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O Patrimônio Cultural como representação

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Patrimônio Cultural

1.3 O Patrimônio Cultural como representação

A palavra representação incorpora uma gama de significados e interpretações. Etimologicamente, representação pode ser entendida como a apresentação de algo no lugar de outro, a presentificação de um ausente; ou a apresentação de algo através de uma nova forma ou ambiente, o que denuncia uma ausência. “A ideia central é a da substituição, que recoloca uma ausência e torna sensível uma presença” (PESAVENTO, 2012: 40). Por muito tempo, a noção de representação desempenhou um papel central no estudo e compreensão da literatura, da arte e da religião (SALAZAR, 2008: 172).

Para a filosofia ocidental, as pessoas sabem e compreendem o mundo complexo em que vivem através do ato de nomeá-lo, assim, através de linguagem e representações. Por essa perspectiva, a ideia de representação envolve processos de percepção, identificação, reconhecimento, classificação, legitimação e exclusão – sistemas de significação que torna o real presente. Nessa corrente de pensamento, a representação não é o próprio real, muito menos sua cópia, mas uma “imagem” exibida através da linguagem feita a partir dele e sobre ele.

De acordo com a historiadora americana Lynn Hunt (2006: 27), a partir de 1960, a representação tem ocupado um importante lugar no estudo da cultura nas ciências humanas, sobretudo entre os historiadores que adotam a abordagem cultural em suas pesquisas. Assim, os historiadores da cultura, como são chamados aqueles que são adeptos da História Cultural, expandiram os temas e objetos de estudo ao desviarem a atenção das conjunturas sociais e econômicas para as relações humanas no cotidiano. Em outras palavras, das posições sociais e econômicas para as representações construídas em um determinado espaço e tempo.

Daí a emergência de novos objetos no seio das questões históricas: as atitudes perante a vida e a morte, as crenças e os comportamentos religiosos, os sistemas de parentesco e as relações familiares, os rituais, as formas de sociabilidade, as modalidades de funcionamento escolar, etc. (CHARTIER, 1990: 14).

Desde então, a representação tem se mostrado uma categoria central para a chamada História Cultural (BURKER, 2008). De acordo com o historiador francês Roger Chartier, um dos expoentes da História Cultural, o objetivo principal dessa corrente historiográfica é:

... a compreensão das formas e dos motivos – ou, por outras palavras, das representações do mundo social – que, à revelia dos atores sociais, traduzem as suas posições e interesses objetivamente confrontados e que, paralelamente, descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou como gostariam que fosse. A história cultural tem como premissa estudar a visão de mundo dos agentes do passado, ou seja, como eles entendiam o seu mundo através das representações individuais e coletivas. (CHARTIER, 1990: 19).

Para a História Cultural, a cultura é entendida como o conjunto de realizações humanas, materiais ou imateriais, ao longo do tempo (SILVA & SILVA, 2009: 183). Assim, todas as realizações, incluindo as que designamos por econômicas ou sociais, não são anteriores e nem determinam a cultura; elas próprias são campos de prática cultural e produção cultural. Nessa perspectiva, encontra-se o conceito de cultura de Roger Chartier (1990):

Denota um padrão, transmitindo historicamente, de significados corporizados em símbolos, um sistema de concepções herdadas, expressas em formas simbólicas, por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e atitudes perante a vida. (67).

Vale ressaltar que a cultura nem se configura como um campo autônomo, nem como extremamente determinado. Nos processos constitutivos daquilo que se denomina por “cultura” de um determinado grupo ou sociedade há sempre disputa entre os diferentes sujeitos sociais pelo poder simbólico para saber quem tem a autoridade de dizer e fazer crer sobre quais representações definem a “cultura” da sociedade ou, pelo menos, de uma boa parte dela. Pois, são nas lutas de representações que um grupo tenta impor a sua visão de mundo, os seus valores como os mais legítimos, os mais importantes, ou simplesmente, os mais válidos em decorrência dos valores de outros grupos sociais que, por estarem sempre em concorrência, constroem contraditoriamente o mundo como representação (CHARTIER, 1991: 185). Assim, a cultura é entendida como um contínuo processo em construção no nível simbólico, como práticas de

representação que dão sentido a dada realidade de uma sociedade ou parcela dela, esta que sempre esta permeada por conflitos e interesses diversos.

