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CAPÍTULO 1: O TRABALHO DO PROFESSOR NA PRISÃO: CONTENÇÃO X FORMAÇÃO

1.2. Trabalho docente: valores do magistério e precarização da docência

1.2.1. Institucionalização da docência

Para iniciar a discussão sobre a constituição da função docente, é relevante destacar como se dá o processo de emergência dos sistemas de ensino, uma vez que o exercício docente se consolidou a partir do Estado. Com o estabelecimento dos Estados modernos no Ocidente, apresenta-se a necessidade de instrução popular. Portanto, a educação começa a deixar de lado as práticas artesanais de ensino para utilizar formas mais organizadas de ações ligadas ao trabalho do professor.

A época moderna foi se consolidando e evidenciando características de uma nova forma escolar: ao longo de três séculos verifica-se a transição de uma sociedade na qual a educação era feita por impregnação cultural para uma sociedade composta por um complexo sistema de ensino (VILLELA, 2000; 2011).

O movimento de institucionalização e profissionalização docente foi delineando os diferentes sentidos que os sujeitos produziriam ao longo do processo, ou seja, o entrelaçamento de discursos, ideias e jogos de poder que configuram a estruturação e as lutas dentro do campo educacional.

Para Nóvoa (1991), a educação como projeto formal de transmissão cultural é um fato recente. A gênese e o desenvolvimento do modelo escolar estabelecem um processo “produzido

12Importa ressaltar que o conceito de trabalho docente refere-se às formulações realizadas por Tardif e Lessard (2005), os quais, principalmente, abordam “que o estudo da docência se situe no contexto mais amplo de análise do trabalho dos professores e, mais amplamente, do trabalho escolar” (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 24).

num jogo complexo de relações sociais e de mudanças de representações e de orientações normativas com respeito ao mundo e aos homens” (NÓVOA, 1991, p. 111).

De acordo com o autor, destacam-se duas fases na história da instituição escolar. A primeira refere-se à dominação da escola por meio da Igreja, do século XVI até a segunda metade do século XVIII. Após, em sua segunda fase, a escola passa a ser de responsabilidade do Estado. Assim, a educação escolar torna-se um elemento regulador e um componente de organização nacional. Com o processo de institucionalização e estatização dos sistemas escolares, também passa a ser de interesse do Estado a seleção e o recrutamento do corpo docente.

Nóvoa (1991) descreve quatro elementos que constituem o desenvolvimento dos sistemas de ensino estatais: o primeiro tem ligação com a emergência de um sistema fundamentado na concorrência entre Igreja e Estado; o segundo inicia-se com o controle progressivo do Estado sobre a educação formal; o terceiro diz respeito à autonomização progressiva da instituição educativa; e, o quarto, à elaboração do corpo de saberes, com um conhecimento técnico, fundamentado em torno de ideias e conceitos, indicando assim o capital exclusivo desse campo.

Compreende-se aqui que a constituição da cultura escolar vai se tecendo com a produção dos saberes tipicamente pedagógicos e dos discursos que são produzidos nesse campo específico por meio de um processo de disputas que o envolve. Portanto, interessa entender o movimento que organizou os sistemas nacionais de educação e as ações voltadas para a formação de professores, constituindo valores presentes no magistério.

Souza (1998, p. 32) define que, no Brasil, “o século XIX foi o cenário de experimentação e construção da escola graduada”, ou seja, configurou-se uma organização pedagógica racional ligada à constituição dos sistemas nacionais de ensino. A instrução elementar tem papel fundamental na contribuição do desenvolvimento da unidade nacional e na constituição de um Estado Nacional brasileiro, garantindo a educação moral do cidadão.

Xavier (1980) aponta que, com a proclamação da independência e a fundação do Império do Brasil, promovem-se as primeiras discussões e projetos com a finalidade de organizar a educação nacional no sentido de criação de um sistema. Na perspectiva adotada por Xavier (1980), ficam evidentes as medidas exercidas pelo poder imperial ligadas aos benefícios dos grupos dominantes.

Nesse sentido, Villela (2000) destaca que é no começo do século XIX que se introduz um controle progressivo do Estado com relação à educação formal e, assim, iniciam-se as primeiras ações para estabelecer um sistema de instrução primária. A autora também menciona que o Ocidente foi marcado

[...] por um longo processo de produção de uma nova “forma escolar” em detrimento dos modos antigos de aprendizagem. Nesse período, ocorre a transição de uma sociedade em que a educação se faz por impregnação cultural para uma sociedade munida de um sistema complexo de ensino estatal. Assim, por muito tempo ainda, iriam conviver várias formas de transmissão de conhecimento e várias instituições se ocupariam dessa tarefa, mas, à medida que os Estados nacionais, os novos “Estados docentes” foram se consolidando, passaram a absorver essas outras formas dispersas, conformando um sistema homogêneo, regulado e controlado (VILLELA, 2000, p. 98).

Da emergência dos sistemas estatais de ensino tem início o processo de profissionalização docente (VILLELA, 2000). O controle do Estado e o conhecimento especializado vão dando forma ao exercício da docência como uma função.

Ao discutir o processo de constituição da docência é fundamental compreender a história da profissão docente. No Brasil, inicia-se no século XIX e firma-se na República (TANURI,1979). Além disso, a consolidação desse movimento estabelece o campo educacional, que se constitui por meio do capital específico desse campo, com lutas e jogos de poderes.

Em seu processo histórico, a função docente se constitui a partir da elaboração de um saber técnico, relacionado ao processo de estatização, mas também guarda relação com a produção de um conjunto de normas e valores ligados e influenciados por valores, crenças e atitudes da ordem moral e religiosa, em função de sua origem histórica (NÓVOA, 1991). Nas palavras do autor:

[...] o duplo trabalho de produção de um corpo de saberes e de um sistema normativo faz-se paralelamente a um investimento cotidiano e a uma presença cada vez mais ativa no campo educacional. O aperfeiçoamento dos instrumentos e das técnicas pedagógicas, a introdução de métodos de ensino mais sofisticados e a ampliação dos currículos e dos programas escolares colocam dificuldades à prática puramente acessória ou marginal da atividade docente. O ensino torna-se assunto de especialistas (não será preciso dizer que uma função exercida por qualquer um não poderia ser distinguida como um “conjunto de práticas”) (NÓVOA, 1991, p. 120).