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Os requerentes dos processos de tombamento

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Patrimônio Cultural

CAP 5 – PERNAMBUCO SOB O RITUAL DO TOMBAMENTO: OS MECANISMOS DE REPRESENTAÇÃO ESTADUAL A PARTIR DOS BENS

5.3 Os requerentes dos processos de tombamento

De acordo com o artigo 2º da lei estadual nº 7.970/79, que institui o tombamento em Pernambuco, uma proposta de tombamento pode ser realizada de ofício, por via institucional, ou mediante proposta de registro. Sabe-se que qualquer pessoa pode elaborar a proposta, desde que encaminhada por escrito para deferimento do secretário de Educação, para que este analise as justificativas do requerente (tudo que diga respeito ao imóvel) e a suscetibilidade do bem cultural aos limites do tombamento nos termos da legislação federal, já que esta serve como diretriz para legislação a nível estadual. Sabe- se, também, que na formalização da proposta, existe a necessidade de algumas informações obrigatórias, como a descrição (estilo arquitetônico) e delimitação (jogo de plantas) do bem cultural, a localização na qual ele se encontra (endereço), além da identificação do proprietário e do proponente da solicitação de tombamento.

Ao analisar a legislação estadual que regulamenta o processo técnico-jurídico- administrativo do Sistema Estadual de Tombamento, pode-se observar uma tentativa de dar ao processo de ativação patrimonial dos bens culturais pelo Estado o caráter mais coletivo possível, de interesse público, pois os procedimentos necessários para ter validade jurídica têm essa missão. Por exemplo, a publicação dos editais em jornais de grande circulação para conhecimento do grande público, a possibilidade do pedido de impugnação do processo de patrimonialização durante o prazo de 45 dias contados a partir da publicação do edital no Diário Oficial e a viabilidade de destombamento por meio de petição pública têm por objetivo claro de ganhar legitimidade social e dar o teor de participação pública na ativação patrimonial dos bens culturais em Pernambuco.

É interessante o fato de que o Sistema Estadual de Tombamento se propõe como um mecanismo de ativação patrimonial dos bens culturais com a finalidade de atender as expectativas e demandas da sociedade pernambucana como uma comunidade na qual todos os membros tem um interesse em comum: a salvaguarda de determinados objetos para as gerações futuras. Não por acaso, a justificativa apresentada na legislação que

regulamenta o tombamento é que a patrimonialização dos bens culturais é de interesse público, ou seja, de todos os pernambucanos.

Esse argumento pode ser localizado em todos os 61 processos de tombamento conclusos e que resultaram em patrimonalização dos bens culturais. Por exemplo, no exame técnico do processo de tombamento do Hospital Ulysses Pernambucano, conhecido Sanatório do Recife, em 1987, identifica-se a preocupação em explicar e justificar o tombamento do imóvel para os envolvidos no processo. Logo no início do exame técnico elaborado pela Fundarpe é escrito que,

Um objeto cultural passa a ser entendido como Bem Patrimonial, em primeira instância, pelo interesse social, pela vontade coletiva. Detectado esse interesse público, cabe ao Estado, por dever irretorquível, - porque constitucional – sair ao encontro da vontade popular e fazer uso do instrumental jurídico próprio para respaldar institucionalmente ações que visem a preservação desse bem. O instrumento, no caso, é o Tombamento, invocado para garantir a vontade coletiva e garantir a integridade do objeto agora tornado “patrimônio”. (Processo nº 0737 de 1987).

Pode-se inferir a partir da leitura da legislação que as instituições que compõem o Sistema de Tombamento representam de certa forma, o que seria o interesse público em alguns eixos: político, assumida pelo secretário de educação; técnico, atribuído à Fundarpe; intelectual e artístico, de responsabilidade do conselho de cultura. Um patrimônio institucionalizado pelo instrumento do tombamento é, então, apresentado ao grande público através de jornais, revistas, notificações, editais e etc. como produto elaborado pela e para a sociedade pernambucana.

Apesar de a legislação estadual atribuir aos bens culturais tombados um caráter coletivo ao afirmar que o objetivo final do tombamento é o interesse público, o conjunto documental analisado permite observar quem solicita o tombamento dos bens culturais. Como indica a documentação, o requerente é um indivíduo concreto que possui valores e interesses diversos. Esses agentes procuram patrimonializar bens culturais a partir de interesses privados, sejam econômicos, sociais ou sentimentais, e não pensando necessariamente na sociedade.