Para Roger Chartier, é a partir da representação que ocorrem as percepções sociais sobre aquilo que se denomina realidade. Deste modo, não é o mundo material portador do sentido, mas são as representações e as linguagens que as transmiti que dão sentido ao mundo. Em outras palavras, é pela representação e linguagem que os sujeitos sociais “visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significa simbolicamente um estatuto e uma posição” (CHARTIER, 1991: 186).

Na representação usamos signos, organizados em linguagem de diferentes tipos, para produzir um sentido, transmitir uma ideia, mobilizar um valor, enfim, tornar legível o que se denomina realidade. Assim, tem-se na representação uma dimensão que conta: o signo – representante - e o significado - representado. O primeiro exposto por meio da linguagem para se remeter ao segundo, no caso o sentido ausente, que se deseja representar.

Roger Chartier alerta que o trabalho de representação é sempre um processo de classificação e delimitação que produz um ordenamento do mundo social. E a linguagem, o modo como os signos são expostos, não é de forma alguma um discurso neutro. Pois,

Por um lado os dispositivos formais – textuais ou materiais - inscrevem em suas próprias estruturas as expectativas e as competências do público a que visam organizando-se portanto a partir de uma representação da diferenciação social. (CHARTIER, 1991: 186).

Por outro lado, o modo como às representações são apropriadas, interpretadas pelos sujeitos sociais é complexo. O que denota que a relação entre signo e significado, entre o representante e aquilo/aquele ausente que se deseja representar, exige um conhecimento prévio sobre essa relação.

A partir das contribuições de Roger Chartier, a historiadora brasileira Sandra Jatahy Pesavento (2012) defende que as representações são construídas social e historicamente e, por serem portadoras de função simbólica, carregam sentidos ocultos. “Dizem mais do que aquilo que mostram ou enunciam” (PESAVENTO, 2012: 41) e, quando expostas publicamente através da linguagem, as representações podem suscitar diferentes significados de acordo com o cenário social no qual são exibidas e interpretadas pelos diferentes agentes que compõem tal cenário.

Outra característica da representação apontada por Sandra Jatahy Pesavento é que ela tende a ser “internalizada no subconsciente” (2012: 41) dos sujeitos sociais como naturais, como verdades absolutas sobre a realidade que deseja significar. Uma vez que, os dispositivos da representação se valem de articulações retóricas, estratégias de convencimento através de narrativas que aquilo que ela demonstra é o próprio real.

E, por fim, Sandra Jatahy Pesavento destaca que a força da representação esta na capacidade de produzir reconhecimento e legitimidade social. É pela representação e a linguagem que a transmite que se dá as relações de poder no nível simbólico. Uma vez que são as práticas de representação, por envolver questões em torno do poder de classificar e delimitar, que definem as posições hierárquicas construídas no nível simbólico.

A partir dos pressupostos teóricos da História Cultural, entendemos que o patrimônio cultural, é uma construção social, como defende o antropólogo Llorenç Prats (1998), que trabalha em um sistema de representação que transforma bens culturais em signos e sua ordenação lógica em uma linguagem. Os bens culturais que integram o campo do patrimônio, como afirma o antropólogo José Reginaldo Gonçalves “são resgatados, restaurados e preservados basicamente para serem exibidos. Sua exibição autentica não somente o que eles representam, mas também como eles representam” (GONÇALVES, 2002: 80).

Além da preocupação com os objetos e lugares materiais que integraram por muito tempo uma tradicional concepção de patrimônio cultural, fala-se também em patrimônio cultural imaterial como expressões culturais, rituais, saberes e fazeres reconhecidos e promovidos pelo Estado. A partir dos patrimônios culturais, então, são criadas e recriadas imagens para apreender e compreender uma dada realidade. Visto que, em vários termos, buscam legitimar determinadas representações das identidades sociais, da memória, da cultura ou de outros valores.

