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O instrumento técnico e jurídico Tombamento e as leis complementares do decreto-lei nº 25/

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Patrimônio Cultural

CAPÍTULO 3 A POLÍTICA CULTURAL PARA O PATRIMÔNIO NO BRASIL: DA “PEDRA E CAL” PARA A VALORIZAÇÃO DA NO BRASIL: DA “PEDRA E CAL” PARA A VALORIZAÇÃO DA

3.2 O instrumento técnico e jurídico Tombamento e as leis complementares do decreto-lei nº 25/

O mais antigo instrumento técnico e jurídico das políticas oficiais de proteção do patrimônio cultural brasileiro, instituído pelo decreto-lei nº 25/1937, e utilizado amplamente para a salvaguarda dos bens culturais materiais, é o tombamento. A expressão tombamento tem sua origem no século XV e esta associada ao arquivo público do Reino de Portugal denominado Torre do Tombo, onde eram guardados e conservados documentos importantes para o Reino. A palavra tombo provém do direito português e significa inventariar, arrolar ou inscrever nos arquivos do reino (DI PIETRO, 2004: 139 – 142).

No Brasil, desde 1937, o tombamento é um instrumento técnico e jurídico pelo qual o Estado atribui o valor - histórico, artístico ou cultural -, aos bens culturais de natureza material ao inscrevê-los em um dos quatro livros de Tombo criados pelo decreto-lei nº25/1937, a saber:

Art. 4º O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro Livros do Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o art. 1. Desta lei, a saber:

1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular (...);

2) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interesse histórico e as obras de arte histórica;

3) no Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas da arte erudita, nacional ou estrangeira;

4) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem nas categorias das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras. (Art. 4. Do Decreto- Lei nº 25/1937Apud Legislação sobre Patrimônio Cultural, 2010: 27).

Um bem cultural formalmente tombado torna-se oficialmente reconhecido como de interesse público, devendo ser protegido e preservado a partir da colaboração entre população e Estado. Contudo, o bem cultural só passa a possuir a tutela do Estado quando este se encontra inscrito em um dos quatros Livros de Tombo, como bem está descrito no artigo 1º, inciso I, do decreto-lei nº25/1937:

§ 1 º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatros Livros do Tombo, de que trata o art. 4 º desta lei. (Art. 1º do Decreto-Lei n.º 25/1937 Apud Legislação sobre Patrimônio Cultural, 2010: 25).

De forma específica, o decreto-lei nº25/1937, no capítulo II, procura destacar o procedimento e cabimento do instrumento do tombamento no território brasileiro assim como os efeitos sobre um bem tombado.

Dentre os principais efeitos do tombamento, está a questão relacionada ao direito de propriedade. Assim, como no caso da legislação francesa que impedia o usufruto pleno dos bens patrimoniais por parte dos seus proprietários, o decreto-lei nº 25/1937 coloca algumas restrições sobre os bens culturais em processo de tombamento ou inscritos nos Livros do Tombo. O direito de propriedade privada sobre um determinado bem cultural é submetido ao “interesse publico” no momento em que a “função social da propriedade” é identificada por meio do ato do tombamento. Vale lembrar que, a implementação do tombamento como instrumento técnico e jurídico de tutela dos bens culturais pelo Estado só foi possível com a Constituição Federal de 1934, que promoveu algumas limitações ao direito de propriedade sobre os bens identificados como patrimônio da nação ao definir o conceito de “função social”. Apesar do ato de tombamento não se configurar em desapropriação do imóvel tombado, esse instrumento de salvaguarda possuí influência direta na questão da propriedade privada.

Sabe-se que a propriedade é o direito individual que assegura a seu titular uma série de poderes cujo conteúdo constitui objeto do direito civil; compreende os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, de modo absoluto, exclusivo e perpétuo. Não podem, no entanto, esses poderes ser exercidos ilimitadamente, porque coexistem com direitos alheios, de igual natureza, e porque existem interesses públicos maiores, cuja tutela incumbe ao Poder Público exercer, ainda que em prejuízo de interesses individuais. (DI PIETRO, 2004: 127).

Deste modo, o ato de tombamento não interfere na propriedade, mas requer do proprietário um maior zelo sobre o estado material do bem cultural eleito como patrimônio nacional, pois é na materialidade do bem cultural tombado que se identifica os valores culturais que representam a nação e que fizeram o bem tornar-se patrimônio cultural – valores que passam a ser coletivos, importantes para toda a sociedade como já foi explicado no primeiro capítulo.

Sobre o procedimento do tombamento, no artigo 2º do decreto-lei nº25/1937 é descrito quais os bens culturais de natureza material passiveis de serem tombados pelo órgão governamental responsável pela salvaguarda do patrimônio nacional: “a presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais, bem como às pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno”(Art. 2º do decreto-lei nº 25/1937 Apud Legislação sobre Patrimônio Cultural, 2010: 26).