Por vezes, os interesses dos requerentes estão explícitos nas solicitações, em outras estão camuflados através de frases elaboradas na primeira pessoa do plural e que podem, claramente, serem interpretadas como na primeira pessoa do singular. Frases como “de fundamental importância para a nossa comunidade” (Processo nº 0665), “devemos proteger o patrimônio cultural do Estado” (Processo nº 0103) e “por

envolverem a memória de nossa história” (Processo nº 0040) são utilizadas

corriqueiramente nas solicitações para justificar o tombamento dos bens culturais.

O processo de tombamento não é produzido pela sociedade, enquanto ser genérico ou sujeito coletivo, muito menos o instrumento do tombamento possui, na prática, como finalidade o interesse público. Pois, quem solicita a abertura do processo de tombamento são pessoas concretas que possuem interesses próprios que deseja ver contemplados com a patrimonialização de determinado bem cultural, interesses na maioria das vezes conflitantes com os de outros agentes.

Ao analisar os processos de tombamento dos 61 patrimônios de Pernambuco temporalmente distribuídos de 1979 até 2010, identificamos que a Fundarpe é a solicitante de 28 desses tombamentos conclusos. São eles: Antiga Casa de Detenção do Recife (1980); Ponte do Itaíba (1980), Conjunto Arquitetônico Nossa Senhora do Ó (1980); Casa nº 157 da Rua Benfica (1980); Igreja de Santo Amaro das Salinas (1981); Cemitério dos Ingleses (1981); Casa nº 263 da Rua da União, onde viveu Manuel Bandeira (1982); Sítio Histórico do Cabo de Santo Agostinho (1982); Engenho Massangana (1983); Engenho Camaragibe (1983); Sítio Histórico do Pasmado e da Igreja de Boa viagem (1984); Arquivo da antiga Casa de Detenção do Recife (1985); Conjunto Urbano da Rua da Aurora (1885); Igreja Nossa Senhora da Conceição (1985); Sítio Histórico do Monte das Tabocas (1986); Engenho Amparo (1986); Trecho ferroviário entre Recife e Gravatá (1985); Palácio da Justiça de Pernambuco (1991); Prédio Liceu de Artes e Ofícios (1991); Quartel do Derby (1992); Parque Nilo Coelho de Esculturas Monumentais em pedra granítica (1993), Painel Pictórico de Hélio Feijó (1993); Torre Malakoff (1994); Conjunto fabril Tacaruna (1994), Hospital Pedro II (2008), Palácio do Campo das Princesas e Praça da República (2008), Ambientes de origem e memória de Luiz Gonzaga do Nascimento (Luiz Gonzaga) (2009), Cinema São Luiz (2009).

As justificativas elaboradas pela Fundarpe, que é responsável pela maioria dos pedidos de tombamento dos processos conclusos que resultaram na ativação patrimonial dos bens culturais, são diversas. É comum nas propostas para tombamento feitas pela Fundação a utilização da retórica de perda, que o objeto é insubstituível e que o seu processo de perda é inevitável, mas que pode ser retardado através do tombamento, como no caso do conjunto Urbano da Rua da Aurora (Processo nº 3.522/83).

Identifica-se também que é utilizado um discurso que atribui ao bem cultural tombado um caráter documental, tanto da história quanto da arquitetura, como se tais bens fossem fragmentos que, juntos, atestam a existência de uma cultura “autenticamente” pernambucana. Os processos do tombamento do Arquivo da antiga Casa de Detenção do Recife (Processo nº 3.521/83) e do Cinema São Luiz (Processo nº 2.687/2006), exemplificam o fato. É possível verificar nos requerimentos elaborados pela Fundarpe que existe também propostas de tombamento em forma de homenagens às personagens, consideradas no meio intelectual e político de grande relevância histórica para comunidade local, como no caso da Casa nº 263 da Rua da União e Engenho Massangana (Processo nº 1.161/83),onde passaram parte da infância o poeta Manuel Bandeira e o abolicionista Joaquim Nabuco, respectivamente.

Entre outras justificativas, existem aquelas que dissertam sobre a necessidade do tombamento para angariar recursos do Estado de Pernambuco para restauro de determinado bem cultural, outras para incrementar as atividades turísticas no entorno do bem cultural que se propõe o tombamento como no caso dos Ambientes de origem e memória de Luiz Gonzaga do Nascimento (Processo nº 18.875/2008), entre outros.

