• Nenhum resultado encontrado

O dever de motivação e o dever de ponderação

5 PARÂMETROS PARA O CONTROLE DE LEGITIMIDADE

5.2 DISCRICIONARIEADE E A SINDICABILIDADE DA GESTÃO PÚBLICA

5.2.6 O dever de motivação e o dever de ponderação

Motivos são as circunstâncias de fato e de direito que autorizam a administração à práti- ca do ato. O motivo legal é a previsão em abstrato da situação fática e o motivo de fato é a própria situação fática.473

Diógenes Gasparini explica que o motivo é a situação fática ou de direito que autoriza ou impõe ao gestor público a prática do ato.474 E não sem razão. O gestor público recebe apenas poderes instrumentais para o cumprimento de deveres que lhe são impostos. Trata-se do exercício de uma função em benefício de outrem. Assim, diante de determinada situação

470

TACITO, op. cit. p., 81.

471

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional, op. cit., p. 82.

472

Ibid., p. 82-83.

473

Ibid., p. 87.

474

prevista na norma, deve o gestor agir buscando o fim almejado pelo ordenamento, sob pena de se configurar desvio de poder por omissão.

Não se pode confundir o motivo com a intenção (o móvel) do agente. A intenção é subjetiva, interna, psicológica. O motivo é externo, objetivo. O motivo reside na lei e na reali- dade empírica que precedem a existência do ato e é condição de sua validade.475

A sindicabilidade dos motivos que levaram à prática do ato é perfeitamente viável. Como realidade é objetiva deve ser averiguada a existência efetiva dos motivos fáticos. “Se inexiste o motivo, ou se dele o administrador extraiu consequências incompatíveis com o princípio de direito aplicado, o ato será nulo por violação da legalidade.”476

A possibilidade de averiguação dos motivos há muito já ingressou no nosso ordena- mento, tomando por viciado o ato cujo motivo seja inexistente ou inadequado ao fim a que se pretende alcançar: “a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inade- quada ao resultado obtido”477

.

Deve-se verificar não só a efetiva existência dos motivos, mas, também, se certificar da “adequação à face de princípios encapados pelo Direito, entre a situação tomada como base para a prática do ato e a finalidade que a lei atribuiu à competência exercida.”478

Trata-se da verificação da causa, que é a “relação de adequação lógica entre o pressuposto de fato (mo- tivo) e o conteúdo do ato [...] em vista de sua finalidade legal.”479

A aferição do motivo é menos complexa quando a lei se vale de conceitos precisos, tal como aquela que obriga os servidores a se aposentarem aos setenta anos de idade. No entanto, a apreensão do motivo se torna mais complexa, mas não inviável, quando a norma emprega conceitos vagos, indeterminado.480

Não há que confundir motivo com motivação. Está e a enunciação, explicitação dos motivos.481 A motivação deve ser previamente ou contemporânea à prática do ato, nunca posterior. Na lição de Gasto Jéze:

O simples fato de não haver o agente público exposto os motivos de seu ato bastará

475

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional, op. cit., p. 87-88.

476

TÁCITO, op. cit. p. 60.

477

Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, arts. 1º e 2º, parágrafo único, aliena ‘d’.

478

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional, op. cit., p.94.

479

Ibid., p. 95.

480

Vide item 5.2.2 Conceitos indeterminados.

481

para torná-lo irregular; o ato não motivado, quando o devia ser, presume-se não ter sido executado com toda a ponderação desejável, nem ter tido em vista um interesse público da esfera de sua competência funcional.482

Tanto os atos vinculados quanto os atos discricionários devem ser devidamente moti- vados,483 estes com muito mais razão do que aqueles. Não subsiste mais a afirmativa de que “[...] nos atos vinculados a motivação é obrigatória; nos discricionários, é facultativa.”484

A administração tutela interesse de toda a coletividade e recebe seus poderes instrumen- tais para que cumpra os deveres que lhe foram impostos pelo ordenamento. O gestor não age em nome próprio, o princípio da impessoalidade lhe impõe o dever demonstrar os porquês de sua ação, principalmente quando há margem para juízo de oportunidade e conveniência para a prática do ato.

Bastante difundida entre nós, a “teoria dos motivos determinantes” vincula a validade do ato aos motivos indicados como fundamento da sua prática. Assim, se inexistentes ou insuficientes, os atos são nulos.485

Celso Antonio Bandeira de Melo questiona se a motivação é requisito autônomo de legitimidade. Ou em outras palavras, se a inexistência de motivação a priori ou contem- porânea sempre levaria à nulidade do ato.Ressalta ele que, de fato, seria impossível aferição de legitimidade ou correção do ato administrativo se ele tiver sido expedito sem motivação, as razões posteriores são justificativas que jamais poderíamos saber se efetivamente existiram ou foram levadas em consideração no momento da prática do ato486 e arremata:

Se o motivo foi vinculado é obrigatória a prática do ato ante a sua ocorrência, a falta de motivação não invalida o ato desde que o motivo haja efetivamente exigido e seja demonstrável induvidosamente sua antecedência em relação ao ato. Se a escolha do motivo for discricionária (ou sua apreciação comportar alguma discricionariedade) ou ainda quando o conteúdo do ato for discricionário, a motivação é obrigatória.487 Quando se diz que a motivação é a exposição dos fatos e do direito que autorizam a prática do ato, quer dize com isso que o gestor é obrigado a apresentar não o fato e a norma específica que autorizariam a prática do ato, mas o quadro fático e jurídico em que foi prati- cado.

Com a mudança de paradigma para a vinculação da ação da Administração à Consti-

482

Gaston Jéze, Les príncipes généraus Du Droit Administratif. Paris, 1926, III/219 apud MEIRELLES, op. cit. p. 157.

483

DI PIETRO. Direito Administrativo. Op. cit.,p. 219.

484

MEIRELLES, op. cit., p. 159.

485

Ibid., p. 158.

486

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional, op. cit., p.103-104.

487

tuição, a motivação do ato ganha novos contornos. A motivação é a garantia de que as deci- sões da Administração Pública foram tomadas dentro das possibilidades traçadas pela Consti- tuição. “Os atos administrativos, com efeito, não refletem escolhas e opções dos agentes públicos, mas materialização de pré-compreensões constitucionais.”488

A vinculação à Constituição exige que o agente público, diante da situação fática, pondere entre princípio, leis, decreto, “conferindo ao ato administrativo o caráter de norma jurídica individual. Não uma norma jurídica individual retirada metafisicamente de textos, mas construída ponderadamente.”489

O gestor público não pratica o ato isoladamente, senão dentro de um quadro de fatos e normas que devem ser ponderados, com base nos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade.

Deve o gestor avaliar os interesses que estão em jogo. Ponderar que atendendo a deter- minados interesses, outros deixaram de ser atendidos. Deve o gestor, guiado pelos critérios colocados pela Constituição, fazer uma ponderação do que está em jogo, e motivar o ato considerando seus reflexos no conjunto da gestão.

A motivação dos atos da Administração Pública, como resultado da ponderação, é uma relação de sentido, isto é, uma aproximação entre os indícios formais do texto - regra, princípio, direitos - com as vivências. [...] Ocorre no horizonte de sentido do caso; materializa-se como ponderação(entendimento) na qual agente público tem o dever de avaliar de forma transparente as vinculações constitucionais; e acontece na linguagem, até porque esta é a casa do sentido da Constituição, assumindo especial relevância a linguagem dos princípios fundamentais dos artigos 1º e 3º, CF.490

O ato administrativo deve ser visto como um “ato de autêntica ponderação”.491