele, a maioria das evidências empíricas apontam para a conclusão de que o impacto da tecnologia no emprego depende principalmente das estratégias por parte das instituições e do Estado.

Estudos como os de Freeman e Soete (1994) e Martin Carnoy (1999) citados por Castells (1999b), demonstram que durante a fase de maior expansão da informação e revolução tecnológica, as duas economias com os sistemas tecnológicos mais avançados, tanto na produção quanto na difusão de tecnologias, EUA e Japão, obtiveram de longe a menor taxa de desemprego na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Entre 1975 e 1997, juntos, esses dois países, criaram cerca de 53 milhões de novos empregos enquanto a criação de empregos na União Europeia (12 países) era limitada a 8 milhões, e a maioria desses empregos eram do setor público. A partir disso, Castells afirma que certamente existem problemas de desemprego em várias regiões do planeta, principalmente em países em crise econômica, mas é empiricamente demonstrado que as tecnologias não são por si indutoras de desemprego.

Munido com estudos mais recentes, Schwab (2016), não concorda totalmente com as conclusões acima apresentadas. Segundo o ele, a substituição é sim algo bastante sério a ser analisado. Dado que as novas tecnologias estão substituindo um grande contingente de trabalhadores em nome de mais produtividade. Portanto, o temor de ser substituído por uma máquina, segundo esse autor, é bastante plausível. A fim de esclarecer essa afirmação, devemos compreender dois efeitos concorrentes em que as tecnologias exercem influência sobre os empregos. Primeiro, há um efeito destrutivo e acontece quando as tecnologias e a automação substituem

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o trabalho humano, forçando os empregados a realocar suas habilidades em outros lugares ou ficarem desempregados. Depois, o efeito capitalizador, onde após o efeito destrutivo há a tendência de surgir novas demandas por bens e serviços e isso provoca à criação de novos empregos, empresas e até a novos segmentos de mercado (SCHWAB, 2016).

Para Werther (2000), os impactos negativos como o desemprego e a desqualificação do trabalho, advindos da implantação de novas tecnologias, tendem a ser contrabalançados pelo próprio processo de transformações do mercado. Sendo assim, ao passo que vai ocorrendo o processo de substituição, também vão emergindo novas necessidades, e isso compensa as baixas e promove a requalificação dos trabalhadores.

Todavia, autores como Bauman (2008); Schwab (2016) e Antunes (2018), defendem uma perspectiva diferente, pois, após analisar esse fenômeno em escala global, o que se percebe em várias partes do mundo é que na verdade o desemprego, o subemprego e a precarização do trabalho só vêm aumento cada vez mais.

Conforme Schwab, tomando a situação norte-americana como referência, até o momento, as evidências são as seguintes:

A quarta revolução industrial parece estar criando menos postos de trabalho nas novas indústrias do que as revoluções anteriores. De acordo com uma estimativa do Oxford Martin Programme on Technology, apenas 0,5% da força de trabalho dos EUA está empregada em indústrias que não existiam na virada do século, uma porcentagem muito menor do que os aproximadamente 8% novos postos de trabalho criados em novas indústrias durante a década de 1980 e os 4,5% de novos postos de trabalho criados durante a década de 1990. O fato é corroborado por um recente censo econômico dos EUA, que esclarece uma interessante relação entre tecnologia e desemprego. Ele mostra que as inovações em tecnologias da informação e em outras tecnologias descontinuadas tendem a elevar a produtividade por meio da substituição dos trabalhadores existentes; mas não por intermédio da criação de novos produtos que necessitam de mais trabalho para serem produzidos (SCHWAB, 2016, p. 32, grifo do autor).

Em resumo, conforme este autor, os primeiros indícios sinalizam que experimentaremos uma onda de inovações que substituirão o trabalho de uma grande quantidade de setores e cargos, ainda nas próximas décadas.