Para os estudiosos do Direito, o tombamento mostra-se um instrumento jurídico eficiente, tendo-se em vista que vem sendo aplicado massivamente desde 1937, o que lhe confere certa estabilidade e plenitude, quando se leva em conta a tendência à instabilidade do sistema normativo brasileiro (RABELLO, 2009: 16). Isso não quer dizer que essa forma de proteção administrativa do patrimônio cultural não possua contradições na sua aplicação. Uma das principais situações contraditórias do ato do tombamento é o primeiro momento do processo de seleção e valoração dos bens culturais a serem tombados: o pedido de tombamento.

Ao longo do decreto-lei responsável pela normatização do Sphan e pela institucionalização do instrumento técnico e jurídico do tombamento, sugere-se que qualquer pessoa, proprietária ou não do bem cultural, pode elaborar um requerimento simples solicitando a abertura do processo para tombamento desde que o bem cultural possua os “requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional”.

Assim, para os bens culturais pertencentes à União, aos estados e aos municípios, a abertura do processo para tombamento se fará de acordo com o que está escrito no artigo 5º do decreto-lei nº25/1937, a saber:

o tombamento dos bens pertencentes à União, aos estados e aos municípios se fará de oficio, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, afim de produzir os efeitos necessários. (Art. 5º do decreto-lei nº 25/1937 Apud Legislação sobre Patrimônio Cultural, 2010: 27).

Já no artigo 6º do decreto-lei nº 25/1937 estabelece que “o tombamento de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente” (Legislação sobre Patrimônio Cultural, 2010: 28).

No artigo 7º do decreto-lei nº 25/1937 é descrito o caso no qual é o proprietário o requerente do processo de patrimonialização ou quando o proprietário anui à solicitação de terceiros, o que configura, nesse caso, o tombamento voluntário.

Art. 7º Proceder-se-á ao tombamento voluntario sempre que o proprietário o pedi e a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à notificação, que se lhe fizer, para a inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo. (Art. 7º do decreto-lei nº 25/1937 Apud Legislação sobre Patrimônio Cultural, 2010: 28).

A grande questão nos primeiros anos do Sphan era que raros foram os casos de pedido de tombamento voluntário. Nesse quadro, quase sempre o proprietário não solicitava, não era comunicado ou simplesmente não concordava com o processo de patrimonialização da propriedade. Já que o tombamento, por ser uma restrição parcial, não impedindo ao particular o exercício dos direitos inerentes ao domínio, não dava direito a indenização (DI PIETRO, 2004: 141). Assim, os desentendimentos entre os interesses público e privado tornavam-se evidentes.

Para a historiadora Maria Cecília Londres Fonseca (2009a: 105), além da falta de direito à indenização, vários outros fatores contribuíam negativamente para a realização dos tombamentos voluntários: a responsabilidade do proprietário do bem cultural, uma vez tombado, de financiar a manutenção se possuísse condições financeiras16; o veto de reformas ou alterações do bem tombado sem a concessão do órgão responsável pela proteção do patrimônio nacional, no caso, o Sphan; a preferência do órgão federal, em caso de alienação do bem tombado, para compra da propriedade, geralmente o valor oferecido era abaixo do valor de mercado; e, por último, mas não menos importante, a falta de conhecimento dos proprietários dos bens culturais sobre a importância da salvaguarda do patrimônio cultural nacional.

Todas essas questões contribuíram para que boa parte dos processos de tombamento dos bens culturais nos primeiros anos de funcionamento do Sphan fosse do tipo compulsório, que de acordo com o artigo 8º do decreto-lei nº 25/1937 ocorre “quando o proprietário se recusa a anuir à inscrição da coisa” a ser tombada.

No artigo 9º do decreto-lei nº 25/1937, é descrito o processo administrativo que ocorre para a patrimonialização de um determinado bem cultural quando o tombamento se configura como compulsório. Segue abaixo a descrição do artigo:

Art. 9º O tombamento compulsório se fará de acordo com o seguinte processo:

1) o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão competente, notificará o proprietário para anuir ao tombamento, dentro do prazo de quinze dias, a contar do recebimento da notificação, ou para, se o quiser impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo as razoes de sua

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Para que um proprietário pleiteasse o financiamento pelo Sphan de obras em seu imóvel tombado, deveria comprovar não dispor de recursos, devendo comunicar o estado precário em que encontrasse o bem. Ao Sphan caberia a decisão sobre a necessidade de financiar e executar as obras. Por outro lado, caso o Sphan julgasse necessárias obras em quaisquer dos imóveis tombados, poderia “projetá-las e executá-las” sem que o proprietário as solicitasse.

impugnação... (Art. 9º do decreto-lei nº 25/1937 Apud Legislação sobre Patrimônio Cultural, 2010: 28).