Nessa perspectiva, os patrimônios culturais são máquinas de representação, e não simples reflexo, da história, da memória ou mesmo da cultura. Diferente do que muitos acreditam os patrimônios culturais não devem ser preservados pelo motivo no qual com eles se preserva a própria história ou memória de um grupo social ou mesmo de toda sociedade. Que o patrimônio cultural, às vezes, revele pontos de coincidência com as categorias história e memória não se discute, já que as três categorias nos remetem ao passado, mas o fazem de forma diferente (TAMASO, 2012: 28).

O historiador francês Jacques Le Goff defende que a memória deve ser compreendida,

como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas. (LE GOFF, 2008: 419).

Nesse sentido, a memória se constitui do vivido, da experiência de ter estado lá, ter visto aquilo ou aquele em um determinado momento, ter sido testemunha ocular do ocorrido.

As frases “eu estive lá” ou “eu vi aquilo” são exclusivas da memória. Assim, pela narrativa da memória é possível até dizer “foi assim como aconteceu no passado”. Contudo, a memória não se constitui pelo discurso da veracidade e nem da verossimilhança. Uma vez que a memória possui seu “aspecto mítico e anacrônico” como escreve Jacques Le Goff (2008: 29). Por ser um fenômeno que sempre parte do presente em direção ao passado, a memória está em constante transformação, sendo deformada com o passar do tempo. Já que nela impera a dialética da lembrança e do esquecimento - processo de seleção sobre o que lembrar e o que esquecer de acordo com os interesses e valores no ato de rememorar. Outra característica da memória é que ela é espontânea, coletiva, plural, múltipla e individualizada (NORA, 1993: 09).

Os estudos empreendidos pelo sociólogo francês Maurice Halbawchs (2006) contribuíram para um melhor entendido da composição das chamadas memória individual e memória coletiva. Para Maurice Halbawchs, a memória individual não é composta exclusivamente pelo sujeito social, mas também pela memória do grupo, sociedade e instituições que ele se encontra inserido. É na relação com os outros que construímos as nossas lembranças e, juntos, tecemos a memória coletiva do grupo, uma memória comum para todos os membros da comunidade compartilhar. Como destaca Pierre Nora ao definir a memória coletiva como “o que fica do passado no vivido dos grupos, ou o que os grupos fazem do passado” (NORA Apud Le Goff: 2008: 467).

É verdade que a memória coletiva pode contribuir, e muitas vezes é o que acontece, para a patrimonialização de bens culturais. Uma vez que, assim como patrimônio cultural, “a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades hoje, na febre e na angustia” (Le Goff, 2008: 469). Contudo, “diferentemente dos fatos de memória, que é elaborada, transmitida e

realimentada diretamente pelos atores sociais, em redes de relações sociais, o patrimônio é uma realidade instituída pelo Estado” (ARANTES, 2006: 426).

O patrimônio cultural não pode ser confundido com a memória. Uma vez o bem cultural selecionado pelo Estado e exposto para exibir determinados valores culturais que motivaram a patrimonialização, deixa de se submeter à lógica da memória. Já que, patrimonializado, o bem cultural fica menos sujeito ao contínuo processo de transformação e atualização que é inerente à memória.

O bem cultural transformado em patrimônio cultural é retirado da dinamicidade típica da memória para representar novos valores atribuídos pelo Estado que se cristalizam, consagrando uma dada representação do passado, da cultura, da história, etc. Desta forma, o patrimônio cultural pode ser considerado “um reservatório de objetos de valor vítimas da História e dos homens” (POULOT, 2009: 26).

Já a história, representa o passado de maneira diferente tanto do patrimônio cultural quanto da memória. Considerada aqui como ciência “dos homens, no tempo” (BLOCH, 2001: 55), a história tem como uma das principais características, de acordo com Paul Ricouer (2007), a “pretensão à verdade” ao tentar criar uma representação historiadora do passado. Pretensão essa que exige do historiador um rigor analítico na prova documental – o método histórico da crítica das fontes-; uma explicação/orientação que alicerce seus argumentos durante a narrativa histórica – o manuseio das ferramentas conceituais e teóricas de forma convincente -; e a produção de uma representância – a capacidade do discurso histórico de produzir uma representação do passado com verossimilhança. Esses processos, que compõem a operação histórica, precisam contar com o reconhecimento dos colegas de profissão que os examinam, os revisam e os legitimam, ou não, para a construção do conhecimento histórico.

