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CAPÍTULO 1: O TRABALHO DO PROFESSOR NA PRISÃO: CONTENÇÃO X FORMAÇÃO

1.2. Trabalho docente: valores do magistério e precarização da docência

1.2.3. Reformas educacionais e precarização da docência

O contexto do marco de reformas neoliberais voltadas para o campo educacional nos países latino-americanos pode ser considerado a partir da Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, em 1990, tendo como principal finalidade fortalecer e orientar as políticas da educação básica, desencadeando uma estratégia de desenvolvimento social com embasamento na eficiência e eficácia da educação.

Tais processos de mudanças e reformas ligam-se dentro de um marco histórico em que o capitalismo, com diferentes mecanismos, altera as relações de poder e dominação. Por um lado, uma nova ideologia, e por outro, mudanças nas relações econômicas e de emprego. Assim, tem-se um contexto em que é necessário qualificar e adaptar as pessoas para o mundo do trabalho na lógica da competição, da agilidade e da eficiência, uma requalificação para as demandas e reestruturação da produção.

O discurso neoliberal vai constituindo um modelo com características próprias e universais, profundamente marcado por um sistema de crenças, valores, e, portanto, uma concepção moral e hegemônica de mundo. Tais discursos atingiram uma ordem de imposição no cenário mundial, atribuindo à educação a responsabilidade do desenvolvimento econômico e o cumprimento das novas exigências do setor produtivo (MAUÉS, 2014).

Além disso, apresenta-se uma ideologia em que o Estado se ausenta de sua função. Os bens públicos são transformados em bens comerciais e torna os usuários em clientes, logo, descentraliza a sua função. Nesse contexto, prevalece a ideologia de conformação, em que as principais finalidades são a competitividade e o lucro, demonstrando os determinismos hegemônicos do capitalismo.

As reformas neoliberais se configuram em modificações profundas na sociedade. Trata-se de uma nova formulação do capitalismo, sobretudo com ações práticas permeadas por fatores ligados a um contexto globalizado, por meio de grandes e intensas reformas internacionais que tiveram como foco a redução de custos financeiros e políticas sociais baseadas nos pressupostos de produtividade, eficiência e eficácia.

Tendo em vista que as novas formas de gestão estão pautadas no gerenciamento do gasto público, centralizam-se as metas e programas de acordo com os objetivos propostos pelos organismos internacionais, que acabam controlando a atuação dos países. Nesse sentido, Evangelista e Shiroma (2007) apontam que a função das agências internacionais e do Estado passa a ser de indução e articulação das políticas, perdendo o seu papel principal de financiamento e execução.

Draibe (1993, p. 88) considera a hegemonia neoliberal como um sistema de ações práticas para a atuação da gestão pública com base em uma “cultura de solução de problemas” permeada por respostas aparentemente ágeis e eficientes.

A ideia do enxugamento do Estado está fortemente evidenciada nas estratégias da configuração do discurso neoliberal, considerando que o mercado constitui o principal e mais eficiente modo de alocação de recursos. Tais ações estão voltadas, acima de tudo, para a efetividade do gasto social; e, diante disso, ocorre também a redução das instituições sociais.

De acordo com Draibe (1993), as prescrições das medidas neoliberais contemplam reformas dos sistemas de proteção social reguladas por meio de descentralização, focalização13, privatização e criação de programas sociais emergenciais. De todo modo, usam-se os problemas de gestão para justificar a descentralização, atrelando-se a ela o aumento da eficiência e da eficácia do gasto público.

Com relação ao campo educacional, a agenda global passa a determinar as metas e os objetivos que os países devem atingir, buscando a incorporação das ideias de eficiência, bem como valores e medidas do mercado, para dentro dos sistemas educacionais. O neoliberalismo constitui um conjunto de regras práticas, ações e recomendações feitas por meio de reformas do Estado vinculadas às instâncias internacionais. É possível até mesmo observar palavras e termos ligados ao campo econômico sendo utilizadas e apropriadas para o campo educacional.