Dois pesquisadores da Oxford Martin School, o expert em aprendizagem automática Michael A. Osborne e o economista Carl Benedikt Frey (2013), ao realizarem um estudo sobre a questão da substituição do trabalho humano,

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classificaram 702 profissões de acordo com sua probabilidade de automação. Com isso, chegaram à conclusão de que cerca 47% dos empregos nos Estados Unidos estão ameaçados. Entre as profissões mais propensas a automação, segundo esses autores, estão as que realizam atividade repetitivas e rotineiras (operadores

telemarketing; contadores, motorista etc.) e entre as com menos risco estão as

profissões que requerem habilidades sociais, criatividade e capacidade de tomar decisões difíceis em situações de incerteza (programadores, psicólogos, cirurgiões, educadores e outros).

Os resultados apresentados por Frey e Osborne (2013) e outros estudos que seguiram a mesma metodologia alimentaram as velhas preocupações de que a automação e a digitalização possam, afinal, resultar em um futuro com menos empregos. No entanto, Arntz et al. (2016), afirmam que os resultados apontados por esses estudos seguiram uma abordagem que possivelmente superestimou os resultados, visto que foram baseados na ocupação. Isto é, assumem que ocupações inteiras, em vez de tarefas individuais, vão ser automatizadas pelas tecnologias.

Diante disso, Arntz et al. (2016) realizaram um novo estudo onde buscaram estimar o processo de automação em 21 países da OCDE, partindo de uma abordagem baseada em tarefas, ou seja, diferente dos estudos anteriores, eles levaram em consideração a heterogeneidade das tarefas dos trabalhadores nas ocupações. Assim, chegaram a conclusões diferentes e menos alarmantes. Eles concluíram que, em média, nos 21 países estudados, apenas 9% dos empregos apresentam alto risco de serem automatizados. Portanto, um percentual muito menor em comparação aos 47% apontados no estudo de Frey e Osborne (2013). Além disso, eles constataram que existem diferenças entre os países da OCDE. Isto é, enquanto na Coréia Sul a parcela de empregos automatizáveis é de 6%, a parcela correspondente é de 12% na Áustria. Segundo esses pesquisadores, essas discrepâncias entre países podem refletir diferenças gerais na organização do local de trabalho, nos investimentos anteriores em tecnologias de automação, bem como diferenças na educação dos trabalhadores desses países.

Sobre essas questões, Schwab (2016), salienta que os impactos das tecnologias em relação aos empregos e ao futuro do trabalho são praticamente

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inevitáveis, mas isso não pode ser visto como um dilema Homem versus Máquina. Conforme o autor,

na maioria dos casos, a fusão das tecnologias digitais, físicas e biológicas que causa as alterações atuais servirá para aumentar o trabalho e a cognição humana; isso significa que os líderes precisam preparar a força de trabalho e desenvolver modelos de formação acadêmica para trabalhar com (e em colaboração) máquinas cada vez mais capazes, conectadas e inteligentes (SCHWAB, 2016, p. 33).

Castells (1999b), advoga que os verdadeiros problemas não estão em uma massiva substituição da força de trabalho humana, mas sim em outras questões. Segundo ele, as reais questões problemáticas são: o aumento substancial no tempo de trabalho e no número de trabalhadores no mundo; a decomposição do status de empregos assalariados; e a progressiva diminuição da remuneração e corrosão dos direitos sociais já conquistados.

Nesse mesmo sentido, Antunes (2018, p 30), afirma que:

Ao contrário da eliminação completa do trabalho pelo maquinário informacional-digital, estamos presenciando o advento e a expansão monumental do novo proletariado da era digital, cujos trabalhos, mais ou menos intermitentes, mais o menos constantes, ganharam novo impulso com as TICs, que conectam, pelos celulares, as mais distintas modalidades de trabalho.

Desse modo, para além da problemática da automação, presenciamos o crescimento exponencial de um novo proletariado de serviços, “uma variante global do que se pode denominar escravidão digital” (ANTUNES, 2018, p.30). Portanto, nos parece que a problemática a ser pensada, pelo menos por agora, não é apenas a disputa por um posto de trabalho entre máquinas e pessoas, mas a velha lógica onde alguns poucos sujeitos continuam explorando todos os outros.

A seguir, iremos apresentar algumas percepções acerca de como a atual infraestrutura tecnológica tem transformado as relações de trabalho e produzido novos tipos de exploração.

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