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3 A FORMAÇÃO CONTINUADA NA EDUCAÇÃO INFANTIL PELA PUBLICAÇÃO EM PERÍODICOS CIENTÍFICOS: UMA CONTRIBUIÇÃO

3.4 O TEXTO COMO PRODUÇÃO ABERTA POTENCIALIZANDO A REFLEXÃO ACERCA DA FORMAÇÃO CONTINUADA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

3.4.1 Institucionalidade dos textos

Como institucionalidade dos textos nos referimos àquilo que os torna críveis e aceitos. Para nós isso define o lugar do texto. Tangencia os motivos pelos quais são divulgados, aponta possibilidades dos seus usos, denuncia as motivações da sua produção e de sua apresentação. Pela escrita, Certeau (2005) insiste que não se cria o objeto, mas o efeito dele. Em escrita acerca de formação continuada, estamos, nesse sentido, tralhando com efeitos de ações de formação continuada, que no nosso caso é sempre analítico, para produzir outros efeitos sobre isso. Tal questão nos indica o lugar da formação continuada de professores no praticar da teoria dessa formação, com todos os elementos dessa institucionalidade, podendo ser ele refletido nos autores que publicaram, nas opções epistemológicas, nas procedências institucionais e geográficas etc.

A importância de se pensar o lugar dá-se devido à necessidade de assumir que ele forma o próprio do texto. Define o que é apropriado ou não publicar em formação continuada de professores. Segundo Certeau (2005), o lugar é:

[...] a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência. Aí se acha, portanto, excluída a possibilidade, para duas coisas de ocuparem o mesmo lugar. Aí impera a lei do “próprio”: os elementos considerados se acham uns ao lado dos outros, cada um situado no lugar “próprio” e distinto que define. Um lugar é, portanto, uma configuração instantânea de posições. Implica uma indicação de estabilidade (CERTEAU, 2005, p. 201).

Assim, importância da publicação não é apenas pelo seu conteúdo, visto que tratamos de um campo de publicação em educação, mas de todo o aparato que gira em torno daquilo que é publicado: o lugar, aquilo que lhe dá estabilidade, a começar pela maioria dos periódicos com os quais lidamos estando vinculados a instituições públicas universitárias de pesquisa e a outras instituições com a mesma natureza.

Os textos considerados por nós têm um valor significativo como contributo ao campo, ao passo que buscamos ampliar a sua visibilidade e a discussão ao redor de pressupostos e de autores referência, entre outros elementos. Todavia, não podemos desconsiderar que as escolhas por aquilo que vai ser publicado têm uma intrínseca relação com o jogo das institucionalidades. Nóvoa (2002), ao discutir a importância da imprensa periódica para a educação em Portugal, evidenciou:

A imprensa é o lugar de uma afirmação em grupo e de uma permanente regulação coletiva, na medida em que ‘cada criador está sempre a ser julgado, seja pelo público, seja por outras revistas, seja pelos seus próprios companheiros de geração’. De facto, a feitura de um periódico apela sempre para debates e discussões, a polêmicas e conflitos; mesmo quando é fruto de uma vontade individual, a controvérsia não deixa de estar presente, nos diálogos com os leitores, nas reivindicações junto dos poderes públicos ou editoriais de abertura (NÓVOA, 2002, p. 13).

Na medida em que se produz regulação coletiva permanente, pelos pares ou por outras instituições, temos a institucionalização de meios, modos e ideias que podem ou não, devem ou não, circular. Adiciona-se a isso, os autores que alimentam os pilares das discussões. Uma questão supra necessária ao se ler um texto é entender os porquês das ideias que atravessarem todo o período de publicação em determinado campo do conhecimento, tornando-as uma cultura de fundamentos para um determinado assunto.

O lugar dos textos como publicação é institucionalizado por diversas formas. Elas podem ser vistas pelo periódico que por si é uma instituição; pela vinculação desse periódico a uma instituição, que na maioria dos casos são universidades públicas; pelos autores que publicam em maior ou menor grau; pelos avaliadores dos textos a serem publicados; pelas necessidades de se publicar. Esses fatores combinados implicam naquilo que é publicado.