A Fundarpe não foi à única instituição atrelada ao Estado que requisitou a patrimonialização de bens culturais. Moisés de Andrade, Diretor da Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes, solicitou o tombamento da Casa do Conselheiro João Alfredo (Processo nº 1.964/79), ainda em 1979. Apesar da posição contrária da Fundarpe, o CEC emitiu um parecer favorável ao tombamento, realizado em 1983.

A Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes seria responsável também pelo pedido de tombamento da sede do Arquivo Público Estadual, o edifício nº 463, localizado na Rua do Imperador, centro do Recife, em 1983. O Arquivo Público era vinculado à própria secretaria, que visualizava a melhora das condições físicas do imóvel para guarda dos documentos através da ativação patrimonial.

Já a solicitação para tombamento da Igreja Matriz de São José dos Bezerros (Processo nº 638/84), a secretaria recebeu o apoio da Fundarpe que na abertura do processo atestou “o inestimável valor artístico, histórico que elas representam para Pernambuco”. Através do critério do secretário Edgar Oliveira, foi solicitado também o tombamento da Escola Alberto Torres (Processo nº 1.037/86), localizada no Recife, com o interesse de comemorar o 50º aniversário da escola, ato este que, segundo o requerente, caracterizava “um marco da arquitetura modernista no Brasil” (Processo nº

1037), pois o prédio seria supostamente uma das primeiras obras arquitetônicas modernistas na região e também do Brasil.

Em 1981, o conselheiro Frederico Pernambucano de Mello solicitou o tombamento do Sítio Histórico da Igreja Matriz da Paróquia de Nossa Senhora de Boa Viagem (Processo nº 312/81). A proposta foi encaminhada pelo presidente do CEC, Nilo Pereira, obtendo parecer favorável por votação unanime do Conselho.

O Secretário de Saúde de Pernambuco, Arnaldo Assunção Filho, solicitou o tombamento do Hospital Ulysses Pernambucano (Processo nº 737/87). Construído em 1887, o pedido ocorreu ainda no ano de comemoração do centenário da instituição. Entre as justificativas utilizadas pelo requerente estão que o imóvel se caracterizava pela “grandiosidade e beleza de sua estrutura arquitetônica”, além de ter sido palco de atuação do médico psiquiatra Ulysses Pernambucano, a quem teve seu nome adotado pela instituição hospitalar pela grande contribuição para a psiquiatria da região.

Figura 12. Hospital Ulysses Pernambucano, localizado na Avenida Rosa e Silva, Bairro da Tamarineira – Recife.

A Fundação do Desenvolvimento Municipal do Interior de Pernambuco (FIAM) requisitou, através do Centro de Estudos de História Municipal, o tombamento de quatro imóveis no ano de 1980: a Capela Nossa Senhora do Rosário, em Altinho, proposta pelo historiador Rubens Lemos por ter sido construída entre 1750 e 1760 (Processo nº 1.421/80); a casa de Câmara e Cadeia de Pesqueira após indicação do pesquisador Gilvan Maciel, que apresentou o edifício como o mais antigo da cidade de Pesqueira (Processo nº 1.435/80); a casa de Câmara e Cadeia do município de Brejo da Madre de Deus, proposta pelo representante da FIAM que justificava a necessidade do tombamento do imóvel por possuir “inegável valor histórico, artístico e cultural” (Processo nº 488/81); e o pedido o tombamento da Casa do Cardeal Arcoverde, apresentado pelo historiador Luis Wilson (Processo nº 1.229/80).

Dois pedidos de tombamento foram realizados por deputados estaduais. O primeiro foi solicitado pelo deputado estadual Newton Carneiro. A proposta foi para o tombamento da Igreja de Nossa Senhora do Loreto, em Jaboatão do Guararapes, no ano de 1985 (Processo nº 40/86). Segundo o deputado, a Igreja foi construída em 1604, sendo uma das mais antigas igrejas barrocas do país. Escreve que a Igreja seria até mais antiga do que as localizadas nas cidades de Juiz de Fora e Ouro Preto, no Estado de Minas Gerais, e que o seu tombamento poderia incrementar o turismo na localidade. Contudo, como se fosse um desabafo, o requerente escreve que diferente do que ocorria com os “templos” em Minas Gerais, em Pernambuco o que se via era a falta de preocupação “em conservar os marcos do nosso passado distante”. Ainda segundo ele, a culpa não seria da Fundarpe, responsável por fiscalizar, conservar e restaurar os patrimônios, pois apesar de todos os esforços da Fundação, ela carecia de recursos para dar continuidade aos projetos restaurados dos bens culturais no Estado.

