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5 PARÂMETROS PARA O CONTROLE DE LEGITIMIDADE

6.1 INSTRUMENTOS DE CONTROLE

Os Tribunais de Contas recebem diretamente do texto Constitucional a competência para o exame de legalidade, legitimidade e economicidade do gasto público, podendo, inclu- sive, aplicar sanções ao agente público, diante do ato de gestão ilegítimo. No âmbito do Tribunal de Contas da União, esses aspectos são verificados em vários tipos de processos, que, apensar de iniciados de formas diversas, têm basicamente o mesmo foco: o controle do gasto público.

No âmbito do Tribunal de Contas da União, os processos podem ser iniciados pelo: cidadão, mediante denúncia; pelas autoridades públicas, mediante representação; de ofício, pelo próprio Tribunal; pelo Congresso Nacional, por meio de solicitações; e pela autoridade responsáveis pela guarda de recursos, no caso de dano ao erário, mediante a instauração de tomada de contas especial.574 Nesses processos, poderão ser aferidos, além da legalidade, os aspectos de legitimidade do ato de gestão.

A mudança de paradigma da forma de atuação do Estado, impulsionado pela necessidade de prestações positivas, mormente a partir da formação do Estado Social, tornou obsoleto o controle externo apenas pautado na legalidade. Além da aferição da legalidade, exige-se, expressamente na Constituição, que também se verifique a economicidade e a legiti- midade do gasto público. Além do controle-contenção, faz-se necessário o controle-promo- ção.575

A partir da Constituição de 1967, deixou de existir o controle prévio mediante registro da despesa, que consistia basicamente em exame formal da documentação que suportava o gasto. No seu lugar, os Tribunais de Contas receberam a competência para aferir, mediante fiscalizações in loco, a regularidade do gasto público.

Os Tribunais de Contas devem adentrar, o tanto quanto possível, no mérito do ato administrativo, para verificar se são impulsionados no sentido da materialização dos objetivos traçados pela Carta Constitucional. A aferição da boa gestão pública exige análise da moti-

574

Lei 8.443/1992, art. 1º, II, art. 8º, art. 53. Regimento Interno do TCU, art. 237.

575

vação e verificação das razoabilidades das escolhas por parte do gestor, para se certificar se o gasto público foi eficiente, nos termos aqui abordados576, legal, transparente, moral, impes- soal, enfim, para se certificar se na gestão dos recursos públicos fora observado o direito fundamental à boa administração pública.

No âmbito do Tribunal de Contas da União, dentre os instrumentos de fiscalização, destacam-se as auditorias de conformidade e as auditorias operacionais que, conquanto se prestem para aferir a regularidade da gestão, têm escopos diferentes.

6.1.2 Auditoria de conformidade e auditoria operacional: entre o exame de legalidade e o de legitimidade

A auditoria de conformidade é o “instrumento de fiscalização utilizado pelo Tribunal para examinar a legalidade e a legitimidade dos atos de gestão dos responsáveis sujeitos a sua jurisdição, quanto ao aspecto contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial.”577

A auditoria operacional,578 por seu turno, é o “exame independente e objetivo da economicidade579, eficiência580, eficácia581 e efetividade582 de organizações, programas e atividades governamentais, com a finalidade de promover o aperfeiçoamento da gestão

576

Veja no item 5.3.2 O conteúdo jurídico da eficiência.

577

Brasil. Tribunal de Contas da União. Portaria-Segecex n. 26, de 19 de outubro de 2009. Padrões de auditoria de

conformidade. BTCU Especial. Brasília Ano xliii n. 2 3/ fev. 2010, p. 19. 578

Brasil. Tribunal de Contas da União. Portaria Segecex n.4, de 26 de fevereiro de 2010. Manual de auditoria operacional. 3.ed. – Brasília : TCU, Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo (Seprog), 2010., p. 11.