Maués (2014) verifica a interferência das reformas internacionais na definição das políticas educacionais, estabelecendo uma reformulação no sistema educativo e buscando a descentralização e a autonomia, na qual a finalidade principal é que a escola seja capaz de atender às demandas do mercado. Segundo a autora,

[...] as políticas educacionais são desenhadas, as reformas passam a ser internacionais, tendo em vista que seus objetivos são determinados pelos organismos multilaterais cujos fins estão voltados para o crescimento econômico, e, para tanto, procuram alinhar a escola à empresa, e os conteúdos ensinados às exigências do mercado (MAUÉS, 2014, p. 42).

A partir dessa concepção, os sistemas educativos se reestruturam com base em uma perspectiva de regulação social, racionalidade e ajuste estrutural. Dessa maneira, os discursos, proposições e ações hegemônicas ligadas ao neoliberalismo vão sendo apropriadas dentro do

13A focalização refere-se ao direcionamento da verba pública aos programas e projetos seletivamente escolhidos em decorrência da sua maior necessidade e urgência. Já a privatização pode ser compreendida como o deslocamento de bens e serviços públicos para o setor lucrativo da iniciativa privada bem como para o setor privado não lucrativo, formado por associações filantrópicas e organizações comunitárias ou organizações não governamentais.

sistema escolar de diferentes maneiras, o que traz consequências, inclusive para a definição da função social da escola.

A escola, como qualquer outra instituição, revela contradições, interesses e confrontos sociais característicos de uma sociedade capitalista, que perpetua e consolida, de maneira explícita ou implícita, “uma ideologia cujos valores são o individualismo, a competitividade e a falta de solidariedade” (PÉREZ GÓMEZ, 2000, p. 16).

Tais alterações nos sistemas educacionais incidem diretamente sobre o trabalho dos professores. Oliveira (2007) discute as condições de trabalho dos docentes de escolas públicas brasileiras, identificando as mudanças ocasionadas pelas reformas educacionais a partir dos anos de 1990, e destaca que novas demandas têm surgido na educação escolar, modificando a organização e a gestão do trabalho.

Com base no discurso da autonomia administrativa, têm-se uma crescente responsabilização dos sujeitos, gerando principalmente o aumento da demanda de trabalho e sua intensificação. Nesse sentido, Evangelista e Shiroma (2007) apontam que tais reformas produzem um mecanismo em que o professor é responsabilizado e culpado individualmente por suas condições de acesso e permanência no trabalho, o que agrava ainda mais a precarização do trabalho docente.

Além disso, tais reformas são “marcadas pela padronização e massificação de certos processos administrativos e pedagógicos, sob o argumento da organização sistêmica, da garantia da suposta universalidade” (OLIVEIRA, 2004, p. 1131), diminuindo o custo e redefinindo os gastos, partindo das políticas centralmente controladas.

Neste estudo, importa considerar o modo como as políticas neoliberais permeiam o campo educacional e reestruturam os sistemas educacionais, reconfigurando a docência e, sobretudo, modificando e precarizando as condições de trabalho dos professores. Entende-se que a degradação das condições objetivas de trabalho às quais os professores estão submetidos estabelece relação com os processos de precarização e intensificação de sua função e estão atreladas às mudanças mais amplas relativas ao mundo do trabalho. Tais aspectos trazem consequências para as formas como os professores compreendem e realizam seu trabalho.

A precarização, a racionalização e a desvalorização da docência podem ser colocadas em um contexto mais amplo, que engloba os rumos da economia mundial. Dentro dessa conjuntura, é necessário compreender que as políticas internacionais definem as políticas locais, das quais, muitas vezes, desconhecem o real contexto.

Em tal ideologia, as questões econômicas são sobrepostas às atividades educativas, sendo possível destacar um processo de enxugamento do Estado. As ideias de regulação e de

diminuição do investimento financeiro no campo educacional são uma expressão do movimento capitalista. Neste trabalho, importa compreender a entrada da hegemonia neoliberal no campo educacional, pois ela altera as percepções e disposições dos sujeitos por meio de novas regulações e relações de trabalho, impactando as condições objetivas do trabalho docente.

Portanto, a discussão sobre o tema traz importante contribuição para considerar o contexto de precarização a que está submetido o trabalho do professor na contemporaneidade. Com isso, permite abordar como o campo educacional é permeado por pressões e disputas relativas aos discursos hegemônicos, principalmente do campo econômico, e dessa forma, opera-se uma articulação e estabelece uma homologia de maior ou menor autonomia em relação à estrutura geral da sociedade capitalista.