Em 1987, o deputado estadual Harlan Gadelha solicitou o tombamento, bem como providências para a recuperação, da igreja de São Lourenço, em Goiana (Processo nº 3248/87). Como relatado no processo, o requerente inicia a solicitação já com uma reclamação sobre a falta de comprometimento dos órgãos responsáveis pela salvaguarda do patrimônio no Estado. “Há muito tempo já venho solicitando providencias de que seja recuperada a histórica Igreja de São Lourenço”. Descreve que a Igreja seria a segunda mais antiga do Brasil, de arquitetura jesuítica colonial do século XVI, mantendo suas características de origem, apesar do péssimo estado de conservação.

Harlan Gadelha justifica que o tombamento seria a solução mais plausível para o imóvel, pois “somente assim a memória desse país será resgatada com a preservação do seu patrimônio” (Processo nº 3248/87). Mas, ao analisar o restante das justificativas, percebemos que a importância do tombamento do objeto estava além da preservação da memória nacional, com o tombamento seria mais fácil à capitação de recursos para restauração da Igreja e também poderia atrair mais turistas para o município que, segundo ele, já se configurava como um polo turístico.

A proposta de tombamento do conjunto ambiental, paisagístico e histórico do Prata foi requerida pela Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), responsável pela propriedade, em 1991 (Processo nº 2.959/91). O pedido foi motivado, segundo o oficio enviado ao Secretário de Educação, Cultura e Esportes, pela excepcional cobertura vegetal, remanescente da Mata Atlântica, protegida por lei estadual e a peculiar característica topográfica que, juntamente às condições geológicas, propiciou a implantação do sistema de abastecimento de água.

A prefeitura de Vitória de Santo Antão pediu que fosse tombada a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, em 1980 (Processo nº 2423/80). No pedido, afirmou a intenção de transformar o templo em um Museu de Arte Sacra para a região e, assim, elevar o nível religioso e cultural das comunidades entorno do imóvel.

O tombamento do Cine-teatro Recreios Benjamin foi solicitado pela prefeitura de Timbaúba, no ano de 1982 (Processo nº 0665). No processo de seis de abril de 1982, o prefeito reclama a necessidade da “cidade reviver seus áureos tempos”, quando, no começo do século XX, o imóvel recebia grandes espetáculos.

O pedido do Cine-teatro Apollo foi realizado pela prefeitura de Palmares, no ano de 1984 (Processo nº 2.702/84). Entre as justificativas do prefeito era de ter respaldo legal para o imóvel, que tinha sido desapropriado pela prefeitura e estava sendo utilizado como sede da Casa de Cultura Hermilo Borba Filho.

A prefeitura de Petrolina solicitou, em 1984, que o conjunto arquitetônico da Estação de Petrolina também fosse tombado para transferir o acervo do Museu do Sertão para o edifício da antiga estação (Processo nº 1.421/84). Contudo, a edificação se encontrava em estado de conservação não propicio para receber o acervo e o tombamento poderia ajudar na obtenção de recursos para restauração do imóvel.

De origem federal, existem três pedidos de tombamento. Em 1984, o reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) pediu o tombamento do prédio da antiga

Escola de Medicina (Processo nº 2.212/84). Para o proponente, o imóvel possuía um valor artístico além de uma grande importância para a memória universitária.

No mesmo ano, teve o pedido de tombamento do Terreiro Obá Ogunté, um dos terreiros de xangô mais antigos do Recife, requisitado por Raul Lody, antropólogo e funcionário da Fundação Nacional de Artes (Funarte) e que vale um maior aprofundamento na analise da exposição de motivos do requerente e sobre seu desfecho.

Logo na primeira página da proposta de tombamento, o requerente reconhece que sua proposta de tombamento era diferente das demais já ocorridas no Estado e, por isso, necessitava de “tratamentos particulares, empregando metodologias atípicas”.

Caracteriza-se o referido tombamento como de cunho etnográfico e paisagístico, compreendendo conjunto de bens patrimoniais que necessitam de tratamentos particulares, empregando metodologias atípicas aos trabalhos de tombamento histórico e ou artístico. (Processo nº 103, p. 01).

Logo em seguida, Raul Lody propõe para os técnicos da Fundarpe uma nova categoria de tombamento, denominado por ele como “etnográfico”, que envolveria aspectos materiais e imateriais no exame técnico para o tombamento do bem cultural.