Para o jurista brasileiro Hely Lopes Meirelles (2009), a emissão da notificação por parte do Sphan para o proprietário do bem cultural a ser tombado era um processo administrativo fundamental, sendo considerada, inclusive, uma imposição legal sem a qual comprometia a validade do tombamento. Visto que, nas palavras do jurista:

Nulo será o tombamento efetivado sem atendimento das imposições legais e regulamentares, pois que, acarretando restrições ao exercício do direito de propriedade, há que observar o devido processo legal para sua formalização, e essa nulidade pode ser pronunciada pelo judiciário, na ação cabível, em que serão apreciadas tanto a legalidade dos motivos quanto a regularidade do procedimento administrativo em exame. (MEIRELLES, 2009: 583).

Devidamente notificado, o proprietário deveria anuir à notificação para o tombamento da propriedade ou argumentar por escrito contra o processo de patrimonialização e enviar o texto para o Sphan. Nos raros casos nos quais o proprietário, depois de notificado, não emitia nenhum parecer a favor ou contra o tombamento do bem cultural, o processo de tombamento ocorreria sem maiores problemas como é descrito parágrafo II, do artigo 9º do decreto-lei nº 25/1937:

2) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado, que é fatal, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará por simples despacho que se proceda à inscrição da coisa no competente Livro do Tombo... (Art. 9º do decreto-lei nº 25/1937 Apud Legislação sobre Patrimônio Cultural, 2010: 28).

Quando o proprietário, dentro das imposições legais e regulamentares descritas do decreto-lei nº 25/1937, emitia um texto junto ao Sphan impugnando o tombamento compulsório do bem cultural, o processo de tombamento se prolongaria por mais quinze dias. Dentro desse prazo, o texto da impugnação era enviado para os órgãos competentes. Estes possuíam o prazo de 60 dias para analisar o texto argumentativo do proprietário e deferir o tombamento ou não do bem cultural. Dessa decisão final, não caberia recurso das partes interessadas, como é descrito no parágrafo três do artigo 9º do decreto-lei nº 25/1937:

3) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da mesma, dentro de outros quinze dias fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do tombamento a afim de sustentá-la. Em seguida, indepentemente de custas, será o processo remetido ao Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que proferirá decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do seu recebimento. Dessa decisão não caberá recurso. (Art. 9º do decreto-lei nº 25/1937 Apud Legislação sobre Patrimônio Cultural, 2010: 28).

Hely Lopes Meirelles (2009: 583-585) destaca que até a decisão final sobre o tombamento seja efetivada, ocorrerá à proteção do bem cultural; logo, não poderá ocorrer alteração ou dano, sob pena conforme prevê o artigo 17º do decreto-lei nº 25/1937:

Art. 17 º As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinquenta por cento do dano causado. (Art. 17º do decreto-lei nº 25/1937 Apud Legislação sobre Patrimônio Cultural, 2010: 31).

No entanto, o jurista ressalta que "... esse tombamento provisório não pode ser protelado além do prazo legal, sob pena de omissão ou retardamento transformando-se em abuso de poder, corrigível por via judicial" (MEIRELLES, 2009: 584). Exemplo disto, se encontra quando da omissão do Poder Executivo ao não pronunciar o decreto do tombamento de determinado bem no Diário Oficial da União.

O ato de tombamento surge, assim, como instrumento técnico e jurídico para consolidação do compromisso entre o direito individual à propriedade e a defesa do interesse público pela preservação dos valores culturais. Por isso, é proibido ao proprietário do bem cultural tombado destruí-lo, alterá-lo, restaurá-lo ou vendê-lo17 sem antes autorização do Sphan. Em termos econômicos, ao garantir ao proprietário não só o uso como posso do bem tombado, o Estado dispensa, para a finalidade de preservação, o alto custo da desapropriação para os cofres públicos.

Apesar de escrito no parágrafo três do artigo 9º do decreto-lei nº 25/1937 que após a decisão do Conselho Consultivo do Sphan sobre o processo de tombamento compulsório não caberia recurso, nos primeiros anos de funcionamento do órgão federal após a decisão final do seu Conselho Consultivo para o deferimento do tombamento compulsório, os proprietários dos bens culturais a serem tombados recorriam à justiça comum para a anulação do tombamento. Cabendo aos advogados dos envolvidos defenderem os interesses de cada parte no Tribunal (FONSECA, 2009a: 105).