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“A economicidade é a minimização dos custos dos recursos utilizados na consecução de uma atividade, sem comprometimento dos padrões de qualidade. Refere-se à capacidade de uma instituição gerir adequadamente os recursos financeiros colocados à sua disposição. O exame da economicidade poderá abranger a verificação de práticas gerenciais, sistemas de gerenciamento, benchmarking de processos de compra e outros procedimentos afetos à auditoria operacional, enquanto o exame estrito da legalidade de procedimentos de licitação, fidedignidade de documentos, eficiência dos controles internos e outros deverão ser objeto de auditoria de conformidade.” Brasil. Tribunal de Contas da União. Manual de

auditoria operacional..., op. cit. p 11. 580

“A eficiência é definida como a relação entre os produtos (bens e serviços) gerados por uma atividade e os custos dos insumos empregados para produzi-los, em um determinado período de tempo, mantidos os padrões de qualidade. Essa dimensão refere-se ao esforço do processo de transformação de insumos em produtos. Pode ser examinada sob duas perspectivas: minimização do custo total ou dos meios necessários para obter a mesma quantidade e qualidade de produto; ou otimização da combinação de insumos para maximizar o produto quando o gasto total está previamente fixado” Brasil. Tribunal de Contas da União. Manual de auditoria operacional..., op. cit., p. 12.

581

“A eficácia é definida como o grau de alcance das metas programadas (bens e serviços) em um determinado período de tempo, independentemente dos custos implicados (COHEN; FRANCO, 1993). O conceito de eficácia diz respeito à capacidade da gestão de cumprir objetivos imediatos, traduzidos em metas de produção ou de atendimento, ou seja, a capacidade de prover bens ou serviços de acordo com o estabelecido no planejamento das ações.” Brasil. Tribunal de Contas da União. Manual de auditoria operacional..., op. cit., p. 12.

582 “A efetividade diz respeito ao alcance dos resultados pretendidos, a médio e longo prazo. Refere-se à relação entre os

resultados de uma intervenção ou programa, em termos de efeitos sobre a população alvo (impactos observados), e os objetivos pretendidos (impactos esperados), traduzidos pelos objetivos finalísticos da intervenção. Trata-se de verificar a ocorrência de mudanças na população-alvo que se poderia razoavelmente atribuir às ações do programa avaliado.” Brasil. Tribunal de Contas da União. Manual de auditoria operacional..., op. cit., p. 12.

pública.” A auditoria operacional também pode envolver o exame de equidade583.

As auditorias operacionais são próprias das Auditorias-Gerais, ao passo que as audito- rias de conformidade estão vinculadas à tradição dos Tribunais de Contas.584

Tanto a auditoria de conformidade quanto a auditoria operacional se prestam para a análise da legitimidade do gasto público; a primeira, ao mencionar expressamente o exame de legitimidade do gasto como um de seus objetivos, e, a segunda, ao mencionar o exame de economicidade, eficiência, eficácia, efetividade e equidade do gasto público, muito mais pró- ximo de um controle substancial do gasto.

As não-conformidades de ambas as auditorias são estruturadas na forma de “achados de auditoria”585

, que é a discrepância entre a situação encontrada e o “critério”. O “achado” deve vir corroborado por “evidências”586

, que são as provas da discrepância entre a situação encon- trada e o “critério”.

O “critério”, o parâmetro, como viemos defendendo ao longo deste trabalho, é conditio

sine qua non para o exercício do controle. É o que dá segurança jurídica e possibilita o exer-

583

“O exame da equidade, que pode ser derivado da dimensão de efetividade da política pública, baseia-se no princípio que reconhece a diferença entre os indivíduos e a necessidade de tratamento diferenciado. Segundo Rawls (apud COHEN; FRANCO, 1993, p. 25), “para proporcionar uma autêntica igualdade de oportunidades a sociedade deve atender mais aos nascidos com menos dotes e aos nascidos em setores socialmente menos favorecidos”. Ainda segundo Ra ls (apud MEDEIROS, 1999), o tratamento desigual é justo quando é benéfico ao indivíduo mais carente–desigualdade justa. Promover a equidade é garantir as condições para que todos tenham acesso ao exercício de seus direitos civis (liberdade de expressão, de acesso à informação, de associação, de voto, igualdade entre gêneros), políticos e sociais (saúde, educação, moradia, segurança)6. Portanto, as políticas públicas de proteção e de desenvolvimento social têm papel fundamental na construção da equidade. O exame da equidade poderá envolver, por exemplo, a investigação dos critérios de alocação de recursos vis-à-vis à distribuição espacial e o perfil socioeconômico da população-alvo; as estratégias adotadas pelo gestor público para adequar a oferta de serviços ou benefícios às diferentes necessidades do público-alvo; ou o exame do impacto diferenciado decorrente da implementação da política pública.” Brasil. Tribunal de Contas da União. Manual de auditoria operacional..., op. cit., p.13.

