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Fonte: elaborado pela pesquisadora.

O esquema das instâncias enunciativas apresenta essa dimensão dividida em duas partes: na primeira, temos a assunção que em nosso trabalho segue os pressupostos de Adam (2011) e Rabatel (2008); na segunda, o quadro mediativo, que demarca a não assunção da responsabilidade enunciativa, para o estudo do quadro mediativo tomamos como base a teoria de Guentchéva (1994).

Bronkart (2012, p. 326) defende que “a instância de enunciação pode pôr em cena uma ou várias vozes ‘outras’, que são, por isso, vozes infra-ordenadas em relação ao narrador ou ao expositor”; identificando assim três tipos de vozes, a saber: vozes de personagens, vozes de instâncias sociais e a voz do autor, o que resultará na polifonia do texto.

3.4.3 Refletindo sobre os conceitos de Locutor e Enunciador

A compreensão dos termos “Locutor” e “Enunciador”, enquanto instâncias do ponto de vista, é indispensável para o estudo da responsabilidade enunciativa e do PdV. Antes de iniciarmos nossa reflexão, esclarecemos que não há um consenso entre Adam ([2008] 2011), Rabatel (2008, 2009, 2011) e Guentchevá (1994, 1996) sobre a definição de tais conceitos. Para Rabatel (2015, p. 158):

Locutor é a instância que profere os enunciados, como a fonte da atualização e da língua em discurso, oralmente ou por escrito. Quanto ao enunciador, ele é a fonte dos pontos de vista contidos em uma predicação [...] Essas duas instâncias andam juntas a maior parte do tempo (não há enunciador sem locutor e vice-versa).

Para esse autor, diferenciar locutor e enunciador não é algo muito simples, uma vez que muitos linguistas usam os dois termos como equivalentes ou fazem opção por apenas um. Nos trabalhos de Rabatel, de forma geral, podemos perceber que o locutor é o produtor físico do enunciado, enquanto o enunciador é o responsável pelo posicionamento enunciativo. Como ele mesmo define: “locutor como produtor do enunciado e o enunciador como instância de responsabilização” (RABATEL, 2011, p. 3).

Nesse sentido, assegura que:

O enunciador é a instância que se posiciona em relação aos objetos do discurso aos quais ele se refere, e ao fazer é que eles se tomam a responsabilidade enunciativa para si. O conceito de enunciador corresponde a uma posição (enunciativa) que adota o locutor, em seu discurso, visando os fatos, os conceitos, sob tal ou tal PDV por sua responsabilidade ou de outrem. Assim o enunciador é definido como instância aos PDV (RABATEL, 2011, p. 5).

Nessa perspectiva, o autor defende que falamos e nos posicionamos a partir de PDV de outros, enfim, “nos construímos como indivíduos apenas através da dinâmica interacional coletiva, de maneira que o primeiro enunciador/locutor é verdadeiramente em relação ao segundo enunciado [...]” (RABATEL, 2011, p. 5).

Adam (2011) apresenta uma noção de locutor e enunciador semelhante à de Rabatel, para o autor locutor é a pessoa física, que fala, porém o conceito de locutor e enunciador se confunde quando este assume a responsabilidade. Nesses casos, temos então um locutor- enunciador. Para simplificar a proposta de Adam (2011), apresentamos, a seguir, um quadro que sintetiza o desdobramento polifônico.

Quadro 13 - Desdobramento polifônico em Adam

ASSUNÇÃO DO PDV: E=L NÃO ASSUNÇÃO DO PDV: E ≠ L

LOCUTOR-NARRADOR= LOCUTOR- ENUNCIADOR:

Pessoa física que fala e que assume a responsabilidade

enunciativa.

LOCUTOR- NARRADOR= PESSOA

FÍSICA QUE FALA

ENUNCIADOR 1 e ENUNCIADOR 2: O enunciador 2 [E2] é a pessoa física que fala, mas

não assume a responsabilidade e imputa o PDV a um enunciador anterior chamado de enunciador 1 [E1]. Fonte: Gomes (2014, p. 70).

Comparando as noções de Rabatel (2011) e Adam (2011), percebemos que os dois concordam ao atribuir ao locutor o papel de pessoa física e ao enunciador o papel de responsável pelos enunciados, perspectiva essa que seguiremos em nossa investigação. No entanto, ressaltamos que essas noções não são interpretadas da mesma forma por Guentchéva (1994, p. 8), para quem o enunciador é a pessoa física, a que fala ou escreve, como podemos interpretar na definição que ela apresenta do mediativo: “o enunciador indica de forma explícita que ele não é a fonte primeira da informação”. Traçado algumas considerações sobre as noções de locutor e enunciador, passaremos a abordar de forma mais direta, a questão da responsabilidade enunciativa e do ponto de vista.

3.4.4 A Responsabilidade enunciativa e o Ponto de Vista

O estudo da Responsabilidade enunciativa situa-se na polifonia e é uma das principais propostas de análise da ATD. No Brasil, esse termo ganha visibilidade a partir de 2008, com a publicação da obra A linguística Textual: introdução à análise textual dos discursos, já citada. Nesse livro, Jean-Michel Adam apresenta a responsabilidade enunciativa em dois momentos, a saber: no capítulo 2, ao discutir as categorias para a análise de textos, e no capítulo 3, tipos de ligação das unidades de base, mais especificamente ao tratar do estudo dos conectores.

Mesmo focalizando a responsabilidade enunciativa em dois capítulos, Adam ([2008] 2011) apresenta essa noção de forma resumida e aberta, sinalizando para o diálogo com outros autores, entre os quais destacamos: Rabatel (2008, 2009) e Guentcheva (1994, 1996).

Devemos considerar, também, outros pontos no estudo da responsabilidade enunciativa: (1) essa noção “não é consensual para os autores que se dedicam ao seu estudo”

(RODRIGUES; PASSEGGI; SILVA-NETO, 2010, p. 153); e (2) as pesquisas que contemplam tal questão “ainda não atingiram um grau de difusão correspondente à relevância do assunto para os estudos linguísticos” (RODRIGUES et al, 2014, p. 33).

Para Adam ([2008] 2011), a responsabilidade enunciativa é equivalente ao ponto de vista (PdV) e “consiste na assunção por determinadas entidades ou instâncias do conteúdo do que é enunciado, ou na atribuição de alguns enunciados ou PdV a certas instâncias (PASSEGGI et al., 2010, p. 299). De acordo com Rodrigues (2010, p. 5), a responsabilidade enunciativa pode ser “individual quando um produtor físico (locutor –narrador-enunciador) assume o(s) enunciado(s)” ou coletiva, quando esses enunciados são assumidos, por exemplo, por um grupo de indivíduos.

Nessa perspectiva, Adam (2011, p. 109) afirma que “toda proposição-enunciado compreende três dimensões complementares”: dimensão enunciativa, conteúdo referencial e valor ilocucionário. Para ilustrar essa questão, o autor propõe o esquema a seguir, no qual podemos ver a representação dessa ligação, que de forma geral é determinada pela orientação argumentativa (ORarg). O autor acrescenta ainda que “não existe enunciado isolado: mesmo aparecendo isolado, um enunciado elementar liga-se a um ou a vários outros e/ou convoca um ou vários outros em resposta ou como simples continuação” (ADAM, 2011, p. 109).