Diante de problemáticas conjunturais e pontuais do processo de institucionalização da prática oficial de preservação cultural, houve a necessidade da criação de algumas legislações complementares ao decreto-lei nº 25/1937. Essas leis

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O tombamento não retirava o direito do proprietário de alienar seu patrimônio. Contudo, impunha o direito de preferência, obrigando que o bem a ser alienado fosse oferecido previamente à União, ao estado e ao município onde o mesmo se encontrasse, nessa ordem.

trataram de aspectos bastante específicos para os quais, afirma Márcia Chuva, “o exercício de aplicação do decreto-lei nº 25/1937, exclusivamente, mostrou-se ineficaz” (2009: 174).

A começar com o decreto-lei nº 2.809, de 23 de novembro de 1940, que dispõe sobre a aceitação e a aplicação de donativos particulares pelo Sphan. De acordo com Márcia Chuva, no texto da lei complementar,

o órgão federal de proteção do patrimônio brasileira ficava autorizado a receber qualquer quantia que lhe fosse oferecida a titulo de contribuição, por iniciativa particular, visando realizar trabalhos concernentes à defesa, conservação e restauração dos monumentos e de obras de valor histórico e artístico existentes no país. (CHUVA, 2009: 174).

Destaque também para o decreto-lei nº 3. 365, de 21 de junho de 1941, o qual dispõe sobre as desapropriações por “utilidade pública”, reforçando a noção de uso social da propriedade. Ele possibilitou a consolidação em termos jurídicos da atribuição de “valor cultural” dos bens culturais eleitos como patrimônio histórico e artístico nacional. Pois, no aspecto de desapropriação de bens culturais eleitos como patrimônio cultural brasileiro, assim tratava o decreto-lei:

k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, vem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza; [...]

1º) a preservação e conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens móveis de valor histórico ou artístico ... (Brasil, 1967 Apud CHUVA, 2009: 174 – 175).

Outra lei complementar do decreto-lei nº 25/1937, é a lei nº 3. 924 de julho de 1961, dispondo sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos, no sentido de regulamentar as ações do Sphan nesse âmbito. Pois, apesar de previsto como passível de proteção no decreto-lei nº 25/1937, “a natureza do “patrimônio arqueológico” não se adequava a condição do tombamento, devido à pesquisa de prospecção, que, por si, destruía o bem, ato inadmissível a um bem tombado” (CHUVA, 2009: 175). Com a lei , o “patrimônio arqueológico” foi passível de uma objetificação cientifica, permitindo-se que o mesmo fosse manuseado em busca de vestígios subterrâneos de uma pré-história da nação. Essa lei, então, definiu o que era considerado “patrimônio arqueológico” e determinou a proibição da alienação, destruição ou mutilação, antes de devidamente pesquisado pelo Sphan, considerando tais praticas como crime contra a nação. Visto que, de acordo com Márcia Chuva (2009: 175), na medida em que estava relacionado,

dentre outros aspectos, aos projetos de mineradoras, barragens, hidrelétricas e etc., configurava-se como de interesse econômico e de segurança nacional.

Os desencontros entre a vontade dos proprietários e as regulamentações do decreto-lei nº 25/1937 e as leis complementares já eram vividos durante a atuação de Rodrigo M. F. de Andrade à frente do Sphan. Na verdade, essa situação parecer permear, até na contemporaneidade, na maioria dos casos de aplicação do instrumento técnico e jurídico do tombamento.

Pelo número de vezes que não podemos aceder às pretensões dos proprietários, quer porque prejudicam ao monumento em si, quer porque trariam consequências desastrosas para a paisagem, pode-se avaliar as críticas que temos que aceitar. Muitas vezes vemo-nos obrigados a impedir a instalação e o exercício de certas atividades em áreas que possam prejudicar aquele monumento; por exemplo, lojas de material explosivo não podem ser instaladas em locais próximos algum monumento. Outras ocasiões, o negocio que se pretende instalar vai de encontro à dignidade e à nobreza do monumento. Enfim, há uma serie de casos em que temos que interferir, sofrendo depois ataques sérios. Mas estamos convictos de cumprimos nossa missão, embora reconheçamos que esse trabalho seria grandemente facilitado, se não fosse realizado apenas à base da coerção, mas sobretudo, alicerçado no apoio e compreensão pública. Matéria publicada em O Jornal Rio de Janeiro, 29 de junho de 1958. (ANDRADE, 1987: 40-41).

Essas questões também irão permear a aplicação das legislações estaduais – como será vista mais adiante no caso de Pernambuco –, uma vez que foram elaboradas tendo por base a lei federal e, portanto, herdaram as mesmas problemáticas surgidas pela aplicação de uma lei com implicações sobre o direito de propriedade como o instrumento jurídico do tombamento.

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