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As políticas educacionais no estado de São Paulo: processos de precarização e desvalorização do trabalho docente

CAPÍTULO 2: EDUCAÇÃO ESCOLAR NAS PRISÕES NO ESTADO DE SÃO PAULO

2.3. As políticas educacionais no estado de São Paulo: processos de precarização e desvalorização do trabalho docente

Busca-se neste estudo contribuir com a discussão sobre o trabalho do professor na escola da prisão. Para tanto, compreende-se ser importante, entre outros aspectos, debater a docência a partir das condições objetivas em que ocorre, e o valor social a ela atribuído. Uma vez que tal

21 No site da SAP, não foram encontradas informação com relação à oferta de educação no sistema prisional de São Paulo.

exercício se dá por professores contratados pela SEE/SP, entende-se ser relevante destacar as ações adotadas no estado de São Paulo desde a década de 1990, nas quais evidencia-se um processo de profundas transformações ocorridas na educação pública paulista, fundamentadas nos pressupostos ideológicos do neoliberalismo, implantados por meio do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). As reformas educacionais ocorridas na rede estadual paulista promoveram grande impacto nas escolas e no trabalho dos professores.

Tais políticas públicas educativas têm demonstrado a precarização e a desvalorização da docência, o que se pode perceber em diferentes estudos, dentre os quais destacam-se os de Souza (2002; 2008; 2012), Fernandes (2011), Sanfelice (2010) e Novaes (2009).

Souza (2002) investiga o projeto educacional implementado no estado de São Paulo, quando ocorreu a reorganização das escolas da rede pública estadual, entre 1995 e 1998, e mostra como a concepção educacional vigente determinou modificações estruturais nos padrões de educação e organização do trabalho docente com base nos pressupostos de inovação e produtividade educacional.

As reformas implantadas desde 1995, com a ascensão do PSDB ao governo de São Paulo, são a expressão da racionalização dos custos educacionais, que deslocaram os processos educativos para medidas de reorganização das funções administrativas. As diretrizes traçadas pela SEE/SP alteraram o sistema educacional na sua totalidade visando à racionalidade econômica.

Para compreender melhor a legitimação da perspectiva neoliberal na política educacional do estado de São Paulo, Sanfelice (2010) identifica como foram implantadas receitas econômicas e programas23 políticos vinculados à lógica do mercado, seguindo a direção do capitalismo moderno. Além disso, é necessário refletir acerca das medidas autoritárias do governo de São Paulo por desconsiderar a voz dos professores na formulação das reformas e políticas educacionais.

Fernandes e Barbosa (2014) discutem a reformulação da jornada de trabalho24 dos professores da rede estadual de São Paulo, implementada a partir de 2012, que não confere o

23 Dentre as principais ações exercidas destacam-se: reforma curricular com utilização de um currículo único e fechado; material didático padronizado; sistemas de avaliação e bonificação dos docentes que expressa a utilização de incentivos financeiros para intensificar a produtividade do trabalho do professor; transferência de verbas dos recursos públicos para a iniciativa privada; formação do ensino médio voltada para questões de qualificação profissional; implementação de ações para formação inicial ou continuada dos professores realizadas mais a distância do que de forma presencial; contratação dos professores não efetivada por concursos público, mas por meio de provas ou estágios comprobatórios (SANFELICE; 2010).

24 A Lei nº 11738 de 2008, estabeleceu o Piso Salarial Profissional Nacional para o magistério, define que 1/3 da jornada de trabalho do professor seja dedicado ao trabalho extraclasse (BRASIL, 2008). A partir disso, os estados e municípios devem se adaptar a essa lei federal. No entanto, a resolução não faz referência a questão se devem

tempo adequado para a realização das atividades extraclasse, divergindo da legislação nacional. As medidas tomadas com relação à jornada de trabalho caracterizam-se pela prioridade ao contexto econômico, e não por considerar aspectos didáticos e pedagógicos, tendo em vista que a adequação à jornada de trabalho ocorreu sem alteração significativa nas condições de trabalho do professor. Para Fernandes e Barbosa (2014, p. 134),

[...] a configuração atual da jornada de trabalho docente no estado de São Paulo, fruto de manobra realizada pelo governo para adequar-se à lei do Piso sem, no entanto, alterar substancialmente os custos com a educação, causa estranhamento. Se considerarmos a duração da jornada em horas-relógio, ela, de fato, está adequada à lei do Piso. Porém, se considerarmos o que é praticado há anos na rede paulista e pensarmos na duração da jornada em horas-aula, há uma transgressão à lei do Piso à medida que ao professor praticamente se impõe uma jornada de até 48 horas-aula, sendo que o máximo deveria ser 40 horas. E isso, obviamente, considerando apenas a duração cronológica da jornada sem levar em consideração as especificidades e as peculiaridades do trabalho docente (FERNANDES; BARBOSA, 2014, p. 134).

A especificidade do trabalho do professor não foi levada em consideração pelas políticas da rede de ensino paulista. A docência é marcada pela realização de tarefas para além do tempo da sala de aula – com os alunos – e, quando se desconsidera o tempo para execução de tarefas extraclasses, acentua-se ainda mais o processo de intensificação do trabalho docente, fragilizando a singularidade de tal função, que inclui, por exemplo, o preparo das aulas, o estudo, a correção das atividades e/ou provas (FERNANDES; BARBOSA, 2014).