584

Sobre Auditorias-Gerais e Tribunais de Contas, vide o item 4.2.1.1 Tribunais de Contas e Auditorias-Gerais.

585

“Achado é a discrepância entre a situação existente e o critério.” Brasil. Tribunal de Contas da União. Manual de

auditoria operacional, op. cit., p.13. A mesma definição é data no Manual de Auditoria de Conformidade: “Decorre da

comparação da situação encontrada com o critério e deve ser devidamente comprovado por evidências juntadas ao relatório”. Brasil. Tribunal de Contas da União. Padrões de auditoria de conformidade.Op. cit., p. 19.

586

“Evidências – Informações obtidas durante a fiscalização no intuito de documentar os achados e de respaldar as opiniões e conclusões da equipe, podendo ser classificadas como físicas, testemunhais, documentais e analíticas. Devem ter os seguintes atributos: a) validade - a evidência deve ser legítima, ou seja, baseada em informações precisas e confiáveis; b) confiabilidade - garantia de que serão obtidos os mesmos resultados se a fiscalização for repetida. Para obter evidências confiáveis, é importante considerar que: é conveniente usar diferentes fontes; é interessante usar diferentes abordagens; fontes externas, em geral, são mais confiáveis que internas; evidências documentais são mais confiáveis que orais; evidências obtidas por observação direta ou análise são mais confiáveis que aquelas obtidas indiretamente; c) relevância - a evidência é relevante se for relacionada, de forma clara e lógica, aos critérios e objetivos da fiscalização; d) suficiência - a quantidade e qualidade das evidências obtidas devem persuadir o leitor de que os achados, conclusões, recomendações e determinações da auditoria estão bem fundamentados. É importante lembrar que a quantidade de evidências não substitui a falta dos outros atributos (validade, confiabilidade, relevância). Quanto maior a materialidade do objeto fiscalizado, o risco, e o grau de sensibilidade do fiscalizado a determinado assunto, maior será a necessidade de evidências mais robustas. A existência de fiscalizações anteriores também indica essa necessidade”. Brasil. Tribunal de Contas da União. Padrões de auditoria de

conformidade.op. cit., p. 19. No mesmo sentido a definição do Manual de Auditoria Operacional: “Evidências são

informações obtidas durante a auditoria e usadas para fundamentar os achados. O conjunto de achados irá respaldar as conclusões do trabalho. A equipe deve esforçar-se para obter evidências de diferentes fontes e de diversas naturezas, porque isso fortalecerá as conclusões” Brasil. Tribunal de Contas da União. Manual de auditoria operacional, op. cit., p. 37.

cício do poder sancionatório atribuído à Corte de Contas. O critério deve ter uma definição mínima que possibilite ao gestor se guiar com certa margem de segurança.

O critério não é definido no momento em que se planeja a auditoria, o critério para o controle da gestão pública já é posto antecipadamente (como é da essência de qualquer critério) pelo nosso ordenamento jurídico, de observância obrigatória pelo auditor-controlador e pelo gestor-controlado.

No âmbito da auditoria de conformidade, o “critério” é: “legislação, norma, jurispru- dência, entendimento doutrinário”.587

No âmbito da auditoria operacional, o critério é:

[...] o padrão de desempenho usado para medir a economicidade, eficiência, eficácia e efetividade do objeto de auditoria. Serve para determinar se o objeto auditado atinge, excede ou está aquém do desempenho esperado. Pode ser definido de forma quantitativa ou qualitativa. Atingir ou exceder o critério pode indicar a ocorrência de boas práticas. Não alcançar o critério indica oportunidade de melhoria de desem- penho. É importante destacar que desempenho satisfatório não é desempenho per- feito, mas é o esperado, considerando as circunstâncias com as quais o auditado trabalha.588

Ou ainda: “referenciais aceitos e/ou tecnicamente validados para o objeto sob análise, como padrões e boas práticas, que a equipe compara com a situação encontrada. Reflete como deveria ser a gestão.”589

As duas auditorias se prestam para apuração da legitimidade da gestão. No entanto, a auditoria de conformidade utiliza critérios mais objetivos. A consequência disso está no enca- minhamento que deve ser dado aos achados (constatações discrepantes do critério).