Vale ressaltar que para o historiador Paul Ricouer (2007: 247) seria um equivoco acreditar que a seleção documental, a explicação/orientação e a representação historiadora ocorrem em estágios sucessivos na operação histórica. Para o autor, essas três fases constituem estágios intricados, já que o historiador sempre recorre a elas no momento da produção do conhecimento histórico. Outra questão apontada pelo autor é que, geralmente, os historiadores denominam a fase da representação historiadora ou representância como o momento da escrita da história ou historiografia. Segundo Paul Ricouer, “aplicar-lhe o título de escrita da história ou historiografia é um equivoco”,

pois “a história é uma escrita, de uma ponta a outra: dos arquivos aos textos dos historiadores, escritos, publicados, dados a ler” (RICOUER, 2007: 247).

Na perspectiva de Paul Ricouer, então, a história se vale de normas de cientificidade para buscar cumprir um pacto com seu leitor ou ouvinte. Esse pacto é a pretensão à verdade, uma promessa que, se sabe, nunca cumprida, mas sempre almejada. Pois, é impossível para o discurso histórico representar o passado tal como ele “realmente foi”. Só é possível representar o passado como ele pode “ter sido”. Para o autor, essa é a grande aporia da ciência história. Muitas vezes não consciente desse fato, o leitor ou ouvinte da história procura a reprodução fiel do passado, mas só pode esperar do discurso histórico que ele se aproxime daquilo que pode ter acontecido no passado. Assim, a história, sempre suscetível a constantes revisões, trabalha com a dimensão da verossimilhança e não da veracidade. Uma vez que, “a verossimilhança do “ter sido” da narrativa histórica é baseada na operação histórica que sustenta a concepção de conhecimento histórico” (RICOUER, 2007: 263).

Os historiadores estão conscientes hoje que “o passado é uma construção e uma reinterpretação constante e tem um futuro que é parte integrante e significativa da história” (LE GOFF, 2008: 25). Esse futuro, para a operação histórica, seria o aperfeiçoamento das ferramentas teóricas através do escrutínio acadêmico e das análises comparativas entre os historiadores que permitem as revisões das suas obras e, assim, contribuem para o processo de construção contínua do conhecimento histórico.

A partir das reflexões expostas sobre a produção do conhecimento histórico, pode-se resumir que “a história é uma operação intelectual que se atém à dimensão temporal” e “feita com rigor analítico e discurso crítico” (TAMASO, 2012: 28) na tentativa de representar o passado ou o que pode ter sido o passado. Já o patrimônio cultural, apesar de utilizar, muitas vezes, traços e narrativas históricas para representar o passado, “não é equivalente à história nem mesmo quando a imita. Ambos reconstroem o passado em termos do presente, mas enquanto a história torna o passado compreensível, o patrimônio tende a torná-lo agradável” (TAMASO, 2012: 31).

Assim, o processo de representação do passado orquestrado pelo patrimônio cultural não é, nem de longe, baseado nos critérios de verossimilhança. Enquanto a história se configura como uma operação intelectual para representar o passado e se submete ao escrutínio acadêmico das análises comparativas e críticas construtivas, elementos essenciais para a produção do conhecimento científico, o patrimônio cultural

tende a não se submeter a tais situações, “uma vez que não é um relato plausível e nem mesmo testável sobre o passado, mas antes uma “profissão de fé”” (TAMASO, 2012: 31).

Doravante, aceitar as políticas de representação construídas pelo discurso do patrimônio cultural sobre o passado ou outros valores que ele deseja construir ou mobilizar é uma questão de fé, não há espaço para discussão sobre o que se constitui como “verdadeiro” ou “falso” no discurso patrimonial. Pois,

Os patrimônios sempre prometem algo mais do que eles mesmos: prometem a experiência de realidade ausente, distante, e que nos acena por meio de seus fragmentos – em outras palavras, trazem sempre uma promessa não cumprida de totalização. (GONÇALVES, 2007: 244).