Bastos (2002), ao analisar a Revista do Ensino do Rio Grande do Sul, do período de 1951-1992, com foco na atualização do professor por esse periódico, concluiu que:

A impressa periódica constitui-se em um dispositivo privilegiado para a reflexão sobre o modo de produção do discurso sobre o ser docente e como mecanismo de formação contínua. Os professores pensam o mundo da maneira que falam sobre ele, testemunhando o universo de crenças que permeiam o seu cotidiano, através das relações metafóricas com a conjuntura social e histórica. [...] o discurso pedagógico é o mais metafórico, o que leva a perpetuação de uma tradição (conservação) e uma lógica de moralização histórica ─ a ideia de boa consciência pedagógica. A preocupação combinada de selecionar professores e de (in)formá-los segundo um certo modelo de ‘bom’ professor vem se constituindo historicamente e convergindo para o delineamento da representação da docência (BASTOS, 2002, p. 73-74).

A autora demonstra como o discurso da imprensa periódica é produzido pela cultura profissional, ao passo que a conserva e, arriscaríamos dizer, que a produz. É o formar pelo que está posto. Esse é o discurso que se propõe apresentar o que se tem produzido, entretanto, trata-se daquilo que se quer produzir. Podemos então, pensar naquilo que está por trás e no meio do que se expõe em um periódico. Nas institucionalidades que autoriza determinados discursos.

Em ideia aproximada, Certeau (2012a), ao discutir a historiografia pela relação entre ciência e ficção, perpassada pela psicanálise, avalia o papel da instituição na produção teórica da história. O autor relata que:

[...] a instituição mediatiza a relação do analista com a história geral. Ainda mais, ela remete a própria análise à organização de poderes que a torna possível e a sustém (por exemplo, é necessário pertencer a uma sociedade para “exercer”; a “fala livre” do cliente pressupõe uma posição social do analista e um contato financeiro, etc.). Em suma, no campo analítico, ela é o retorno (disfarçado) da violência que se transforma aí em fala e, assim, encontra-se recalcada como violência física e o corpo a corpo. Pela instituição, “inconsciente social da psicanálise”, a história (política, social, econômica, até mesmo étnica) retorna no espaço insular do discurso ou da cura (CERTEAU, 2012a, p. 80).

Essa mediação institucional precisa ser pensada quando vamos aos textos das publicações como fontes para realizarmos análises do que se apresentou como formação continuada de professores e como aquilo que nos dá elementos para olharmos para as narrativas das experiências dos sujeitos nos CMEI.

Podemos afirmar que se trata de política. Certeau (2012b) destaca, ainda, que qualquer discussão é carregada de política. Não é possível a neutralidade, no nosso caso, das publicações, suas formas, seus discursos, seus autores, ou seja, suas institucionalidades. O autor, ao assumir esse debate no campo da cultura, e nesse envolveu as universidades francesas na década de 1970, destacou a pesquisa como

campo cada vez menos livre de intervenção institucional, seja no seu financiamento, seja no recrutamento dos pesquisadores. Para o autor, a produção do conhecimento científico depende, grandiosamente, dos objetivos políticos e seleções sociais. Desse modo, o autor relata que “[...] não há observação que não seja determinada pela situação criada por uma relação [...]” (CERTEAU, 2012b, p. 229).

A importância em considerar isso ao habitar os textos dá-se devido à necessidade de estarmos atentos aos modos como nós os habitamos, se com a consciência de que o fazemos como criadores de ideias, ou com a arrogância da neutralidade pela qual demonstramos a verdade dos documentos, ou mesmo tendo-os como verdade dos acontecimentos fora de si mesmos, sem perceber as institucionalidades que nos habitam ao irmos aos textos. A isso, o próprio Certeau (2012b) alertou que “[...] um grupo conhece mal a sociedade onde está inserido quando conhece mal a si próprio como categoria social particular, inserida nas relações de produção e nas relações de força” (CERTEAU, 2012b, p. 229).