O tombamento etnográfico no caso de um terreiro de Xangô, envolve aspectos do sagrado, da memória africana adaptada e dinamizada no processo sócio-cultural; as construções-templos, construções-habitações e temas relacionas à filolatria. Dessa forma, alerta-se para as seguintes questões: quais os caminhos que este tombamento devera seguir? De que maneira a ação do Estado no ato de tombar não se reverta em imobilidade sócio-cultural do terreiro de Xangô? Como respeitar e refletir sobre a cultura do cotidiano do terreiro de Xangô? Enfim, como agir e, principalmente, selecionar em comum acordo com as pessoas do terreiro o que dever/a ser tombado no elenco de bens moveis e imóveis, de modo que o reconhecimento do valor e da importância de bem tombado não assuma postura de interferência à dinâmica natural do Xangô, enquanto polo de memória e da ação do homem afro-brasileiro. (Processo nº 103, p. 01).

Raul Lody não apenas propõe uma nova ótica sobre o instrumento técnico e jurídico do Tombamento, como também se vale da posição enquanto antropólogo para reforça a proposta de tombamento do Terreiro ao utilizar o conceito antropológico de cultura. Visto que, o Sítio de Pai Adão, como também era conhecido o bem cultural, não possuía as características estéticas tradicionalmente eleitas como “dignas” para justificar a patrimonialização e muito menos características históricas, já que representava um imóvel associado a um passado colonial do Brasil que muitos desejam esquecer.

Reforço novamente a significativa ação do Estado através da sua Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes, reconhecendo o Xangô enquanto instituição cultural que inclui de maneira decisiva a memória do homem pernambucano, inequívoco entendimento da cultura vista pelos conceitos antropológicos, de forma abrangente, incluindo manifestações materiais e imateriais de uma sociedade. (Processo nº 103, p. 02).

O antropólogo, certo de que seu “tombamento etnográfico” era avançado para a política cultural para o processo de valoração, preservação e promoção dos bens culturais, conclui no seu pedido que, se reconhecido o Sítio de Pai Adão, seria atingido, enfim, o real objetivo da ativação patrimonial através do Estado: entender a cultura vista pelos conceitos antropológicos, de forma abrangente, incluindo manifestações materiais e imateriais de uma sociedade, reconhecendo, valorizando e preservando expressões culturais também chamadas de populares.

Senhor secretário, assim coloquei aspectos que julgo oportuno considerar nesse momento de inicio de tombamento, de modo que a ação do Governo do Estado de Pernambuco nesse trabalho pioneiro passa verdadeiramente atingir a sua dimensão real, reconhecendo, valorizando e preservando expressões culturais das camadas populares. (Processo nº 103, p. 02).

O pedido de tombamento do Sítio de Pai Adão causou estranhamento entre os técnicos da Fundarpe. Após localizarem o terreiro, realizarem um levantamento histórico sobre a prática do “Xangô” em Pernambuco e da importância simbólica do Sítio de Pai Adão para os praticantes da religião no estado, os técnicos da Fundação lançaram severas críticas sobre a situação de conservação do conjunto arquitetônico que compõe o terreiro.

Figura 13 – Imagem frontal do Terreiro Obá Ogunté, localizado no Bairro de Água Fria, periferia do Recife.

É importante destacar que o aspecto físico, até aquele momento, era um dos elementos essenciais para que um imóvel fosse tombado ou não no nível estadual.

As instalações físicas do terreiro em muito pouco diferem dos mocambos que se espalham pelos subúrbios recifenses. O prédio onde se situam os espaços destinados ao culto é composto por construções de época e materiais diversos: paredes em taipa e em tijolo, cobertas em telhas canal e Francesa, numa mistura que demonstra a precariedade construtiva decorrente principalmente da falta de recursos dos que compõem o terreiro. (Processo nº 103, p. 07).

Apesar de vários fatores técnicos e científicos, na época, contribuíssem para o não tombamento do Terreiro Obá Ogunté, a própria Fundarpe recomendou o tombamento do bem cultural para o CEC. Cabe destacar que a proposta de tombamento elaborada por Raul lody não foi uma prática social isolada e muito menos sua aprovação, visto que no mesmo ano, a nível nacional, houve o tombamento do terreiro de candomblé Casa Branca, em Salvador, Bahia. Era a primeira vez que a tradição afro- brasileira obtinha o reconhecimento oficial do Estado Nacional.

Segue na resolução da Fundarpe sobre o tombamento do Terreiro Obá Ogunté ou Sitio do Pai Adão, os argumentos para sua aprovação enquanto digno de fazer parte do universo patrimonial de Pernambuco:

Na perspectiva de se discutir o tombamento de um terreiro de Xangô é interessante refletir sobre alguns pontos menos comuns para fundamentar

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