Souza (2012) analisa como a chamada modernização no trabalho de professores no estado de São Paulo apresenta relações trabalhistas e de emprego precárias, submetendo os sujeitos a vínculos competitivos e produtivos. Apontam-se duas medidas principais com relação à modernização dos sistemas escolares: a primeira refere-se ao processo de precarização do trabalho dos professores, com ênfase nas formas de contratação; a segunda medida diz respeito ao modo de gerenciamento das escolas e afirma que o trabalho docente está inserido nas noções de flexibilização e precarização, produzindo efeitos tanto nas relações de trabalho, como no setor público.

Faz-se necessário destacar que, para a autora, a flexibilização das formas de contratação pode ser compreendida por meio da facilidade de se desfazer os contratos de trabalho ou de aumentá-los por tempo determinado, bem como pelo avanço da relação de emprego disfarçada – a terceirização e a informalidade (SOUZA, 2012).

ser horas-relógios ou horas-aulas. O estado de São Paulo ao regular o determinado pela lei do Piso realizou apenas um pequeno ajuste, considerando a duração da jornada em horas-relógio (FERNANDES; BARBOSA, 2014).

Nesse ideário, evidenciam-se diversas formas de contratos flexíveis e adoção de novos formatos, tal como contratos temporários ou eventuais, para uma atuação específica (curso, projeto, aula), e funcionário público demissível. Em tais casos, os contratos não garantem a estabilidade e os direitos profissionais.

O estado de São Paulo estabelece duas formas de contratos de trabalho para os professores: efetivos e Ocupante de Função-Atividade (OFA). Os professores efetivos ocupam cargos por meio de concursos públicos de provas e títulos e são considerados funcionários públicos. No que diz aos OFA, trata-se da ocupação de funções,

[...] são os professores admitidos em caráter temporário para ministrarem aulas cujo número reduzido, especificidade ou transitoriedade não justifiquem o provimento de cargo; assim, os chamados OFAs assumem aulas de professores afastados a qualquer título ou decorrentes de cargos vagos ou que ainda não tenham sido criados. É preciso destacar que 43% dos 230 mil professores da rede estadual paulista são OFAs, ou seja, admitidos em caráter temporário e, muitos deles se aposentam nessa situação, o que revela o caráter nada temporário dessa contratação (NOVAES, 2009, p. 18).

Além disso, a rede permite a contratação dos chamados professores em caráter eventual25, sem qualquer vínculo empregatício. Eles são chamados para suprir as faltas das aulas atribuídas. O cálculo salarial é feito a partir das aulas efetivamente lecionadas, ou seja, só existe o recebimento por aula dada. Novaes (2009) e Souza (2012) apontam que a contratação pode ser realizada sem o diploma de licenciatura, o que permite que estudantes universitários ministrem as aulas.

Basilio (2010), ao investigar os contratos e as condições de trabalho dos professores na rede pública de São Paulo, demonstra como essas relações de emprego provocam hierarquias e diferenciações no cotidiano escolar por meio dos contratos de trabalho impostos pelo Estado. Mesmo diante da mesma função, os professores são situados nas relações de poder ali existentes de maneiras e formas distintas de acordo com a sua condição legitimada pela forma contratual.

Novaes (2009), ao realizar entrevistas com os professores OFA, discorre acerca das especificidades encontradas, proporcionadas pela intensa rotatividade nas escolas e a insegurança mediante a não garantia de trabalho para o próximo ano letivo.

O estado de São Paulo realiza a contratação dos professores a partir de um conjunto de medidas que envolvem a racionalidade administrativa e a implantação da lógica de mercado no sistema educacional. Entre as principais medidas destaca-se a pauperização das condições

25 Com relação a uma discussão mais aprofundada sobre os professores eventuais, ver, entre outros, Souza (2012) e Basilio (2010).

materiais e das dimensões do exercício da docência oferecida aos professores sob a forma de seleção de sua função.

A partir do estudo realizado por Basilio (2010), configuram-se algumas considerações associadas à condição do professor e à situação de trabalho na rede de ensino paulista:

[...] 1) as modalidades precarizadas de emprego reforçaram a descontinuidade do trabalho docente, uma vez que, com o predomínio dos contratos temporários, as escolas enfrentam dificuldades para montar uma equipe e para controlar esse processo; 2) a inserção inicial e também a permanência dos professores em diferentes épocas foram perpassadas pela transitoriedade e pela ausência de estabilidade; 3) estas duas características, consequentemente, corroboraram um processo de precarização social desses sujeitos (BASILIO, 2010, p. 91).

Conforme descrito, com relação à educação escolar, é possível estabelecer um panorama de precarização das condições de trabalho do professor atrelada a uma efetiva diminuição dos investimentos educacionais por meio de reformas neoliberais, evidenciando, assim, a importância de se compreender a expressão dessas políticas na contratação de docentes para as escolas das prisões no estado de São Paulo e o efeito dessa precarização nas práticas dos professores que lecionam nesse contexto.

2.4.Ações do estado de São Paulo: implantação da educação escolar das prisões,