Sabe-se que as políticas de identidade elaboradas a partir do patrimônio cultural fazem do tempo uma substância importante no universo da cultura. Contudo, as narrativas e traços do patrimônio cultural são poetizados em mitos, lendas, ficções e contos para alimentar “tradições inventadas” no sentido empregado pelo historiador Eric Hobsbawm (2012). Os patrimônios culturais, enquanto parte dos mitos de origem e invenções de tradições:

São essenciais à política de identidade pela qual grupos de pessoas, ao se definirem hoje por etnia, religião ou fronteiras nacionais passadas ou presentes, tentam encontrar alguma certeza em um mundo incerto e instável, dizendo: “somos diferentes, somos melhores do que os outros”. (HOBSBAWM, 1998: 19).

Após as reflexões sobre como história, memória e patrimônio cultural representam simbolicamente o passado, essas categorias são interpretadas neste trabalho como diferentes. Isso quer dizer que, em certos casos, a história, a memória e o patrimônio cultural se relacionam e mantém pontos de coincidência. Mas é importante destacar que cada uma dessas categorias atende a propósitos distintos.

O principal propósito do patrimônio cultural no cenário contemporâneo “... consiste em certificar a identidade e em afirmar valores, além da celebração de sentimentos, se necessário, contra a verdade histórica” (POULOT, 2009: 12). Assim, mais do que simples documento ou registro de um tempo passado, o patrimônio cultural compreende todos aqueles elementos que fundam a identidade de um determinado grupo social e que produz “marcas de distinção” (VELOSO, 2006: 438) ao definir um “nós” ao nos diferenciar de um “deles”.

O elemento determinante que justifica a preservação dos bens culturais através da sua incorporação ao patrimônio cultural é sua capacidade de representar

simbolicamente identidades individuais e coletivas. No mundo contemporâneo marcado pelo processo de globalização estas identidades se multiplicam e se sobrepõem: são grupos nacionais, regionais, locais, étnicas, religiosas, raciais, sexuais ou de gênero que fazem uso das políticas culturais do patrimônio para se reconhecer e serem vistos (POULOT, 2009: 15).

Nos tempos de uma “atualidade viva do patrimônio” (POULOT, 2009: 157) onde se encara com naturalidade a obrigação de preservar os bens culturais, os traços e narrativas do patrimônio cultural são pouco abertos a analises críticas (LOWENTHAL, 1998: 121). Nas raras ocasiões em que esses traços e narrativas são questionados, aquele que lança a critica é considerado no debate publico como “vândalo” no sentido do termo em que foi empregado pela primeira vez durante a Revolução francesa, aquele que aceita a destruição do patrimônio da coletividade.

As políticas e práticas patrimoniais, ao preservar determinados bens culturais como importantes para o presente e gerações futuras, cumprem a função de representar aquilo que corre o risco de perda, mesmo que esta perda esteja “subsumida em identidades reais ou imaginarias, mais ou menos modestas, mais ou menos espetaculares” (PEIXOTO, 2004: 203). Pois, preservar, é proteger algo ou alguém de algum dano futuro. E só se opera o esforço para a preservação quando ocorre o sentimento de sua perda iminente.

A partir da ótica apresentada, o patrimônio cultural possui um papel central no processo de construção de identidades, já que “a sociedade (e/ou grupo) constrói e reproduz a sua identidade através do apego constante ao seu passado, mitológico, histórico e, principalmente, simbólico-religioso” (RODRIGUES, 2012: 03).

Assim, os patrimônios culturais ao representarem um passado agradável, sagrado, mítico, “permitem as respostas às questões: quem eu sou? O que eu poderia ser? Quem eu quero ser?” (WOODWARD, 2009: 17). Sabemos que as identidades, seja individual ou social, não são naturais, rígidas e nem imutáveis. Mas construídas culturalmente ao longo do tempo através de elementos que conectam os sujeitos ao que chamamos de sociedade, grupos, instituições, e etc. no processo descrito pelo

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