Na auditoria de conformidade, onde o critério é mais objetivo:

[...] na proposta de encaminhamento, quando for aplicável, devem ser formuladas proposições de medidas saneadoras (audiência, citação)590 e/ou cautelares (afastamento temporário do responsável, indisponibilidade de bens do responsável, arresto de bens do responsável, suspensão de ato ou procedimento) para cada achado de auditoria, decorrentes ou não da investigação de questões de auditoria. (...) Nas situações que envolvam determinações não cumpridas sem justificativa pertinente, deve ser incluída proposta de aplicação de multa fundamentada no inciso VII ou VIII do Art. 268 do RI, bem como proposta de reiteração das determinações, fixando prazo para o cumprimento destas.591

587

Brasil. Tribunal de Contas da União. Padrões de auditoria de conformidade. op. cit., p.21.

588

Brasil. Tribunal de Contas da União. Manual de auditoria operacional, op. cit., p. 35.

589

Brasil. Tribunal de Contas da União. Padrões de auditoria de conformidade. op. cit., p.21.

590

No âmbito do Tribunal de Contas da União, as audiências e citação são utilizadas para abrir ampla defesa e contraditório aos responsáveis. No decorrer de uma fiscalização, se for apurado algum dano ao erário, terá que ser instaurada uma tomada de contas especial e o responsável será citado para apresentar alegações de defesa, podendo, ao final, vir a ser imputado débito e sancionado com multa. Se for constatado algum ato ilegítimo ou antieconômico, o responsável será ouvido em audiência no próprio processo de auditoria, podendo vir a ser sancionado com multa, conforme art. 43, II, art. 47, parágrafo único, art. 58, III, da Lei 8.443/1992.

591

Observa-se que no encaminhamento existe a possibilidade de proposição de sanção ao gestor, inclusive pela prática de ato de gestão ilegítimo.

Na auditoria operacional, onde o critério é mais “elástico”, “as propostas de encaminhamento são recomendações e determinações que a equipe de auditoria demonstra serem necessárias e que contribuirão para sanar alguma deficiência identificada pela audito- ria”,592 não havendo proposta por sancionamento.

Uma vez fixada a determinação, havendo o descumprimento, fica o gestor passível de sanção.593 É que a partir da fixação da determinação, o critério se torna mais preciso.

Em ambas as auditorias se faz controle de legitimidade. Na auditoria de conformidade, por exemplo, quando se interpretam os conceitos indeterminados previstos nas normas toma- das como critérios. Como aferir a regularidade de uma licitação em face do disposto no art. 37, XXI, da Constituição Federal, que visa resguardar a lisura nas compras, impendido inclusive direcionamentos, ao se determinar que nos certames as exigências de qualificação técnica e econômica se restrinjam unicamente às “indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”? De certo que se terá que avaliar mais que um aspecto formal do edital de licitação, perquirindo, no caso concreto, o que seria ou não indispensável à garantia do cumprimento das obrigações.

A auditoria operacional, por se debruçar sobre os aspectos de economicidade, eficiência, eficácia, e equidade da gestão do gasto público, se apresenta mais apta a fazer um exame substancial da legitimidade do gasto, apesar de, pela maleabilidade dos critérios que adota, dificultar um sancionamento.

Na auditoria operacional, pode-se, por exemplo, no exame de eficiência, eficácia, efetividade e equidade da gestão, a partir dos programas de trabalhos do orçamento, realizar a análise do programa de trabalho isoladamente verificando o atingimento das metas (inclusive a razoabilidade na fixação das mesmas) e aferir, dentro de um mesmo órgão, quais programas de trabalho estão sob gestão de determinado agente público e analisar, tendo em vista os vetores Constitucionais, quais programas de trabalhos estão sendo priorizados em face da limitação dos recursos, para que se possa formar um juízo de valor, principalmente quanto à equidade do gasto público – que está incluída no conteúdo jurídico do princípio da eficiência,

592

Brasil. Tribunal de Contas da União. Manual de auditoria operacional, op. cit., p. 51.

593

ou seja, a priorização e maximização dos objetivos traçados pela Constituição.594

A possibilidade de sanção existe, mas primeiro se fortalece o critério, por meio de recomendações e determinações. Faz parte da sequência da auditoria operacional a fase de monitoramento595 de cumprimento das determinações e recomendações, e, caso ocorra o descumprimento das determinações, fica o gestor passível de multa.

6.2 DETERMINAÇÕES E RECOMENDAÇÕES E O ADENSAMENTO DO CRITÉRIO